quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Refletindo sobre o filme Paris Texas

 Refletindo sobre o filme Paris Texas

 

Faustino Teixeira

 

 

“Eu não tenho medo 

de altura. Tenho 

medo de cair”

 

Destinei minha tarde de ontem a revisitar o maravilhoso filme de Win Wenders, Paris Texas, na edição de luxo (Edição definitiva limitada) produzida pela Versátil. Fiquei maravilhado, não só com o filme, mas também com os maravilhosos extras. Os extras começam com uma fantástica entrevista dada por Win Wenders ao conhecido ensaísta e apresentador de TV, Roger Willemsen (1955-2016). Temos depois lindas cenas excluídas do filme com comentários do diretor. Em seguida duas entrevistas incríveis, com Claire Denis, que foi a assistente de direção; bem como com Allison Anders, assistente de produção. Essa última nos apresenta trechos incríveis de seu diário sobre o filme. Temos também momentos maravilhosos com a fala de Ry Cooder, que foi o responsável pela trilha sonora.

 

Por isso que eu me mantenho “teimoso” em manter e adquirir os DVDs sobre os filmes que gosto. Trata-se de uma riqueza singular. Você poder ver e rever, bem como apreciar os extras que quase sempre acompanham o material. Num dos trechos do DVD, há uma fala de Wenders, que partilho aqui:

 

“Meu cinema é focado no presente. É contemporâneo. Então espero que futuras gerações tenham uma imagem dos tempos em que vivi. Ninguém pode trabalhar para estar nos livros de história. Eu não me importo com o que acontecer quando não estiver mais aqui. Mas espero, talvez, que o filme proporcione uma imagem precisa dos tempos que vivi”.

 

Em momento preciso da entrevista dada por Wenders, o erudito Roger Willemsen sublinha:

 

“Paris Texas é o lugar da separação, um lugar de infelicidade. Um homem volta lá, não para relembrar a separação, mas para restaurar a unidade. A unidade de mãe e filho é restaurada... mas não a unidade da família. O que significa que o que sobrou no final é o mundo separado do homem e os caminhos divididos”.

 

E Wenders complementa:

 

“De certa forma é uma renúncia. Ele se recusa a ser parte de uma família, da felicidade. Ele se despede no final, deixando a história e a vida dos outros dois. E o que os dois não podem ter juntos, ele dá aos outros. Por isso, essa é uma história de amor emocionante e é até hoje. É de partir o coração. Renunciando a tudo o que ele deseja, ele permite que os outros dois tenham o que desejavam. Logo, é uma grande história de amor”.

 

Outro dado interessante abordado por Wenders sobre o filme, diz respeito à sua recepção nos Estados Unidos. Ele sublinha que o filme não foi compreendido nos EUA. E nem um pouco. “Não fez ali sucesso algum. Foi bem na Europa, no Japão e em outros lugares. Nos EUA foi irrelevante. Às vezes, os críticos espumavam pela boca, enquanto escreviam algo como: ´Não precisamos de nenhum europeu vindo nos mostrar como vivemos` (...). Os americanos não estão acostumados com alguém os retratar no próprio território”. E concluiu dizendo que Paris Texas foi “um sacrilégio para eles”.

 

São igualmente ricas as entrevistas com a assistente de direção, a francesa Claire Denis, e a assistente de produção, Allison Anders, que estão também entre os extras do DVD,

 

No caso de Claire Denis, ela entrou na produção do filme, quando ele já estava em curso, e sua presença aconteceu em razão da saída de cena do roteirista Sam Shepard, que passa a acompanhar as filmagens de longe, com presenças via telefone ou outros instrumentos. Um exemplo singular: toda a cena final no peep show, com os monólogos dos dois atores principais, foi passada por telefone, e o texto foi aproveitado integralmente. E é simplesmente maravilhoso. 

 

Claire mostra-se como uma pessoa muito especial na entrevista. Algo curioso na sua vida foi seu casamento ainda jovem, quando se vestiu toda de preto, para o escândalo de sua mãe. Ela foi de ajuda fundamental para Wenders nas sequências finais do filme. Nos relata que a primeira semente do filme nasceu do livro de Sam Shepard, “Crônicas de Motel”. E logo que começou a trabalhar com o diretor, ele a aconselhou a fazer a leitura do livro. 

 

Há um belo momento na entrevista com Kent Jones, quando ela relata o voo que ele e Wenders fizeram de aeroplano sobre a região desértica do Texas, conhecida como “Cemitério do Diabo”. São cenas maravilhosas que serviram de base para o início do filme, quando Travis caminho perdido por aquela região. Impressiona ver os grandes penhascos vermelhos, como monumentos no meio do “nada” do deserto. Claire relata que não podia acreditar estar diante de tamanha beleza. 

 

Ela também relata que o filme teve que ser interrompido, mais ao final, por três vezes, uma das quais em razão de um episódio envolvendo os caminhoneiros do Texas, que haviam sequestrado o caminhão com as câmeras. Wenders teve que usar de toda a sua diplomacia para conseguir reaver o caminhão e dar continuidade ao trabalho. De forma curiosa, esses intervalos foram fundamentais para ele poder meditar sobre os rumos do roteiro, ainda inacabado. 

 

Claire comenta também sobre a experiência de ver o filme durante a apresentação em Cannes. Falou sobre o clima da sala de exibição: um filme que conseguiu transportar as pessoas para aquele momento. Estava dada a coincidência de um bom filme com um bom público. A receptividade foi maravilhosa, diz ela, e se conseguia perceber a respiração das pessoas... e muitas choravam. Ao final da entrevista ela confessa que pôde viver, graças a Wenders, algo que foi maior do que sua própria vida.

 

Na outra entrevista, com Allison Anders, que atuou como assistente de direção, podemos acessar outros dados muito interessantes da produção do filme. Allison era uma estudante de cinema na UCLA, e uma fã incondicional dos trabalhos de Wenders. Ela escrevia semanalmente para aquele que ela reconhecia como seu tutor, mestre e muso. Ele pôde assistir a um trabalho realizado por ele e seus amigos, também alunos de cinema: Dean, Kurt e Scott. Ficou emocionado com o resultado apresentado e acabou convidando todos para atuarem na produção do filme. Foi algo de grande riqueza para eles, como relata Allison, que fez um diário sobre aquele período de gravações. Dentre seus encargos, ficou de passar as falas do ator Harry Dean Stanton. Por sorte, ela foi importante para ajudá-lo a viver a experiência de alguém catatônico. Era uma dúvida atroz que perseguia o ator, e ela tinha vivido uma experiência de silêncio aos quinze anos, que durou um mês. Pôde então relatar para ele como é viver aquilo, e como é falar depois de um longo tempo de silêncio. A sua experiência foi de grande importância para ajudá-lo na construção de seu personagem. 

 

Há também no diário de Alisson um trecho em que fala de seu contato com Nastassja Kinski, que na época das filmagens, estava no segundo mês de gravidez. A atriz tinha apenas uma semana para as filmagens e conseguiu realizar o feito com grande maestria. Alisson, que tinha tido experiências importantes no cuidado com partos, foi uma presença importante para Nastassja naquele seu momento de vida. Na visão de Alisson, Nastassja era uma pessoa incrivelmente gentil, de grande cortesia e amizade com todos os que a rodiavam na produção. Não gostava, porém, de ser bajulada e desconfiava daqueles que ficava amigáveis muito rapidamente. Era também para ela motivo de desconforto ouvir elogios dos outros a respeito de sua beleza. Era uma atriz simples.

 

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