Reflexões em torno da
renúncia de Bento XVI
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
Partilho aqui algumas reflexões que fiz no Facebook em torno da renúncia de Bento XVI
Muito complexa a situação da Igreja
Católica Romana (ICAR). Lemos hoje, 13/03/2013, na FSP, em reportagem de Patrícia Britto,
que o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (e que participará
do próximo conclave) sublinhou que “dificilmente o papa que substituirá Bento
XVI mudará a forma como a igreja lida com temas considerados polêmicos” e “que
será difícil simplesmente dizer sim àquilo que é proposto pela sociedade ou
pelos legisladores”[1]. Essa é, infelizmente, a
cantilena que sempre estamos a ouvir por parte de segmentos da hierarquia
atual. Uma dificuldade incrível de ousadia e profetismo.
Impressionei-me hoje ao ler
algumas notícias dos periódicos internacionais sobre a atual crise no Vaticano,
em particular as reflexões de Massimo Franco no Corriere della Sera[2].
Na sua avaliação, o que assistimos hoje é o “sintoma extremo, final,
irrevogável da crise de um sistema de governo e de uma forma de papado”. E fala
da deriva de uma igreja-instituição que em poucos anos passou da condição de
“mestra de vida” para “pecadora”, de “ponto de referência moral da opinião
pública ocidental, a uma espécie de ´acusada global`, agredida e pressionada
por segmentos diversificados.
Clovis Rossi chega a falar em sua coluna na
FSP de uma “guerra civil no Vaticano” [3].
E o filósofo italiano Gianni Vattimo, em seu blog – reproduzido no jornal Il
fato quotidiano (13/02/2013) – sublinha que a demissão era a única coisa que um
papa poderia seriamente fazer. Ele acrescenta que se Jesus vivesse hoje entre
os seus pseudo-sucessores “abandonaria imediatamente o Vaticano, e talvez
retornasse à Palestina para estar junto aos perseguidos e expropriados daquele
lugar, e não perderia mais seu tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da
política italiana (...)”. Para Vattimo, a renúncia papal indica um
distanciamento das “funcionalidades terrenas” e a necessidade de apontar,
talvez, a “face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho”,
abrindo a possibilidade para o cristianismo de se tornar novamente “uma escolha
de vida possível para as pessoas de nosso tempo”[4].
Leonardo Boff fala também no último
texto de seu blog[5] sobre a importância de
retomada de um modelo dialogal para a igreja, de sintonia com o Vaticano II,
Medellin e Puebla, de uma “Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos”, de
liberdade e criatividade. E Hans Kung em seu recente livro – Salviamo la Chiesa
-, indica a necessidade de um tratamento para a igreja, de uma “terapia
ecumênica” que ajude a vencer a “osteoporose do sistema eclesiástico”[6].
E coloca o dedo na ferida, ao falar da necessidade imperiosa de uma reforma da
cúria romana à luz do Evangelho. Uma reforma que deverá contemplar: humildade
evangélica (com renúncia de todos os títulos honoríficos estranhos à Bíblia),
simplicidade evangélica, fraternidade evangélica e liberdade evangélica.
Nesse delicado momento de preparação do conclave que
escolherá o novo papa, os analistas chamam a atenção para problemas internos da
cúria romana, que também pressionaram a decisão de renúncia de Bento XVI. Em
entrevista publicada hoje no O Globo, o renomado teólogo espanhol, José Ignacio
González Faus faz menção a tais pressões. Ele sinaliza: "Não estranharia
que a renúncia estivesse ligada a problemas com a Cúria". O papa "já
arrastava problemas com a Cúria desde que afastou do sacerdócio Marcial Maciel,
acusado de abusos sexuais"[7].
Chama a atenção para aquela oração proferida pelo então cardeal Ratzinger na
cerimônia da sexta feira santa em Roma, em comentário da IX estação da via
sacra. Reproduzo aqui o que ele disse no ocasião:
"Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente
entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta
soberba, quanta auto-suficiência! Senhor, muitas vezes a vossa Igreja
parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos
os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O
vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós
mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas
as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos."
Segundo González Faus, os intérpretes em avaliação
feita na época, achavam que ele estivesse se referindo à pedofilia na igreja,
mas em verdade, os indícios apontam que poderia ser uma alusão à Cúria romana,
essa mesma cúria que terá voz ativa na eleição do próximo papa em 2013.
[2] http://www.corriere.it/cronache/13_febbraio_12/dimissioni-papa-sacrificio-estremo_acc4e5bc-74de-11e2-b332-8f62ddea2ca4.shtml
e também: http://www.corriere.it/cronache/13_febbraio_13/chiesa-insidie-interregno-papa-dimissioni-franco_a92bdc16-75a2-11e2-a850-942bec559402.shtml
(acesso em 13/03/2013).
[4] http://www.ilfattoquotidiano.it/2013/02/13/e-se-papa-avesse-avuto-crisi-di-fede/497556/
(acesso em 13/02/2013).
[5]
L.Boff. Que tipo de papa? As tensões internas da Igreja atual: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/02/12/que-tipo-de-papa-as-tensoes-internas-da-igreja-atual/
(acesso em 13/03/2013)
[6]
Hans KUNG. Salviamo la chiesa. Milano:
Rizzoli, 2011.
[7]
José Ignacio GONZÁLEZ-FAUS. “Sua maior contribuição foi a renúncia”. O Globo, 13/02/2013, p. 26 (Mundo).
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