Teilhard de Chardin e a diafania de Deus no Universo
Tempera-te na Matéria,
Filho da Terra,
Banha-te em suas
dobras ardentes,
pois ela é a fonte
e a juventude
da tua vida”
(T.Chardin)
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
Introdução
Uma
das figuras mais singelas e nobres da mística contemporânea foi o jesuíta Pierre
Teilhard de Chardin (1881-1955). É raro encontrar no panorama da
espiritualidade cristã vigente na primeira metade do século XX alguém que
conseguiu viver com tamanha intensidade a experiência do Real, com toda a
riqueza de sua materialidade, colhendo o dinamismo espiritual que brota do
canto das coisas mesmas. Seu testemunho e suas obras traduzem o dinamismo de
uma vida “preenchida”, tocada pela semente do amor. Mais de que uma teoria ou
sistema, o que ele buscou traduzir foi “um certo gosto, uma certa percepção da
beleza, do comovente, da unidade do ser”[1].
Apesar de toda resistência encontrada ao longo de seu caminho, das oposições sofridas e das decepções
vivenciadas, nada disso interrompeu o traço fundamental de seu incontornável
otimismo com os rumos da humanidade. Não via outro caminho senão o da confiança
e da esperança, como confidenciou à sua amiga, Léontine Zanta: “Crer
energicamente que o Universo é bom e que são boas as suas potências, desde que
os tratemos laboriosamente e fielmente no sentido em que as coisas se tornem
melhores e mais unas”[2].
Teilhard
transmite uma “visão apaixonada da Terra”, um amor sem limites às suas
energias, segredos e esperanças. É o que mais seduz em suas reflexões.
Impressiona nele a inteireza e a coragem. Não há obstáculos que o impeçam de
apostar no dinamismo que anima a matéria e a vida. Foi um “cristão audacioso”,
que chegou a roçar precipícios. Mas como sinalizou Henri de Lubac, sua
experiência de fé e seu enraizamento na tradição foram essenciais nessa arriscada
aventura, preservando-o da queda: “Foi nesse enraizamento que foi beber o sumo
daquilo que nele admiramos de mais vigorosamente pessoal”[3].
Em
sua vida foi tocado por dois grande amores: o Mundo e Deus. Neles vislumbrava o
eixo profundo do cristianismo e em sua conjunção a visibilização do reino de
Deus. Não conseguia encontrar outro caminho “fora da síntese (teórica e
prática) da fé apaixonada no Mundo e da fé apaixonada em Deus. Ser plenamente
humano e cristão, um pelo outro”[4]. O
filósofo Henrique Cláudio de Lima Vaz assinala essas duas presenças na vida de
Teilhard, ou seja, a experiência da terra e o influxo da graça. A primeira, foi
decisiva e fundamental:
Na elaboração de seu
pensamento, Teilhard lutou continuamente contra a tentação do espiritualismo
extraterreno, desenraizado da terra, desenvolvido no menosprezo do terreno;
contra a tentação de pensar o homem independente da terra. Esforçou-se por
mostrar que só podemos compreender realmente o homem na sua solidariedade com a
terra, na sua dependência telúrica[5].
Mas
o segredo dessa “solidariedade com a terra” está numa experiência espiritual,
tocada pela gratuidade da graça. Aqui reside o traço mais íntimo de sua
experiência, que não se penetra senão com delicadeza e respeito. Na verdade, “nada
ou bem pouco se poderia explicar de seu pensamento se não pudéssemos
acompanhá-lo através de seu itinerário espiritual, desse crescimento na graça,
nas descobertas dos valores do Evangelho, principalmente dos valores mais
universais”[6].
Teilhard pedia
permanentemente a Deus para manter aceso em seu coração a capacidade permanente
de ouvir e perceber, assim como de transmitir aos outros, até a embriagues, “a
imensa música das coisas”[7]. É
o “apelo da matéria” que o acompanhou desde a tenra idade, mais precisamente,
aquele “algo que cintilava no coração da matéria”[8].
Teilhard descreve admiravelmente esse seu itinerário espiritual em sua obra de
1950, O coração da matéria. Fala de
sua paixão infantil pelo ferro e pelas rochas, a busca pelo “permanente e duradouro”,
e dos desdobramentos de sua abertura infinita ao mundo planetário e ao mundo
interior da vida cósmica, até vislumbrar o mistério que habita o sentido do
Todo.
Nesse
itinerário da comunhão com Deus através do cosmos, ou de ir ao céu mediante o
cumprimento da terra, Teilhard reservou um lugar especial ao Cristo. É nele que
o místico francês vislumbra a possibilidade efetiva de dar consistência,
coração e rosto ao Mundo celebrado[9].
Não se trata, porém, de “sobrepor Cristo ao Mundo, mas de ´pancristizar`o
Universo”[10].
Enquanto o cosmos em evolução faculta uma outra dimensão ao cristico, o
crístico, por sua vez, “intensifica ao máximo a potência energética e
unificante do cósmico”[11].
As etapas de sua vida
Teilhard
de Chardin nasceu em maio de 1881, no pequeno vilarejo de Sarcenet, na região
francesa de Puy-de-Dôme. Seus pais tiveram onze filhos, sendo ele o quarto da
numerosa família. Seu pai, Emmanuel Teilhard de Chardin, era um agricultor
erudito, muito interessado na observação da natureza. Foi dele que Pierre
herdou seu amor pelas pedras, plantas e animais. De sua mãe, Berthe-Adèle de
Dompierre d´Hornoy, herdou a centelha da corrente mística cristã, e a dinâmica
de sua animação.
A vida de
Teilhard pode ser dividida em quatro etapas ou fases. A primeira traduz os anos de sua formação, marcadamente
tradicional. Passa pela formação jesuíta no colégio de Mongré, entrando em
seguida na Companhia de Jesus (1899), vindo a ordenar-se sacerdote em agosto de
1911. Podem-se perceber vivos traços da espiritualidade jesuítica na cosmovisão
de Teilhard, de modo particular a percepção da presença e diafania de Deus no
mundo[12].
A segunda fase cobre sua experiência na
guerra, podendo situar-se entre os anos de 1914 e 1918. Foram anos fecundos
para o seu amadurecimento pessoal, e ali nasceram suas primeiras intuições,
firmando-se as bases de sua reflexão futura. Nesse período, ele “entra na plena
maturidade. Na frente de combate, sob as asas da morte, longe das conversações
da vida de todos os dias, na solidão das noites de sentinela ou, nos intervalos
de repouso, um pouco na retaguarda da linhas de batalha, ele reflete, reza e,
perscrutando o futuro, entrega-se. A presença de Deus toma posse dele”[13].
