O processo de gênese da (s) ciência (s) da religião na UFJF
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
O curso de ciência da religião da
Universidade Federal de Juiz de Fora é um dos pioneiros no Brasil. Sua história
remonta ao início dos anos 1970, tendo sido antecedido pela criação do
Colegiado de Ciências das Religiões, em 27 de junho de 1969. Esse colegiado, na
ocasião, estava vinculado ao Departamento de Filosofia da UFJF[1].
Na histórica ata da primeira reunião desse colegiado estão as assinaturas de
Jaime Snoek, Murílio de Avelar Hingel, José Francisco Simões, Emílio Agostinho
Giacommini, Sônia de Almeida Marcato e Maria Auxiliadora Nicolato. A partir da
segunda reunião verifica-se também a presença da representação discente, com a
assinatura do aluno de filosofia Rubem Barbosa Filho. Nesse colegiado foi sendo
aos poucos gestada o projeto de um curso de ciências das religiões.
A ideia do curso nasceu com Jaime
Snoek (1920-), reconhecido moralista e padre redentorista. Tendo chegado ao
Brasil em 1953, depois de defender sua tese doutoral na Pontifícia Universidade
de São Tomás de Aquino (Angelicum – Roma), instalou-se em Juiz de Fora. Atuou
na cidade junto à Paróquia da Glória, assumindo também a cadeira de Teologia
Moral no Seminário Maior dos Redentoristas na Floresta. Como reconhecido
intelectual dessa área teológica, contribuiu com importantes ensaios na Revista
Eclesiástica Brasileira e depois na revista internacional de teologia, Concilium, após sua fundação em 1965.
Fez parte integrante do comitê de redação da seção de moral desta prestigiosa
revista, tendo ali publicado um artigo pioneiro em 1966 sobre o tema do Terceiro Mundo, revolução e cristianismo.
Antecipa, na ocasião, um tema que será central na teologia da libertação,
nascida por volta de 1968. Pe. Jaime participou também da fundação da Faculdade
de Serviço Social, em 1958, tendo ali lecionado até o ano de 1985, acompanhando
de perto a trajetória histórica e conflitiva dessa faculdade, sobretudo nos
anos sombrios que se seguiram ao Ato Institucional nº 5 (AI 5). Ele mesmo
sofreu na pele as consequências da repressão que se irradiou sobre essa
faculdade, sendo impedido de continuar sua docência em 1977 e só mais tarde
reintegrado ali.
Sua presença na Universidade Federal de Juiz de Fora
ocorreu na sequência da crise do Seminário da Floresta, em 1967, quando em
razão da grande convulsão religiosa e social provocada pelo evento do Vaticano
II (1962-1965), o Seminário da Floresta sofreu um rápido esvaziamento. Entre as
alternativas que apareceram para os padres redentoristas que ali lecionavam
estava a UFJF, que tinha um projeto de fundação de um Instituto de Teologia e
Filosofia[2].
Jaime Snoek começa a participar do Grupo de Estudos para a Reforma
Universitária (GERU), relatando ao então reitor, prof. Moacyr Borges de Matos,
o Projeto Universidade. Os redentoristas inserem-se na Universidade através da
Faculdade de Filosofia e Letras (FAFILE), e o pe. Jaime assume a cadeira de
Ética Geral, até então ocupada pelo professor Mozart Geraldo Teixeira.
Esse Projeto Universidade ganha acolhida no reitorado do
professor Gilson Salomão, amigo e incentivador do pe. Jaime Snoek, e o curso de
filosofia vem aprovado pelo Conselho Universitário em 1968, com o primeiro
vestibular em 1970. Logo de início, Jaime Snoek será indicado para coordenador
desse curso, assumindo em razão do cargo um lugar no Conselho de Ensino e
Pesquisa da UFJF (CEPE), com função exercida até 1977, quando sofre cassação.
Presidiu a Câmara de Ensino do CEPE num dos períodos mais efervescentes da
história da UFJF, de vivas discussões sobre a Reforma Universitária. Foi nessa
ocasião que elabora e apresenta para a Universidade o projeto do Curso de
Ciências das Religiões (assim era definido no início).
