Papa Francisco em Diálogo com a “Civiltà Cattolica”
(Agosto de 2013)
Entrevista concedida por papa Francisco a padre Antonio
Spadaro, da Civiltà Cattolica: foram mais de seis horas de conversa, ao longo
dos dias 19, 23 e 29 de agosto de 2013:
14 Pontos que destaco:
14 Pontos que destaco:
1. O sentimento depois da eleição pontifícia
“Diz-me que quando começou a dar-se
conta de que corria o risco de ser eleito, na quarta-feira, dia 13 de Março, à
hora do almoço, sentiu descer sobre ele uma profunda e inexplicável paz e
consolação interior, juntamente com uma escuridão total e uma obscuridade
profunda sobre tudo o mais. E estes sentimentos acompanharam-no até à eleição”
2. Quem é Jorge Bergoglio ?
«Sim, posso talvez dizer que sou um
pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade que sou também um pouco ingénuo. Sim,
mas a síntese melhor, aquela que me vem mais de dentro e que sinto mais
verdadeira, é exactamente esta: “Sou um pecador para quem o Senhor olhou”». E
repete: «Sou alguém que é olhado pelo Senhor. A minha divisa, Miserando
atque eligendo, senti-a sempre como muito verdadeira para mim».
3. A importância dos outros, da
comunidade
«E depois uma coisa para mim
verdadeiramente fundamental é a comunidade. Procurava sempre uma comunidade. Eu
não me via padre sozinho: preciso de uma comunidade. É mesmo isso que explica o
facto de eu estar aqui em Santa Marta: quando fui eleito, ocupava, por sorteio,
o quarto 207. Este onde estamos agora era um quarto de hóspedes. Escolhi ficar
aqui, no quarto 201, porque quando tomei posse do apartamento pontifício,
dentro de mim senti claramente um “não”. O apartamento pontifício no Palácio
Apostólico não é luxuoso. É antigo, arranjado com bom gosto e grande, não
luxuoso. Mas acaba por ser como um funil ao contrário. É grande e espaçoso, mas
a entrada é verdadeiramente estreita. Entra-se a conta-gotas e eu não, sem gente,
não posso viver. Preciso de viver a minha vida junto dos outros».
4. A centralidade do discernimento e a
valorização das coisas pequenas
«O discernimento é uma das coisas que Santo Inácio mais trabalhou interiormente. Para ele, é um instrumento de luta para conhecer melhor o Senhor e segui-l’O mais de perto. Impressionou-me sempre uma máxima com que se descreve a visão de Inácio: Non coerceri a maximo, sed contineri a minimo divinum est. (não estar constrangido pelo máximo, e no entanto, estar inteiramente contido no mínimo, isso é divino). Reflecti muito sobre esta frase a propósito do governo, de ser superior: não estarmos restringidos pelo espaço maior, mas sermos capazes de estar no espaço mais restrito. Esta virtude do grande e do pequeno é a magnanimidade, que da posição em que estamos nos faz olhar sempre o horizonte. É fazer as coisas pequenas de cada dia com o coração grande e aberto a Deus e aos outros. É valorizar as coisas pequenas no interior de grandes horizontes, os do Reino de Deus».
«O discernimento é uma das coisas que Santo Inácio mais trabalhou interiormente. Para ele, é um instrumento de luta para conhecer melhor o Senhor e segui-l’O mais de perto. Impressionou-me sempre uma máxima com que se descreve a visão de Inácio: Non coerceri a maximo, sed contineri a minimo divinum est. (não estar constrangido pelo máximo, e no entanto, estar inteiramente contido no mínimo, isso é divino). Reflecti muito sobre esta frase a propósito do governo, de ser superior: não estarmos restringidos pelo espaço maior, mas sermos capazes de estar no espaço mais restrito. Esta virtude do grande e do pequeno é a magnanimidade, que da posição em que estamos nos faz olhar sempre o horizonte. É fazer as coisas pequenas de cada dia com o coração grande e aberto a Deus e aos outros. É valorizar as coisas pequenas no interior de grandes horizontes, os do Reino de Deus».
5. Discernir com paciência para evitar
decisões repentinas
«Este discernimento requer tempo.
Muitos, por exemplo, pensam que as mudanças e as reformas podem acontecer em
pouco tempo. Eu creio que será sempre necessário tempo para lançar as bases de
uma mudança verdadeira e eficaz. E este é o tempo do discernimento. E por vezes
o discernimento, por seu lado, estimula a fazer depressa aquilo que
inicialmente se pensava fazer depois. E foi isto o que também me aconteceu
nestes meses. E o discernimento realiza-se sempre na presença do Senhor, vendo
os sinais, escutando as coisas que acontecem, o sentir das pessoas,
especialmente dos pobres. As minhas escolhas, mesmo aquelas ligadas à vida
quotidiana, como usar um automóvel modesto, estão ligadas a um discernimento
espiritual que responde a uma exigência que nasce das coisas, das pessoas, da
leitura dos sinais dos tempos. O discernimento no Senhor guia-me no meu modo de
governar. Pelo contrário, desconfio das decisões tomadas de modo repentino.
Desconfio sempre da primeira decisão, isto é, da primeira coisa que me vem à
cabeça fazer, se tenho de tomar uma decisão. Em geral, é a decisão errada.
Tenho de esperar, avaliar interiormente, tomando o tempo necessário.