Uma terceira fase cobre os “anos
parisienses” e as expedições subsequentes, iniciando-se entre os anos de
1919 e 1923 e prorrogando até a Segunda Guerra Mundial. É o período de sua
formação científica em Paris, nos campos da paleontologia e da geologia. Ali
defende sua tese doutoral em ciência, no ano de 1922, sendo também convidado a lecionar geologia no
Instituto Católico de Paris. Nesse momento surgem os primeiros conflitos com as
autoridades da Igreja católica e da Companhia de Jesus, que não estavam
preparadas para acolher a novidade de seu pensamento. Por decisão de seus
superiores é enviado à China, para lá dar continuidade às suas pesquisas
científicas. A primeira viagem ocorreu em 1923, sendo precursora de outras
tantas. Vai, praticamente, fixar residência na China até 1945[14].
A China torna-se para Teilhard uma “segunda pátria”, e ali desenvolve não só
suas reflexões científicas, mas também espirituais e teológicas, quando então
acontece “o pleno amadurecimento de suas idéias”[15].
O próprio Teilhard dirá a respeito: “Provo pela China, meu país adotivo, um
grande reconhecimento. A China foi a sorte da minha vida. Contribuiu com a sua
imensidão e a enormidade de suas dimensões, para ampliar o meu pensamento e
elevá-lo à escala planetária”[16].
A última fase de sua vida cobre o período que vai do final da Segunda Guerra,
1945, até sua morte, ocorrida em Nova York, em 1955. É uma fase marcada por
grande fecundidade intelectual, mas também pontuada por muitas tensões e
sofrimentos, motivados pela resistência e oposição às suas idéias.
Os conflitos com a Igreja
As
maiores dificuldades enfrentadas por Teilhard com as autoridades da Igreja e de
sua ordem ocorreram em razão de suas produções espirituais e teológicas. Os
primeiros conflito acontecem nos anos de 1925 e 1926. Nesse período será
destituído de sua cátedra no Instituto Católico de Paris[17] e
enviado para o seu primeiro “exílio” na China. Lamenta em carta a seu amigo,
Père Valensin, em dezembro de 1926, a visão restrita da Igreja católica,
incapaz de a seu ver abraçar o dinamismo do mundo. Sente-se como um
“estrangeiro” face à literalidade das crenças, preocupações e métodos vigentes
na Igreja e na Companhia de Jesus, e “sufocado” na atmosfera “católica” do
período. Sublinha também sua percepção de uma enorme desproporção entre as
perspectivas católicas de então com as possibilidades religiosas do mundo. E
desabafa com o amigo: “Oh! como amaria poder encontrar santo Inácio ou
Francisco de Assis, presenças que nosso tempo tanto necessita. Seguir um homem
de Deus num caminho livre e refrescante, impelido pela plenitude da seiva
religiosa de seu tempo, que sonho!”[18]. No ano seguinte, em
carta a Léontine Zanta, questiona o integrismo vigente na Igreja católica,
identificando-o como um caminho simples e cômodo para driblar os desafios do
tempo, excluindo do reino de Deus “as enormes potencialidades que se agitam por
toda a parte”. Com sua veia crítica, adverte: “Não há dúvida de que por vezes
se tem a impressão de que as nossas igrejinhas nos escondem a Terra”[19].
As dificuldades, iniciadas em 1925, balizarão de forma quase ininterrupta toda
a sua existência. Passou por períodos fortes de angústia, e mesmo por crises de
“antieclesiasticismo”, superados pela vitalidade de sua fé no Espírito, que é o
“organizador vivo e amoroso do Mundo”[20].
Como assinalou Henri de Lubac, o segredo da resistência de Teilhard estava na
sua vida espiritual: “Fortalecido por esta fidelidade, jamais se deixava
abater, porque tinha consciência de trabalhar, não para si, nem para uma causa
simplesmente humana, mas para Deus”[21].
Nova
onda de dificuldades, ainda mais duras, aconteceram a partir de 1948, quando
por ordem de seu provincial, a pedido do Geral dos Jesuítas, Teilhard vem
aconselhado a restringir suas publicações aos temas puramente científicos. Vem
igualmente persuadido pelos superiores da América a não dar conferências ali. O
clima é tenso[22]. Na
verdade, nenhuma obra de cunho espiritual ou teológico conseguiu autorização de
publicação quando Teilhard estava ainda vivo. Todas foram publicadas
postumamente. Já frágil de saúde, depois de um infarto sofrido em junho de
1947, Teilhard vai viver momentos pesados de ansiedade e sofrimento com toda a
situação que o envolvia[23].
Ataques à reflexão de Teilhard ocorrem no
período, já antecipando o clima de cerceamento que ocorrerá por ocasião da
publicação da encíclica Humani Generis,
de Pio XII (1950). Pode-se registrar, sobretudo, os posicionamentos críticos do
dominicano Garrigou-Lagrange, que buscou vincular o pensamento de Teilhard à
Nova Teologia francesa[24].
Em carta ao amigo Max Bégouen, de agosto de 1950, comentando sobre os teólogos
integristas, Teilhard reage: “Eles nos impedem de adorar e amar plenamente;
eles querem impedir Deus de engrandecer aos nossos olhos”[25].
Após a publicação da Humani Generis,
um novo exílio impõe-se ao místico
francês, desta vez em Nova York, onde permanecerá até o fim de seus dias, em
1955.
As
dificuldades com a obra de Teilhard e, sobretudo, com a difusão de seu
pensamento, não se encerraram com a sua morte. Há que recordar que o início da
publicação das obras de Teilhard ocorreu após sua morte, com a edição dos treze
volumes, entre os anos de 1955 e 1976[26].
Dentre seus principais trabalhos, o Fenômeno
Humano, escrito entre 1938-1940, só veio publicado em 1955 e o Meio Divino, escrito entre 1926-1927, só
vem editado em 1957. Na sequência das primeiras publicações dessas obras,
aparecem as resistências no mundo acadêmico e magisterial. Em 1959, um grupo de
teólogos da Pontifícia Academia Teológica Romana, esboça uma primeira reação em
publicação sobre o sistema que envolve a reflexão de Teilhard[27].