O projeto elaborado por Jaime Snoek contava na ocasião com
o apoio de Dom Geraldo Maria de Morais Penido, então arcebispo de Juiz de Fora,
junto com o clero diocesano. Esse apoio veio depois retirado e por pouco o
projeto não se desfez. A solução encontrada para a crise foi a criação de um
Departamento de Ciências das Religiões e não um Curso, sendo as disciplinas
então criadas oferecidas como optativas no período noturno, com funcionamento
nas dependências da Faculdade de Serviço Social, no centro da cidade.
No primeiro esboço de organização e estruturação do sonhado
curso de ciências das religiões[3],
cujo modelo foi inspirado em experiência holandesa, havia um currículo mínimo
previsto para a realização do curso em oito períodos, com disciplinas básicas,
complementares comuns e complementares específicas. Dentre as básicas, Estudo
Comparado das Religiões (I-II), Filosofia da Religião (I-II) Sociologia da
Religião (I-II)[4],
Psicologia Religiosa (I-II) e Teodicéia. Dentre as complementares comuns, Introdução
à Filosofia, Introdução à Psicologia, Introdução à Ciência do Direito, Sociologia
(I-II), Antropologia Cultural, Antropologia Filosófica (I-IV), Filosofia
Social, Ética (I-II), Psicologia Dinâmica, Português I, Lógica (I-II) e
História das Ideias Políticas e Sociais. Nas complementares específicas, Introdução
ao Mundo Bíblico (I-II), Ciências Bíblicas (I-IV), Teologia Positiva (I-IV),
Teologia Sistemática (I-IV). Além dessas disciplinas, o aluno poderia
complementar a carga horária do curso com disciplinas opcionais, de outros
departamentos.
Esse esboço ganhou aperfeiçoamento com a criação oficial do
Departamento de Ciências das Religiões, locado no Instituto de Ciências Humanas
e de Letras (ICHL), em 10 de novembro de 1971, período em que o professor
Afonso Ribeiro da Cruz, que teve passagem pela Congregação Redentorista,
exercia o cargo de diretor desse Instituto. Com a criação efetiva do novo
departamento, o projeto visado ganha um novo desenho, com um perfil de
disciplinas que foi se aperfeiçoando até chegar à seguinte estruturação:
Ciclo Básico:
Sociologia I
Civilização Contemporânea
Português I
Introdução à Psicologia
Introdução à Filosofia
Cadeiras Específicas:
Ética I-II
Antropologia Religiosa
Sociologia VI (Antropologia da Religião)
Introdução ao Mundo Bíblico I-II
Hermenêutica Bíblica I-II-III
Cristologia Bíblica
Escatologia Bíblica
Cristologia Sistemática
Eclesiologia Sistemática
História do Cristianismo I-II-III-IV
Fenomenologia do Cristianismo I-II-III-IV
Estudo Comparado das Religiões I-II
Psicologia da Religião
Filosofia da Religião I-II[5]
Dentre os docente responsáveis pelas disciplinas oferecidas
estavam no início, Jaime Snoek (Ética I-II e Fenomenologia do Cristianismo IV –
abordando a temática dos Elementos da Moral Cristã[6]),
Vitorino Nunes Duarte[7]
(Filosofia da Religião, Fenomenologia do Cristianismo I e Cristologia
Sistemática), e Henrique Oswaldo Fraga de Azevedo[8]
(Estudo Comparado das Religiões I-II). Outros docentes foram se somando ao
grupo: João Fagundes Hauk[9]
(História do Cristianismo I-IV), Wolfgang Gruen[10]
(Introdução ao Mundo Bíblico I e II), Domício Pereira Matos[11]
(Hermenêutica Bíblica I-III), Eduardo Benes de Sales Rodrigues[12]
(Filosofia da Religião I-II), Antônio Pedro Guglielmi (Hermenêutica Bíblica
I-III)[13],
Walmor Oliveira de Azevedo[14] (Hermenêutica
Bíblica – em particular Antropologia Bíblica), Antônio José Gabriel[15]
(Psicologia da Religião), Zwinglio Mota Dias[16]
(Eclesiologia Sistemática, Antropologia Bíblica e Introdução ao Mundo Bíblico).