6. A importância do descentramento de si
e a abertura
«A Companhia é uma instituição em
tensão, sempre radicalmente em tensão. O jesuíta é um descentrado de si
próprio. A Companhia é descentrada de si mesma: o seu centro é Cristo e a sua
Igreja. Por isso: se a Companhia coloca Cristo e a Igreja no centro, tem dois
pontos fundamentais de referência do seu equilíbrio para viver na periferia.
Se, pelo contrário, olha demasiado para si própria, se se coloca a si mesma no
centro como estrutura bem sólida, muito bem “armada”, então corre o perigo de
sentir-se segura e auto-suficiente (…).O jesuíta deve ser uma pessoa de
pensamento incompleto, de pensamento aberto”.
7. Um contemplativo na ação
«O jesuíta pensa sempre, continuamente,
olhando o horizonte para onde deve ir, tendo Cristo no centro. Esta é a sua
verdadeira força. E isto estimula a Companhia a estar à procura, a ser
criativa, generosa. Portanto, hoje mais do que nunca, deve ser contemplativa na
acção; deve viver uma proximidade profunda a toda a Igreja, entendida como
“Povo de Deus” e “Santa Madre Igreja hierárquica”. Isto requer muita humildade,
sacrifício, coragem, especialmente quando se vivem incompreensões ou se é
objecto de equívocos e calúnias, mas é a atitude mais fecunda.
8. A santidade na paciência
«Vejo a santidade — continua o Papa — no
povo de Deus paciente: uma mulher que cria os filhos, um homem que trabalha
para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes idosos com tantas feridas
mas com um sorriso por terem servido o Senhor, as Irmãs que trabalham tanto e
que vivem uma santidade escondida. Esta é, para mim, a santidade comum. Associo
frequentemente a santidade à paciência: não só a santidade como hypomoné,
o encarregar-se dos acontecimentos e circunstâncias da vida, mas também como
constância no seguir em frente dia após dia”.
9. Ministros capazes de gerar vida
«Esta Igreja com a qual devemos “sentir”
é a casa de todos, não uma pequena capela que só pode conter um grupinho de
pessoas seleccionadas. Não devemos reduzir o seio da Igreja universal a um
ninho protector da nossa mediocridade. E a Igreja é Mãe — continua. A Igreja é
fecunda, deve sê-lo. Veja: quando me apercebo de comportamentos negativos de
ministros da Igreja ou de consagrados ou consagradas, a primeira coisa que me
vem à cabeça é: «Cá está um solteirão» ou «Cá está uma solteirona». Não são nem
pais, nem mães. Não são capazes de gerar vida”.
10. Uma igreja de proximidade
«Vejo com clareza — continua — que
aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e
de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital
de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem
o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos
falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas… E é necessário
começar de baixo. A Igreja por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em
pequenos preceitos. O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: “Jesus
Cristo salvou-te”.
11. Uma igreja atenta aos novos caminhos
«Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe
e recebe, tendo as portas abertas, procuramos mesmo ser uma Igreja que encontra
novos caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a
frequenta, de quem a abandonou ou lhe é indiferente. Quem a abandonou fê-lo,
por vezes, por razões que, se forem bem compreendidas e avaliadas, podem levar
a um regresso. Mas é necessário audácia, coragem».
12. Em busca de um proposta evangélica
simples, profunda e irradiante
“Uma pastoral missionária não está
obcecada pela transmissão desarticulada de uma multiplicidade de doutrinas a
impor insistentemente. O anúncio de carácter missionário concentra-se no
essencial, no necessário, que é também aquilo que mais apaixona e atrai, aquilo
que faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús. Devemos, pois, encontrar
um novo equilíbrio; de outro modo, mesmo o edifício moral da Igreja corre o
risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e o perfume do
Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, profunda, irradiante”.
13. Pelo caminho da sinodalidade
«Devemos caminhar juntos: as pessoas, os
Bispos e o Papa. A sinodalidade vive-se a vários níveis. Talvez seja tempo de
mudar a metodologia do sínodo, porque a actual parece-me estática. Isto poderá
também ter valor ecuménico, especialmente com os nossos irmãos ortodoxos. Deles
se pode aprender mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e sobre a
tradição da sinodalidade. O esforço de reflexão comum, vendo o modo como se
governava a Igreja nos primeiros séculos, antes da ruptura entre Oriente e
Ocidente, dará frutos a seu tempo. Nas relações ecuménicas isto é importante:
não só conhecer-se melhor, mas também reconhecer o que o Espírito semeou nos
outros como um dom também para nós”.
14. Deus em toda parte
“Tenho em mente também algumas passagens
dos discursos do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude do Rio
de Janeiro. Cito-lhos: «Deus é real se Se manifesta no hoje»; «Deus está em
toda a parte». São frases que fazem eco da expressão inaciana «procurar e
encontrar Deus em todas as coisas (…). Mas o Deus “concreto”, digamos assim, é
hoje. (…) Deus manifesta-Se numa revelação histórica, no tempo. O tempo inicia
os processos, o espaço cristaliza-os. Deus encontra-Se no tempo, nos processos
em curso (…). Encontrar Deus em todas as coisas não é
um eureka empírico. No fundo, quando desejamos encontrar Deus,
quereríamos constatá-l’O de imediato com um método empírico. Assim não se
encontra Deus. Ele encontra-Se na brisa ligeira sentida por Elias. Os sentidos
que constatam Deus são os que Santo Inácio designa por “sentidos espirituais”.
Inácio pede para abrir a sensibilidade espiritual para encontrar Deus para além
de uma abordagem puramente empírica. É necessária uma atitude contemplativa: é
o sentir que se vai pelo bom caminho da compreensão e do afecto no que diz
respeito às coisas e às situações”.
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