Em junho de 1962 vem o posicionamento do Vaticano, com o Monitum do Santo Ofício sobre a obra de Teilhard de Chardin. Em
reação à publicação póstuma das obras de Teilhard, o documento do Santo Ofício
chama a atenção para as “ambigüidades” e “erros graves” que acompanham a
reflexão do pensador francês, e que estariam em contradição com a doutrina
católica. O texto adverte ainda aos bispos, aos superiores de institutos
religiosos, superiores de seminários e reitores universitários sobre a necessidade
de protegerem seus fiéis, sobretudo os mais jovens, dos “perigos que apresentam
as obras do P. Teilhard de Chardin e de seus discípulos”. O Monitum, publicado no jornal L´Osservatore Romano, no início de julho
de 1962, veio seguido de um comentário anônimo, onde são tecidas algumas
críticas ao pensamento de Teilhard, particularmente aos desdobramentos
filosóficos e teológicos de sua reflexão científica. O texto chama a atenção
para alguns riscos presentes na reflexão de Teilhard, em torno de temas como a
criação; a relação entre cosmos e Deus; a questão do Cristo; da criação,
encarnação e redenção; do espírito e da matéria; do pecado; do lugar do mundo.
Dentre as preocupações apontadas, destacam-se o lugar insuficientemente
expresso concedido à transcendência divina na lógica teilhardiana e a falta de
clareza com respeito à distinção entre ordem natural e ordem sobrenatural.
Mesmo reconhecendo a intensidade da vida espiritual de Teilhard no plano de sua
vida privada, o texto indica que o sistema teilhardiano inclina-se para uma
naturalização da ordem sobrenatural. Aponta-se, mais ao final do comentário,
que em numerosos pontos dos escritos de Teilhard verifica-se uma oposição com a
doutrina católica[28].
Novas críticas
ao pensamento de Teilhard aparecem na primeira metade dos anos 1960, traduzindo
o complexo clima que preparou o advento do Concílio Vaticano II. Dentre os
estudos publicados na ocasião podem-se mencionar os artigos de Claude
Tresmontant (1962), de Charles Journet (1962) e Etienne Gilson (1965)[29].
Segue-se no pós-concílio o livro de Jacques Maritain, Le paysan de la Garonne (O camponês do Garona), onde tece duras
críticas ao que denomina teilhardismo, ou seja, a problemática circulação de
idéias que envolvem o pensamento de Teilhard[30].
Mas há que considerar o outro lado da medalha, ou seja, a linha de reflexão que
vai num sentido distinto dessa visão crítica a Teilhard, e que recupera a
complexidade e riqueza de seu pensamento filosófico e teológico. Podem aqui ser
elencadas as obras de Claude Cuénot (1958), Madeleine Barthélemy-Madaule
(1962), Henri de Lubac (1962 e 1964) Émile Rideau (1965) e Pierre Smulders
(1964)[31].
A pesada
atmosfera eclesiástica que acompanhou os desdobramentos da encíclica Humani Generis (1950), com toda a
repercussão no abafamento da reflexão teológica[32],
vem transformada com a primavera do Concílio Vaticano II (1962-1965). O
Concílio vem “dilatar os espaços da caridade”, para utilizar uma bela expressão
do papa João XXIII. Embora Maritain tenha afirmado que o evento conciliar tenha
ignorado o esforço em favor de um “melhor cristianismo”, como o defendido por
Teilhard, não há como negar o influxo do místico francês na espiritualidade e
teologia do Vaticano II. É o que mostra com acerto Rosino Gibellini em sua
reflexão. O Concílio aciona novamente na agenda da Igreja católica as “forças
de renovação” e esse movimento tem, certamente, um influxo de Teilhard:
A reflexão de Teilhard de
Chardin, cujas obras começaram a ser publicadas postumamente a partir de 1955,
influenciaram na espiritualidade e teologia do concílio, sobretudo na complexa
temática das relações entre igreja e mundo; e sucessivamente na teologia do
pós-concílio, onde se tornará agudo o problema da relação entre salvação cristã
e história humana[33].
A diafania de Deus no Universo
Levando-se
em conta a nova sensibilidade que marca esse início de milênio, e todos os
desafios que tocam a dinâmica do tempo atual, nada mais pertinente do que
retomar a riqueza da mística de Teilhard de Chardin, em toda a sua densidade e
tessitura. Ela merece ser descoberta, como apontou com razão Edith de la
Heronnière. Toda a sua obra e vida traduzem “um hino ao mundo, uma poética da
criação e das criaturas vibrantes de emoção”[34].
Não há dúvida de que Teilhard foi um dos grandes místicos do século XX. Um
místico singular, profundamente sintonizado com a “ressonância do Todo”, com a
perscrutação do Real, com a vibração do Tempo. Para ele, toda a dinâmica vital
da matéria era caminho para a percepção da Grande Presença. Em seu belo texto em
que aborda a missa sobre o mundo, convoca a atenção de todos para a irradiação
universal dessa Presença, que é mistério que sempre advém. Na distância das
estepes da Ásia, na ausência do pão e do vinho para celebrar a eucaristia,
oferece ao Pai “o trabalho e a fadiga do Mundo”. O seu cálice e sua patena “são
as profundezas de uma alma largamente aberta a todas as forças que, num
instante, vão se elevar de todos os pontos do Globo e convergir para o
Espírito”[35]. Ali em
Ordos revela com um lirismo que é único sua “simpatia irresistível por tudo
aquilo que se move na matéria obscura”. É com a “seiva do mundo”, e a
fragrância que o envolve, que capta a Presença do Espírito, e sobe “vestido com
esplendor concreto do Universo”[36].
O seu olhar é o de alguém que busca um “Deus paupável”, que é também gratuita
Fantasia; um Deus que é força ardente, e se revela a cada momento na
simplicidade das coisas.
Henri
de Lubac soube reconhecer com grandeza a riqueza do vigor místico de Teilhard[37] e
a peculiaridade da linguagem que envolve a sua reflexão, que enquanto mística é
paradoxal e “excessiva”, mas guarda o segredo de quem toca o Mistério do Real.
Alguns resistem à sua ousadia, pois sentem-se balançados na sua
auto-compreensão, e temem perder o chão sob os pés. Mas para quem sabe Ver, o
caminho que ele abre é singular e novidadeiro.
Teilhard é alguém que “sente
apaixonadamente com seu tempo”. O desafio essencial que lança com sua vida e
seus trabalhos é o de saber captar a presença de Deus em toda parte, de “vê-lo
no mais secreto, no mais consistente, no mais definitivo do mundo”. Como bem
sintetizou De Lubac, “ao cristão que sabe ver, não há nada no mundo que não
mostre Deus”[38]. O que
se exige de todos é uma educação do olhar, de forma a vislumbrar a diafania de
Deus, sua “universal transparência” na criação e na história. O ser humano,
como mostra Teilhard em diversos momentos de sua reflexão, já está sempre
inserido no Meio Divino. O que é necessário, é dar-se conta disso, abrir os
olhos para perceber essa sua imersão permanente no Mistério do Todo[39].