Dentre outros docentes cogitados para lecionar disciplinas no Departamento de
Ciências das Religiões, em seu período inicial, figuram os professores Breno
Schuman[17],
Pedro Ribeiro de Oliveira e Dalton Barros (padre redentorista, especializado na
área de Moral).
Na ocasião, em razão da vigência do sistema de créditos, os
alunos dos diversos cursos da universidade podiam seguir as disciplinas de
ciências das religiões e com elas enriquecer sua creditação. Alguns alunos da
filosofia, favorecidos pelo horário noturno de realização das disciplinas,
tinham a oportunidade de preencher a carga horária do curso de ciência das
religiões e conseguir um certificado oficial da Universidade ao final de sua
conclusão. E assim ocorreu com determinados discentes, como Antônio José
Gabriel, Faustino Teixeira e Franzisca
Carolina Rembein[18],
bem como Ricardo Rezende Figueira[19]
Na experiência de Juiz de Fora ocorreram mudanças na
nomenclatura do curso. No início nomeava-se ciências das religiões, depois
passou para ciência das religiões – isso em 1974 – firmando-se depois, em 1989,
com o atual nome de ciência da religião. Trata-se de uma verdadeira “ciranda
dos nomes”. A mudança para o singular, uma notória influência alemã, foi
definida pelo influxo de um dos professores do Departamento, Antônio Jose
Guglielmi, que defendeu ardorosamente essa mudança nos diversos colegiados na
UFJF, tendo sido contemplado com a aprovação. Na documentação que apresentou em
sua defesa – em favor de uma Religionswissenschaft
– argumentou o professor: “a ciência da religião no singular tem o forte
significado de abranger a totalidade dos fenômenos religiosos que aparecem nas
diversas religiões” (conforme consta em ata do Departamento).
O curso de ciências das religiões foi aprovado no Conselho
de Ensino e Pesquisa (CEPE) em 1970. Faltava apenas sua aprovação no Conselho
Universitário (CONSU), tendo também uma indicação positiva de sua acolhida no
Conselho Federal de Educação, tendo em vista o apoio demonstrado pelo professor
Newton Sucupira. Para a surpresa dos que apoiavam o início do curso, ocorreram
resistências à sua implantação tanto na Universidade[20]
como na Igreja local, inclusive com interferências eclesiásticas junto ao
Conselho Federal de Educação. Chegou a acontecer um único vestibular para
ciência das religiões, em 1976, com abertura de 10 vagas, mas o processo veio
interrompido no ano seguinte. No ano de julho de 1977 registrou-se uma
campanha, certamente orquestrada, envolvendo segmentos da Universidade (em
particular da Faculdade de Direito) e da Igreja local. A tensão irradiou-se
para além dos muros da Universidade, com repercussões em âmbito mais amplo. O
Diretório Central dos Estudantes posicionou-se em defesa do Curso, bem como
outros intelectuais de respeito, como Hilton Japiassu. Vale registrar um trecho
do artigo publicado pelo filósofo no Jornal Diário Mercantil de 20/07/1977:
“A Universidade de Juiz de Fora
estava de parabéns. Porque havia ousado superar o velho ranço positivista, com
seus preconceitos obscurantistas, e instaurado em seu seio o curso de Ciências
das Religiões. Fato Pioneiro no Brasil. E único. Digno da grande envergadura de
inteligência de quem lutou por tal implantação. Apesar de ser um curso que, na
mentalidade dos que não pensam, dos burocratas do saber, dos que são comandados
por uma filosofia mercantilista e pragmatista, dos que reduzem o Saber a uma
ideologia pecuniária do ´status` que possa conferir a formação universitária
(...). Enfim, o meu apoio a todos que estão empenhados, não em ´salvar` um
curso em vista de seus interesses, mas um curso que dignifica a inteligência e
magnifica a cultura de um povo, conferindo real estatuto de Universidade à
Universidade de Juiz de Fora”.
A
triste campanha contra o curso foi realizada no momento em que seu maior
defensor, Jaime Snoek, estava de férias na Holanda, sem poder reagir à altura.
No cenário, os personagens positivistas históricos mancomunados com setores
conservadores da igreja católica, provavelmente liderados de forma sutil pelo
Arcebispo local[21].
A resistência, felizmente, aconteceu simultaneamente. De volta das férias,
Jaime Snoek, enquanto representante do ICHL no CONSU, toma a defesa do curso e
salva a substância: o curso continuou normalmente, mas sem vestibular ou
matrícula, com disciplinas oferecidas como optativas para os demais cursos,
além de outras obrigatórias para determinados cursos, como História do
Cristianismo (para o curso de história), filosofia da religião e Estudo
Comparado das Religiões (para o curso de filosofia) e Antropologia Religiosa
(para o curso de serviço social).
Na década de 1980 o Departamento de
Ciência das Religiões passou por momentos difíceis, com um quadro docente
reduzido e a motivação em baixa depois das tentativas mal sucedidas de fazer
erguer o curso tão almejado. Com a presença do professor Antônio Guglielmi na
condução do Departamento começou a se articular um movimento em favor da
criação de um quadro docente de excelência, com o acento na boa formação
acadêmica e uma perspectiva mais laica. Em diversas situações, esse docente
manifestou seu descontentamento com determinados candidatos que se apresentavam
nos concursos, que na ocasião sequer exigiam o título de doutor para o
preenchimento dos cargos. Num de seus ofícios, dirigido à relatora do processo
de abertura de um dos concursos realizados para o provimento de cargo de
professor no Departamento de Ciências da Religião – datado de 8/12/1989,
sublinhou:
“A Ciência da Religião, ou
seja, o ensino e a pesquisa científica da religião ou do fato religioso, é uma
área que se presta ao equívoco de muitas pessoas se suporem preparadas e
possuidoras de amplos conhecimentos. São portadoras (ministros de confissões
religiosas, na maior parte) de excelente formação religiosa e moral, mas, na
grande maioria, desprovidas de formação científica e, comumente, sem
experiência de magistério em nível superior”.
Sinaliza
entre suas ponderações os problemas enfrentados pelo Departamento em concursos
anteriores, em que candidatos, a seu ver, de tal forma despreparados, causavam
constrangimentos à Comissão Examinadora. Daí sua viva defesa em favor da
abertura de concursos visando o aproveitamento de doutores ou livre-docentes
com comprovada competência nos âmbitos requeridos pelo Departamento, ou seja,
de docentes provenientes dos grandes centros como Rio de Janeiro, São Paulo,
Belo Horizonte ou Porto Alegre.
A luta de Guglielmi e de outros
docentes do Departamento não foi sem efeito. No final de 1980 e início da
década de 1990 surgem docentes com um perfil diferenciado no Departamento, mais
afinado com a perspectiva visada e defendida por Guglielmi em seu incansável
trabalho. Com a entrada dos professores Faustino Teixeira (teólogo)[22],
Pedro Ribeiro de Oliveira (sociólogo)[23] e
Luiz Bernardo Leite Araújo (filósofo)[24],
todos leigos e com uma marcada preocupação acadêmica, o Departamento de Ciência
da Religião ganha um novo viço. Com eles nasce o projeto de pós-graduação em
ciência da religião na Universidade Federal de Juiz de Fora. Ingressam no
Departamento com uma visada diferencial, buscando “autonomia de reflexão na
temática da religião, fora da tutela das instituições de ensino superior
católica”[25],
ainda que a proveniência dos três estivesse ligada ao trabalho progressista da
Igreja católica e ao campo reflexivo da teologia da libertação. A quase simultânea
entrada desses três professores no Departamento foi resultante de uma “oportuna
conjugação de fatores”, como sinalizou Marcelo Camurça em análise a respeito da
gênese do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião (PPCIR) na
Universidade Federal de Juiz de Fora. Conforme assinala Camurça,
“pelas mãos desses três
intelectuais assegurou-se, na estrutura da Pós-graduação de Ciência da Religião
de Juiz de Fora, um perfil marcado pelo respeito aos cânones e exigências do
rigor científico. E devido às concepções (teórico-existenciais) de seus três
artífices, o conteúdo do curso e de sua disciplinação adquire uma ênfase que
mescla uma perspectiva de investigação empírica de cunho sociológico com uma
reflexão (filosófica) crítica em torno do papel da religião na modernidade e
com uma reflexão (teológica), que se concentra na perspectiva do diálogo e da
tolerância entre as religiões, exigência básica da modernidade, enfim, todo o
conjunto das áreas curriculares referenciado nas ciências humanas”[26].