Em carta de abril de 1923, Teilhard sublinha que os vértices habitados por Deus
não se encontram numa montanha inacessível, mas numa “esfera mais profunda das
coisas”. E conclui dizendo que “o segredo do mundo está em toda parte onde
conseguimos captar a transparência do Universo”[40].
Essa percepção da “immédiateté” do
Mistério em toda parte, traduz uma visão profunda do Deus criador. Longe de ser
uma visão problemática, revela uma percepção que conquistou cidadania no
pensamento teológico atual, como bem mostrou Henrique Cláudio de Lima Vaz.
Trata-se de uma “visão profundamente tradicional, integralmente ortodoxa: nela
se verificam maravilhosamente as características da mística cristã enumerada
por um grande teólogo contemporâneo, uma das luzes, convém lembrá-lo, do
Vaticano II”[41].
O
amor ao tempo e à terra são vinculantes na reflexão mística de Teilhard. Se no
passado havia uma dicotomia que separava o amor ao céu e o amor à terra, como
se fossem possibilidades excludentes, abre-se agora um caminho novo: “ir ao céu
através da terra”. Trata-se de uma nova comunhão com Deus através do Mundo. Em
carta a Léontine Zanta, de outubro de 1926, assinala Teilhard:
Parece que a humanidade não
voltará a apaixonar-se por Deus antes que Este lhe seja mostrado no termo de um
movimento que prolongue o nosso culto pelo Real concreto, em vez de a ele nos
arrancar. Ah!, como o Real seria formidavelmente poderoso para nos arrebatar ao
nosso egoísmo, se soubéssemos olhá-lo na sua prodigiosa grandeza![42].
Na visão
teilhardiana, Deus é sempre um Mistério que advém, uma surpresa permanente.
Deus está sempre em processo de mudança. Não apenas um Deus do alto, mas um
Deus à frente. A descoberta desse Deus Mistério convoca a uma fé
transformadora, que combina uma dinâmica ascensional, em direção ao Mistério
sempre transcendente, com uma dinâmica propulsiva de imersão no imanente[43].
Um
toque singular na mística de Teilhard é a presença do feminino. Ao longo de
toda a sua vida, as mulheres tiveram um papel singular. Veja o lugar ocupado
por amigas como Marguerite, Léontine Zanta, Ida Treat e Lucile Swan e a larga
correspondência que elas entabulam com Teilhard. O traço unitivo do feminino
vem destacado por Teilhard numa de suas últimas obras, O coração da matéria. Trata-se de um dos fios essenciais que, junto
com os elementos cósmico, humano e crístico, entram para tecer o sistema
teilhardiano. Para Teilhard, o feminino é a “luz que ilumina todo o processo de
concentração universal”, entendido como “espírito de união”[44].
O Meio Divino
Com
o intuito de sinalizar um pouco mais concretamente a perspectiva mística de
Teilhard de Chardin, esta última parte do texto visa apresentar de forma
sintética o seu trabalho mais importante nesse campo, que é o Meio Divino.
Trata-se da expressão mais viva de sua espiritualidade e um dos grandes
clássicos da literatura mística cristã. Segundo Henri de Lubac, a obra não
nasce de uma improvisação, mas foi “lentamente gestada em sua vida”, como
lembra o próprio Teilhard, em carta de novembro de 1926[45].
Já no período em que esteve na frente de guerra, no ano de 1916, decidiu
“sistematizar sua vida interior”, amadurecendo, em seguida, o projeto até sua
redação final, entre o final de1926 e o início de 1927[46].
Como indica De Lubac, o livro foi escrito na “linguagem ardente de um homem que
vive com intensidade a aventura de seu século”[47].
O Meio divino constitui um complemento da
obra A Missa sobre o Mundo, escrita
na Páscoa de 1923[48].
Respira-se nos dois livros a mesma liberdade interior, a singela abertura ao
mundo e um otimismo renovado. Infelizmente, o Meio divino não recebeu autorização eclesiástica para sua
publicação. Aliás, não pôde ser publicado durante sua vida. A primeira edição
só vai sair em 1957 (Éditions du Seuil).
O
livro de Teilhard de Chardin vem dividido em três partes: A divinização das atividades (Parte I); A divinização das
passividades (Parte II) e O Meio Divino (Parte III). Logo na epígrafe, o autor
indica que o livro foi redigido para “aqueles que amam o mundo”. Lança, porém,
uma advertência no início: o livro destina-se aos “inquietos de dentro e de
fora” da Igreja, e não àqueles que se encontram “solidamente instalados em sua
fé”. Indica que aos que escapam da angústia ou fascinação diante de um mundo demasiadamente
grande ou demasiadamente belo o livro não provocará interesse[49].
O toque peculiar de otimismo e de percepção da diafania de Deus no mundo
envolve toda a introdução da obra: “Este pequeno livro, onde somente se
encontrará a eterna lição da Igreja, apenas repetida por um homem que sente
apaixonadamente com seu tempo, gostaria de ensinar a ver Deus em toda parte:
vê-lo no mais secreto, no mais consistente, no mais definitivo do mundo” (p.
13). Sua proposta vai no sentido de uma educação do olhar, que faculte aos
leitores a disponibilidade para abraçar o Mundo com amor. Deus é o sempre-já-aí
que “nos espera verdadeiramente nas coisas” (p. 14).
Na
abertura da primeira parte de seu livro, que trata da divinização das atividades, Teilhard assinala que a ação humana é
um dos dois componentes que traduzem a realidade da vida. Reagindo à visão
cristã tradicional que reforçava o desinteresse pela terra, propõe uma
perspectiva mais positiva onde se concilia o “amor a Deus e o saudável amor ao
mundo” (p. 19). É no âmbito da atividades que Teilhard desoculta o exercício de
“edificação de algo definitivo” (p. 22), que será identificado com a
“edificação do Reino celeste” (p.33). Todo esforço humano vem animado pela
dinâmica de “cooperação no acabamento do mundo em Cristo” (p. 23).