A estratégia seguida pelo Departamento de Ciência da
Religião em seu projeto de instauração de um programa de pós-graduação na área
foi firme e segura, seguindo passos graduais de afirmação. Primeiro nasceu o
Curso de Especialização em Ciência da Religião, em 1991[27].
Só dois anos depois, e gestado num processo de amplo debate e discussão, é que
nasceu o Mestrado, em 1993, num momento em que a UFJF começava lentamente a
investir na pós-graduação[28].
Um dos professores, Luiz Bernardo, foi designado para
elaborar o projeto que foi apresentado aos órgãos da Universidade e depois
submetido à avaliação da Capes. Foram quase dois anos de reflexão
compartilhada. O projeto do Mestrado foi aprovado pela Capes com nota 4, e as
atividades se iniciaram em 1993. Para a coordenação do programa foi designado o
professor Faustino Teixeira, que permaneceu no cargo por dez anos. Com o
processo exitoso do mestrado em curso, e seguindo uma dinâmica paulatina de
aperfeiçoamento do quadro docente, com a entrada de inúmeros novos professores
doutores no PPCIR, nasceu o doutorado no ano de 2000, também avaliado
inicialmente com a nota 4 pela Capes. Foi o primeiro doutorado da Universidade
Federal de Juiz de Fora.
No momento da criação do Programa de
Pós-Graduação em Ciência da Religião, particularmente com o nascimento do
mestrado, em 1993, a estruturação do curso pautava-se por uma rica dinâmica de
interconexão das duas áreas de concentração então existentes: a área de diálogo
inter-religioso e a área de razão e religião. Partilhava-se também uma
compreensão comum sobre o significado da ciência da religião, entendida como
“um estudo científico dos fenômenos religiosos em toda a sua pluralidade”[29].
A ênfase recaía no singular, ciência da religião, mas como assinalou Camurça
com acerto, a perspectiva defendida por Pedro, que era a mesma do programa em
seu nascedouro, favorecia a acolhida de um “pluralismo metodológico”[30].
Em artigo sobre o tema, Pedro Ribeiro de Oliveira sintetiza de forma feliz a
concepção que movia o programa naquele momento. A insistência recaía no
“caráter pluridisciplinar” do curso:
“Não se trata de um mestrado em
uma área específica (v.g. ciências sociais, psicologia, filosofia, teologia,
história), mas de um estudo que, a partir de ´uma` disciplina, pesquisa a
religião levando em consideração os aportes de outras. Neste sentido, o
mestrado em ciência da religião não avança sobre outras áreas acadêmicas, mas,
ao contrário, dá aos seus praticantes a possibilidade de aprofundar seu conhecimento
específico com um domínio maior sobre o fenômeno religioso. Em suma: ao
falarmos de ciência pretendemos fazer uma abordagem que, por ser científica,
não é interna às religiões, mas que não se restringe a uma única disciplina.
Mestre em ciência da religião é alguém que, na sua área, está apto a ensinar e
pesquisar no campo da religião”[31].
Já se observa, porém, na ocasião uma dificuldade que foi
depois sublinhada por pesquisadores da área. A laboriosidade que envolve o
estudo da religião e as exigências que este trabalho implica para os estudiosos
que a ele se dedicam. Como observou Luís Dreher: “A marca do estudioso da
religião é, em primeiro lugar, isso: o fato de que lida com um objeto de estudo
extremamente complexo, que exige uma formação multifacetada e que resiste às
simplificações”[32]. No caso de um programa de ciência ou ciências
da religião, exige-se também o imperativo de um exercício interdisciplinar,
ainda que tal tarefa tenha seus “custos epistemologicamente altos”; bem como o
movimento que deve ser constante de ampliar o leque das abordagens
disciplinares, envolvendo a presença de temas que não se restrinjam ao campo do
cristianismo[33].