A
abertura à consciência do tempo e ao canto das coisas torna-se essencial para
Teilhard. Indica que “o que é necessário é ver: ver as coisas da maneira real e
intensa como elas são” (p. 25). Tudo contribui para o modelamento do mundo,
desde o “trabalho da alga”, a “indústria da abelha” e os esforços individuais
de espiritualização. O mundo sensível está aí, irradiando e inundando toda a
criação com as suas riquezas. É no campo do empenho vivo e da ação que acontece
o encontro íntimo de Deus com o mundo: “Deus, naquilo que Ele tem de mais vivo
e de mais encarnado, não está distante de nós, fora da esfera tangível, mas Ele
nos espera a cada instante na ação, na obra do momento. Ele está, de alguma
maneira, na ponta de minha caneta, de minha picareta, de meu pincel, de minha
agulha, de meu coração, de meu pensamento” (p. 31-32). Não há atividade humana
que escape ao domínio da “adoração”, embora se faça necessária a presença de
momentos especiais e preciosos de um contato mais explícito e manifesto com o
Mistério que a todos habita. Mas para aquele que “sabe ver” não há realidade
profana, e todo trabalho no tempo é expressão de uma imersão em Deus (p. 33).
Teilhard
empenha-se nessa primeira parte do livro a justificar a nobre humanização do
esforço cristão. Reconhece que algumas das grandes objeções presentes em seu
tempo contra o cristianismo relacionam-se com sua incapacidade de sintonizar-se
com a história, ou seja, um cristianismo que desloca seus praticantes “para
fora e para a margem da humanidade”, ou ainda mais doloroso, um cristianismo
que “torna desumanos os seus fiéis” (p. 35). Na contramão dessa perspectiva
escapista, propõe uma nova atitude: “De acordo com a nossa fé, nós temos o
direito e o dever de apaixonar-nos pelas coisas da Terra” (p. 37). Trata-se de
um empenho que se dá em virtude da própria exigência da Encarnação: “O Deus
encarnado não veio diminuir em nós a magnífica responsabilidade nem a
esplêndida ambição de nos construirmos a nós mesmos” (p. 37). Não há como desconhecer
aqui intuições que antecipam pistas abertas pela Gaudium et Spes do Vaticano II (1962-1965).
A
segunda parte do livro trata o tema da divinização
das passividades. A existência humana, como lembrou Teilhard, não é tecida
apenas pelas atividades, mas também pelas passividades, que revelam a presença
profunda de uma “noite impenetrável”. Esta noite pode estar carregada de
ameaças, mas pode, igualmente, revelar presenças que abrem caminhos inusitados
para a transfiguração da pessoa. Há passividades que são de crescimento e
outras que são de diminuição. Quanto às primeiras, há que reconhecer aí a
presença escondida do acolhimento divino. Numa das passagens mais bonitas de
todo o livro, Teilhard descreve o exercício de uma viagem interior, ao “recanto
mais secreto” de si mesmo, no “abismo profundo” de onde emana o poder de ação
(pp. 44-46). Não é uma viagem simples e tranqüila, mas pontuada pelo risco de
uma descoberta perturbadora e desestabilizadora. Quando nessa viagem interior o
chão começa a faltar, a tendência é querer retornar à superfície, ao
“confortável ambiente das coisas familiares”, evitando “sondar imprudentemente
os abismos”. O que faz vencer a “angustia essencial do átomo perdido no
universo” é a viva percepção da voz evangélica, captada no mais profundo da
noite: “Ego sum, noli timere” (Sou eu, não tenhas medo”).
Há,
porém, passividades que são de diminuição e que revelam traços difíceis e
negativos da própria existência: aqueles “em que nosso olhar, por mais longe
que o procure, não discerne mais qualquer resultado feliz, qualquer termo
sólido ao que nos acontece” (p. 48). São inúmeras as potências de diminuição,
algumas são de origem externa, como as “más sortes” que acometem as pessoas: as
infecções, os acidentes e incidentes nas suas diversas modalidades. Outras são
de origem interna, que já se apresentam no início da vida, como os defeitos
naturais ou incapacidades físicas, intelectuais ou morais, ou que se manifestam
mais tarde, como os acidentes e doenças. Segundo Teilhard, são processos de
“desorganização” que se instalam duramente no coração da existência e diminuem
a temperatura vital. São formas, às vezes violentas, que enfraquecem ou mesmo
matam a energia do viver. Há passividades que são inevitáveis, que acompanham o
avançar da idade, que marcam a velhice. Elas “arrancam-nos de nós mesmos para
nos empurrar para o fim” (p. 50). No horizonte da consumação de todas as diminuições está a morte, esta “indesejada
das gentes”, como diz o poeta Manoel Bandeira. Teilhard lança, porém, um desafio
que brota do mais íntimo da fé cristã: “Superemos a morte, descobrindo Deus
nela. E o Divino encontrar-se-á, ao mesmo tempo, instalado no coração de nós
mesmos, no último recanto que parecia poder escapar dele” (p. 51). Trata-se de
levar adiante o processo de transfiguração das diminuições, que se opera em
dois tempos, mediante a luta contra o mal e a dinâmica de sua reconfiguração.
Apesar
da envolvente realidade do mal, que circunscreve a vida e ameaça sua
realização, há que repelí-lo com todas as forças e Deus assim o quer (pp. 52 e
60). Na medida em que se aparta o sofrimento com toda a energia do coração,
“tanto mais aderimos, então, ao coração e à ação de Deus” (p. 53). Conforme
sublinha Teilhard, não há como escapar ao envelhecimento e à morte, nem driblar
totalmente o problema do mal, que é “um dos mistérios mais perturbadores do
universo”, mas é possível, sim, transfigurar essa “derrota” integrando-a num
plano positivo. Teilhard serve-se de uma rica analogia, tomada do mundo das
artes: “Semelhante a um artista que saberia aproveitar-se de um defeito ou de
uma impureza para tirar da pedra que ele esculpe, ou do bronze que ele funde,
as linhas mais delicadas ou um som mais belo, Deus, visto que nós nos confiamos amorosamente a Ele, sem descartar de
nós as mortes parciais nem a morte final, que fazem essencialmente parte de
nossa vida, as transfigura, integrando-as em um plano melhor” (p. 55).
Em
passagem que se assemelha a uma oração, Teilhard aponta o caminho da comunhão
pela diminuição. Quando tudo aponta na direção da vitória do desencanto ou do
sofrimento, sobretudo nos momentos de solidão da velhice ou da doença, quando o
sujeito sente que escapa de si mesmo, absolutamente passivo e “tristemente
diminuído”, é possível para aquele que crê identificar a Presença de Deus, que
abre dolorosamente as fibras do ser para aí penetrar com vigor e realizar o
espetáculo da comunhão (p. 59). Há situações ainda mais difíceis, como as que
acompanham a morte antes do tempo, mediante “desaparecimentos prematuros,
acidentes estúpidos, enfraquecimentos que atingem as áreas mais altas do ser”.