Essa também foi uma das preocupações que motivou a experiência de Juiz de Fora
em seus passos subsequentes.
Assim
nasceu o Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade
Federal de Juiz de Fora, e o conhecimento de sua gênese revela-se fundamental
em razão do pioneirismo da experiência em âmbito geral, e novidadeiro por
acontecer numa universidade pública, cuja história no Brasil foi até pouco
tempo muito pontuada pelas reticências aos estudos de religião[34].
Referências
Bibliográficas
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Pedro Assis Ribeiro de. Teologia e ciências da religião:
uma área acadêmica. In: Márcio Fabri dos ANJOS (Org.). Teologia profissão. São Paulo:
Soter/Loyola, 2004, p. 95-109.
(Publicado
na Revista Numen, v. 15, n. 2, 2012, p. 537-550)
Revista
do PPCIR-UFJF
[1] E as disciplinas relacionadas às ciências das
religiões, depois oferecidas, também estavam lotadas no Departamento de
Filosofia, com o código CRE.
[2] No plano de Reforma Universitária apresentado pela
UFJF ao MEC em 1969, aparecia a ideia de um Instituto de Filosofia e Teologia e
na ocasião, o relator do processo era o professor Newton Sucupira, do CFE.
[3] Esse esboço foi apresentado na terceira reunião do
colegiado de Ciências da Religião, com data de 12 de setembro de 1969, com base
no resultado do trabalho de duas comissões tiradas na reunião de 27 de junho de
1969.
[4] Já nessa ocasião foi aventado o nome do professor
Pedro Ribeiro de Oliveira para atuar nessa disciplina, e contatos foram feitos
com ele na ocasião.
[5] Essa primeira estruturação das disciplinas do curso
de ciências das religiões na UFJF seguiu um modelo bem teológico. Tem razão
Marcelo Camurça quando fala sobre “a influência/interferência da Teologia como
uma sombra a pairar na estruturação dos Programas de Ciência(s) da Religião,
pois foi a partir dela que se originaram”: Marcelo Ayres CAMURÇA. Entre as
ciências humanas e a teologia. Gênese e contexto do programa de pós-graduação
em Ciência da Religião de Juiz de Fora em cotejo com seus congêneres no Brasil.
In: Silas GUERRIERO (Org). Estudos das
religiões: desafios contemporâneos. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 140.
[6] Que a partir de certo momento consistiu numa
abordagem da obra de Gustavo Gutiérrez, Teologia
da Libertação, que havia sido publicada no Brasil em 1975.
[7] Docente advindo da Congregação Redentorista e que era
antes professor no Seminário Maior da Floresta, com pós-graduação realizada em
Lovaina (Bélgica).
[8] Este docente era padre secular com pós-graduação
realizada na Escola Bíblica de Jerusalém.
[9] Padre redentorista, também com passagem de docência
no Seminário Maior da Floresta, com formação de Pós-Graduação na Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. Contribuiu para o projeto de produção da
História Geral da Igreja na América Latina, coordenado pelo CEHILA
[10] Padre salesiano, com decisivos trabalhos na área de
catequese e ensino religioso, doutor “honoris
causa” pela Universidade Pontifícia Salesiana de Roma.
[11] Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, com
pós-graduação na Union Theological Seminary (EUA). Ingressou na UFJF em 1975.
[12] Padre diocesano, com pós-graduação na Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. Atualmente é Arcebispo de Sorocaba (SP).
[13] Padre diocesano e importante biblista. Trabalhou na
Áustria e atuou no Concílio Vaticano II como perito. Foi responsável pelo
decisivo trabalho de atualização do episcopado brasileiro no Vaticano II,
através das célebres conferências – mais de 80 - realizadas
com os mais importantes teólogos católicos na Domus Marie (Roma). Veja a respeito de seu trabalho: José Oscar
BEOZZO. A Igreja do Brasil no Concílio
Vaticano II. São Paulo: Paulinas/Educam, 2005, p. 197 e 204.