São experiências que obscurecem qualquer horizonte. Mesmo nesses casos é
possível realizar uma transfiguração. Diz Teilhard que “Deus deve, de alguma
maneira, a fim de penetrar definitivamente em nós, cavar-nos, esvaziar-nos,
fazer para si um lugar. Ele precisa, para assimilar-nos nele, retocar-nos,
refundir-nos, quebrar as moléculas de nosso ser. A morte é encarregada de
praticar, até o fundo de nós mesmos, esta abertura desejada” (p. 58). Teilhard
serve-se da história de santos ou de personagens singulares para exemplificar
testemunhos vivos de transfiguração do sofrimento, ou seja, de pessoas que
saíram renovadas ou engrandecidas das difíceis provações por que passaram (p.
56). A poeta brasileira, Lya Luft, fala das “mulheres ensolaradas”, cuja
“luminosidade se espalha por toda parte. Mesmo abaladas por alguma fatalidade,
ainda que lhes falte o que para tantas sobra em beleza ou luxo, tem em si uma
espécie de obstinado sol que se desprende delas como um perfume”[50].
Na
terceira parte do livro, Teilhard trata o tema do Meio Divino. Não há como escapar das “camadas ardentes” desse Meio
Divino que transparece por todo canto: “Em toda parte e ao redor de nós, à
esquerda e à direita, por trás e pela frente, por cima e por baixo, bastou
ultrapassarmos um pouco a área das aparências sensíveis para vermos surgir e
transparecer o Divino” (p. 83). Ele encontra-se, por um lado, radicalmente
“próximo e tangivel", mas escapa simultaneamente à apreensão. Ele se faz
presente no mais íntimo do humano e no mais consistente da Matéria. É realmente
o Centro ou Ponto último de convergência de todas as realidades. Para Teilhard,
“no Meio Divino, todos os elementos do universo se tocam por aquilo que eles têm de mais interior e de mais
definitivo” (p. 86). A sintonia com esse Centro não ocasiona um afastamento das
coisas, pois com a animação de sua visada elas ganham um brilho particular: “Um
dia, lá reencontraremos a essência e o brilho de todas as flores e das luzes
que tivermos que abandonar para sermos fiéis à vida” (p. 86). A comunhão com o
Divino não apaga também a singularidade das diferenças. Daí ser equivocado
identificar o pensamento de Teilhard como panteísta. O seu pensamento resguarda
a aspiração essencial que anima toda mística autêntica: “unir-se (isto é,
tornar-se o Outro), permanecendo si-mesmo” (p. 88).
Para
Teilhard, essa imagem da “transparência de Deus no universo” é o que anima o
mistério do cristianismo (p. 105). Trata-se de uma percepção que brota
naturalmente da viagem que leva o sujeito ao centro de si mesmo. Sentindo-se
invadido pelo Meio Divino ele sabe e pressente que esse mistério ardente está
em toda parte convidando-o a um novo modo de ser. E para essa concentração amorosa
no Divino concorrem três fundamentais virtudes: a pureza, a fé e a fidelidade
(p. 107). A pureza traduz o élan do amor de Deus na própria vida. A fé traduz a
confiança essencial na força misericordiosa e beneficiente de Deus. E deve ser
mais viva e vigorosa quanto mais a realidade anuncia-se ameaçadora e
irredutível. A fidelidade, por fim, é o que mantém acesa a crença e a esperança
na positividade do mundo. Segundo Teilhard, acreditando no mundo com pureza de
coração, “o mundo abrirá diante de nós os braços de Deus” (p. 113).
O
Meio Divino não é para Teilhard um “lugar fixo no Universo”, mas um “centro
móvel”, semelhante à estrela que guiou os reis magos na adoração do Deus
menino. E aqui Teilhard sugere uma linda imagem de Deus, bem diverso de uma
realidade já acabada: “Ele é para nós a
eterna descoberta e o eterno crescimento. Quanto mais cremos compreendê-lo,
mais Ele se revela outro. Quanto mais pensamos possuí-lo, mais Ele recua,
atraindo-nos para as profundezas de si mesmo” (p. 115). Esse astro ardente
conduz os seres humanos ao destino de formas diversificadas, mas “todas as
pistas que ele indica têm em comum que elas fazem subir sempre mais alto” (p.
115).
Teilhard
de Chardin brinda aos leitores uma das mais preciosas peças da mística cristã,
e uma das mais singulares da literatura mística universal. Não encontrou a
compreensão necessária em seu tempo, talvez pela incapacidade dos censores
perceberem a riqueza e singularidade de seu conteúdo. É uma obra que guarda as
riquezas de uma experiência de amor. Vale aqui a advertência feita por um dos
grandes místicos da tradição mística persa, Farid ud-din Attar, “os filhos da
ilusão naufragaram na música dos meus versos, mas os filhos da Realidade
souberam penetrar nos meus segredos mais íntimos”.
Conclusão
O
que mais impressiona e encanta em Teilhard de Chardin é a sua apaixonada
abertura ao mundo e sua capacidade de ver a presença de Deus em todo canto. Ao
tratar o tema da potência espiritual da matéria, sublinhou que “para
compreender o Mundo, o saber não basta; é preciso ver, tocar, viver na
presença, beber a existência quente no próprio seio da Realidade”[51].
Sua obra é um convite à imersão no Real, ao mergulho na matéria, em cuja força
e potência revela-se a face amorosa de Deus. Sofreu, e muito, por viver essa
opção em entrega e radicalidade, mas deixou rastros que estão dando muitos
frutos em nosso tempo. Viveu uma dor que é semelhante à de Simone Weil, que
lamentava a dificuldade da Igreja católica abraçar com gratuidade o mundo e
suas belezas: como poderia o cristianismo nomear-se católico se era incapaz de
envolver o universo em seu projeto? Assim também Teilhard de Chardin, com a sua
sede de matéria e sua sensibilidade universal, lamentava a imensa desproporção
entre a recolhida perspectiva católica e as imensas possibilidades religiosas
do mundo. Ele deixa um sólido legado, de otimismo, sensibilidade e abertura ao
tempo. É bonito reconhecer, como o fez Henri de Lubac em 1962, num período
ainda sombrio para Teilhard, mas que já anunciava a primavera conciliar, que
ele foi um “autêntico testemunho de Jesus Cristo”, tão fundamental e
imprescindível para o século XX[52].
(Publicado no livro: Faustino
Teixeira (Org). Caminhos da Mística. São Paulo: Paulinas, 2012)
[1] Pierre Teilhard de Chardin.
Accomplir l´homme. Lettres inédites
(1926-1952). Paris: Bernard Grasset, 1968, p. 74.
[2] Pierre Teilhard de Chardin.
Cartas a Léontine Zanta. Herder:
Lisboa, 1967, p. 103.
[3] Henri de Lubac. A oração de Teilhard de Chardin. São Paulo:
Duas Cidades, 1965, p. 16.
[4]
Pierre Teilhard de
Chardin. Cartas a Léontine Zanta, p.
137. E também: Id. Lettres intimes de
Teilhard de Chardin. Paris: Aubier Montaigne, 1972, pp. 143 e 187 (cartas a
Auguste Valensin).
[5] Henrique Cláudio de Lima
Vaz. Universo científico e visão cristã
em Teilhard de Chardin. Petrópolis: Vozes, 1967, p. 56.
[6] Ibidem, p. 57.
[7] Pierre Teilhard de Chardin.
Lettres de voyage (1923-1955). Paris:
Bernard Grasset, 1956, pp. 87-88.
[8] Pierre Teilhard de Chardin.
Il cuore della materia. 3 ed.
Brescia: Queriniana, 2007, pp. 11-12 (A edição original francesa é de 1976)
[11] Edith de la Heronnière. Teilhard de Chardin. Una mistica della
traversata. Genova: L´hippocampo, 2005, p. 301.
[12] Henrique Cláudio de Lima
Vaz. Universo científico e visão cristã
em Teilhard de Chardin, p. 52.
[14] Serão quase vinte anos de
permanência na China, entre os anos de 1923 e 1946, intercalados com expedições
e viagens aos Estados Unidos e França, sendo o período mais duradouro entre os
anos de 1939 a 1946. Veja a respeito: Patrice Boudignon. Pierre Teilhard de Chardin. Sa vie, son ouvre, sa réflexion. Paris:
Cerf, 2008, pp. 105 e 138. Ver ainda: Pierre Teilhard de Chardin. La mia fede. Scritti teologici. Brescia:
Queriniana, 1993, p. 7 (Introdução de Rosino Gibellini).
[15] Henrique Cláudio de Lima
Vaz. Universo científico e visão cristã
em Teilhard de Chardin, p. 36.
[16] Apud Edith de la
Heronnière. Teilhard de Chardin. Una
mistica della traversata. Genova: L´ippocampo, 2005, p. 232.
[17] Na origem desse afastamento
estaria a divulgação de algumas notas de Teilhard a respeito do pecado
original, redigidas confidencialmente, onde buscava uma conciliação entre os
dados da dogmática católica com a visão evolucionista moderna. Ver a respeito:
Pierre Teilhard de Chardin. La mia fede,
p. 7 (introdução de R.Gibellini).
[18] Pierre Teilhard de Chardin.
Lettres intimes de Teilhard de Chardin, p. 144 (carta a Père
Valensin, de 31 de dezembro de 1926).
[19] Pierre Teilhard de Chardin.
Cartas a Léontine Zanta, p. 99 (carta
de 7 de maio de 1927).
[20] Ibidem, pp. 45, 113, 101 e
108. Curiosamente, tinha escrito para a mesma amiga, em agosto de 1922: “Penso
que, como no Evangelho, as águas revoltas nos conduzem na medida em que ousamos
caminhar sobre elas, contanto que seja na direção e no amor de Deus”: Apud Henri
de Lubac. A oração de Teilhard de Chardin,
p. 108. Sinaliza em carta ao amigo Père Valensin, em abril de 1929, que a fase
anticristã, que tinha acabado de atravessar transformara-se numa “atitude mais
larga e mais calma”, e sabia agora da importância da síntese fundamental entre
o amor do Mundo e o amor da Igreja, e que seria destrutivo para a sua dinâmica
vital sacrificar qualquer um desses dois amores: Lettres intimes, p. 187.
[22] Pierre Teilhard de Chardin.
Accomplir l´homme, pp. 237-239 (carta
de de 08 de fevereiro de 1949). Ele lamenta toda essa situação e acrescenta: “O
cristianismo é alguma coisa bem maior que tais mesquinharias”: Ibidem, p. 239.
Ver ainda: Hans Küng. Existe Dios? 4 ed. Madrid: Cristiandad, 1979, pp.
248-249.
[23] Henri de Lubac. A oração de Teilhard de Chardin, p. 109;
Pierre Teilhard de
Chardin. Lettres intimes de Teilhard de Chardin, p. 401; Edith de la Heronnière. Teilhard de Chardin. Una mistica della
traversata, pp. 255,258-259.
[24] De modo particular, no
artigo publicado na revista Angelicum
(v.23, n. 314, de 1946), intitulado: “La nouvelle théologie: où va-t-elle ?”.
Ver a respeito: Pierre Teilhard de Chardin. Lettres
intimes de Teilhard de Chardin, p. 349 e Patrice Boudignon. Pierre Teilhard de Chardin, p. 285. Embora Teilhard tenha sido um outsider da teologia, esteve sempre
próximo dos teólogos de Fourvière e do grupo ligado à revista Études.
[25] Pierre Teilhard de Chardin.
Lettres intimes de Teilhard de Chardin, p. 351. Escreve ainda em
setembro de 1952: “O que me faz sofrer, no fim das contas, não é tanto
sentir-me sufocar no cristianismo, mas que o cristianismo esteja
momentaneamente sufocado nas mãos daqueles que oficialmente o detêm”: Apud
Edith de la Héronnière. Teilhard de
Chardin. Una mistica della traversata, p. 300.
[26] Para maiores detalhes ver:
Rosino Gibellini. Teilhard de Chardin.
L´opera e le interpretazioni. 4 ed. Brescia: Queriniana, 2005, pp. 9-89. Para
uma síntese cronológica de seus escritos cf. Fabio Montovani. Dizionario delle opere di Teilhard de
Chardin. Verona: Gabrielli Editori, 2006.
[27] Publicado em Divinitas 2 (1959): 219-364. Entre os
teólogos que escreveram: N.L. Guérard des Lauriers, R.Masi, Philippe de la
Trinité, Ch.Journet e M.Alessandri. Ver a respeito: Rosino Gibellini. Teilhard de Chardin. L´opera e le
interpretazioni, pp. 153-160.
[28] Monitum du Saint-Office. La
Documentation Catholique, v. 44, n. 1380, 15 juillet 1962, pp. 950-956 (a
publicação traz o conteúdo do Monitum
e o comentário anônimo anexo). O comentário anexo faz menção à obra de Henri de
Lubac sobre o pensamento religioso de Teilhard, considerando-a o “estudo mais
importante” publicado até então sobre o tema, mas o autor expressa sua
dificuldade em subscrever a posição de De Lubac, dados os “pontos de desacordo”
com a doutrina católica. Em passagem reveladora de seu diário do concílio, Henri de Lubac
assinala que se dizia nos jornais de 29 de setembro de 1962 que o seu nome
estava sendo cotado para perito do Vaticano II, e isto como expressão do
descontentamento de João XXIII com respeito ao Monitum do Santo Ofício sobre Teilhard de Chardin e do artigo
“anônimo”, em que se fazia oposição ao seu livro sobre o pensamento religioso
de Teilhard: Henri de Lubac. Carnets du
Concile I. Paris: Cerf, 2007, p. 89.
[29] Claude Tresmontant. O P.
Teilhard de Chardin e a teologia. Lettre,
n. 49-50, 1962; Charles Journet. Pierre Teilhard de Chardin pensador religioso.
Nova et Vetera, out.dez., 1962;
Etienne Gilson. O caso Teilhard de Chardin. Seminarium,
n. 4, 1965.
[30] Na avaliação de Maritain, a
“gnose teilhardista e a sua espectativa de um metacristianismo receberam do
Concílio um golpe bastante duro”: Jacques Maritain. O camponês do Garona. Lisboa: União Gráfica Lisboa, 1967, p. 154.
Sobre Teilhard ver ainda: Id. pp. 145-156 e 317-321 (em torno dos estudos de
Tresmontant e Charles Journet sobre Teilhard). Para uma serena e pertinente
crítica à visão de Maritain sobre Teilhard cf. Henrique Cláudio de Lima Vaz. Universo científico e visão cristã em
Teilhard de Chardin, pp. 20-31.
[31] Claude Cuénot. Pierre Teilhard de Chardin. Les grandes
étapes de son evolution. Paris: Plon, 1958; Madeleine Barthélemy-Madaule. Bergson e Teilhard. Paris: Seuil, 1962;
Henri de Lubac. La pensée religieuse du
Père Teilhard de Chardin. Paris: Aubier, 1962; Id. La prière du Père Teilhard de Chardin. Paris: Fayard, 1964; Émile Rideau. La pensée du Père Teilhard de Chardin. Paris: Seuil, 1965; Pierre
Smulders. La vision de Teilhard de Chardin. Bruges: Desclée de Brouwer, 1964.
[32] Como sublinhou Chenu,
grande teólogo e perito do Concílio Vaticano II, a Humani Generis fecha as portas para o dinamismo de esperança que
animava a reflexão teológico-pastoral no final dos anos 1940 e faz com que a
atmosfera torne-se “irrespirável”: Un théologien en liberté. Jacques Duquesne
interroge le Père Chenu. Paris: Le Centurion, 1975, pp. 130-131. Para Teilhard,
a encíclica revela-se bem fundamentalista. Cf. Accomplir l´homme, p. 262.
[33] Pierre Teilhard de Chardin.
La mia fede, p. 11 (introdução de
Rosino Gibellini).
[34] Edith de la Héronnière. Teilhard de Chardin. Una mistica della
traversata, p. 310.
[35] Teilhard de Chardin. Hino do universo. São Paulo: Paulus,
1994, p. 19. A edição original francesa é de 1961, embora sua redação tenha
ocorrido em 1924, quando Teilhard encontrava-se em expedição no deserto da
Mongólia (Ordos).
[36] Ibidem, pp. 21 e 29
[38] Ibidem, p. 38.
[39] Veja a reflexão do teólogo
Andrés Torres Queiruga a respeito: Creio
em Deus Pai. São Paulo: Paulinas, 1993, pp. 175-181.
[40] Pierre Teilhard de Chardin.
Lettres de voyage (1923-1955). Paris:
Bernard Grasset, 1956, p. 26.
[41] Henrique Cláudio de Lima
Vaz. Universo científico e visão cristã
em Teilhard de Chardin, p. 25. O teólogo a que Vaz faz referência é Karl
Rahner. Essa visão de Teilhard enfrentará dificuldades na ocasião, dentre as
quais as expressas pelo teólogo suíço, Hans Urs Von Balthasar, em texto de
1963. Para ele, trata-se de uma visão que acaba encerrando Deus na dinâmica da
cosmogênese e da evolução, apagando o mistério do Deus totalmente Outro. Ver a
respeito: Rosino Gibellini. Teilhard de
Chardin, pp. 192-197.
[42] Pierre Teilhard de Chardin.
Cartas a Léontine Zanta, p. 91. Ao
tratar o tema da potência espiritual da materia, em sua obra, Hino do Universo, Teilhard assinala:
“Não, a pureza não está na separação, mas numa penetração mais profunda do
Universo” (p. 68).
[43] Teilhard de Chardin. Il cuore della materia, pp.43-44.
[46] Henri de Lubac. La pensée religieuse du Père Teilhard de
Chardin, pp. 23-24. De Lubac, assinala em outra obra, A oração de Teilhard de Chardin, que o livro Meio Divino “foi longamente rezado antes de ser escrito”, e que para
ser melhor compreendida deveria ser lido de joelhos (p. 153).
[48] Sua edição ocorreu em 1961,
inserida no volume intitulado: Himne de
l`Univers (Paris: Seuil, pp. 13-37).
[49] Teilhard de Chardin. Le milieu divin. Paris: Seuil, 1957.
Utilizaremos aqui a recente edição brasileira, O meio divino. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 12. As outras
referências de páginas serão indicadas no corpo mesmo do texto.
[50] Lya LUFT. O rio do meio. 10 ed. São Paulo:
Mandarim, 1982, p. 59.
[52] Henri de Lubac. La pensée religieuse du Père Teilhard de
Chardin, p. 295.
Amei o texto!!!
ResponderExcluirEstou seguindo seu blog!!!
Deixo um convite para uma passadinha em meu cantinho virtual:
amoreirando.blogspot.com.br
Beleza Renata. Teilhard realmente é apaixonante...
ResponderExcluirE eu que sei tão pouco deste grande homem de Deus. Obrigada por este belíssimo texto.
ResponderExcluirConstato é mais uma vez como a Igreja tem desbaratado (e violentado) quem ousa pensar algo diferente do instituído. Deus nos ajude!
Um abraço de Portugal