[14] Padre diocesano, com mestrado em ciência bíblica no
Pontifício Instituto Bíblico e doutorado em teologia bíblica pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. Ingressou do Deparmanto de Ciência da Religião
em 1987. É hoje arcebispo de Belo Horizonte.
[15] Tinha sido ex-aluno do curso de ciências das
religiões na UFJF, tendo-se depois doutorado em teologia pela PUC-RJ e se
inserido no Departamento de Ciência da Religião. Ordenou-se mais tarde e hoje é
padre na diocese de Leopoldina.
[16] Originário da Igreja Presbiteriana do Brasil,
passando depois para a Igreja Presbiteriana Unida. Com formação doutoral em
teologia em Hamburgo, na Alemanha, inseriu-se no Departamento de Ciência da
Religião em 1982, tendo se retirado da Universidade em 1989 e retornado em 1996,
integrando-se no PPCIR.
[17] O seu currículo foi examinado e aprovado pelo
colegiado, para fins de contratação, numa reunião de março de 1972, mas ela não
chegou a se efetivar. Ele, porém, colaborou com várias iniciativas realizadas
no período.
[18] Estes três discentes conseguiram avançar seus estudos
de pós-graduação em teologia na PUC-RJ com base na conclusão de creditação nas
disciplinas de ciências das religiões, tendo apenas que complementar a formação
teológica com um nivelamento proposto pela instituição que os acolheu.
[19] Aluno que depois se ordenou, com atuação pastoral na
Diocese de Conceição do Araguaia (PA). Hoje é professor no Departamento de
Serviço Social, na UFRJ.
[20] Um conhecido professor da Faculdade de Direito, Almir
de Oliveira, escreveu um polêmico artigo no jornal local, Diário Mercantil
(julho de 1977), desmoralizando o curso e atacando um de seus docentes, o
professor Wolfgang Gruen. Este fato suscitou imediata reação contrária, da
comunidade local e do Departamento de Ciências das Religiões, exigindo um
posicionamento do diretor do ICHL junto
aos meios de comunicação da cidade.
[21] Como assinalou Wolgang Gruen, em artigo, “há redutos
confessionais que nutrem pouca simpatia pelo curso de Ciências da Religião:
temem que, com suas análises, críticas, abordagem pluralista, ele solape a fé
de seu adeptos”: ciências da religião numa sociedade multicultural. Horizonte, v. 3, n. 6, 2005, p. 23. Não
há dúvida sobre a presença desse temor no meio eclesiástico de Juiz de Fora no
período indicado.
[22] Tinha sido ex-aluno do curso, dando sequência à sua
formação teológica na PUC-RJ e na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma,
tendo defendido sua tese doutoral em 1985. Antes de ingressar na UFJF era
professor de teologia na PUC-RJ, onde atuou como docente de 1978 a 1992. Atua
hoje como pesquisador e docente no PPCIR.
[23] Com doutorado em sociologia pela Universidade
Católica de Lovaina (Bélgica), exerceu sua docência no Departamento de Teologia
da PUC-RJ (sociologia da religião) e depois na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro. É hoje membro do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da PUC-MG.
[24] Fez o doutorado em filosofia na Universidade Católica
de Lovaina (Bélgica). Hoje é docente no Departamento de filosofia da UERJ.
[25] Marcelo Ayres CAMURÇA. Entre as ciências humanas e a
teologia. Gênese e contexto do programa de pós-graduação em Ciência da Religião
de Juiz de Fora em cotejo com seus congêneres no Brasil. In: Silas GUERRIERO
(Org). Estudos das religiões: desafios
contemporâneos. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 145.
[26] Ibidem, p. 146.
[27] Curso que até hoje funciona, com grande sucesso,
sendo praticamente o único curso lato
sensu gratuito oferecido anualmente pela UFJF.
[28] Na época em que o Programa foi avaliado em Brasília
pela Capes, Antonio Gouvêa de Mendonça e Pedro Assis Ribeiro de Oliveira
atuaram como consultores da sub-área de teologia e ciências da religião. O
professor Mendonça lembra em artigo que foi ele quem deu parecer positivo para
a aprovação do curso e, na época não se preocupou com o nome do curso no
singular, ciência da religião, mas com “os elementos fundamentais do curso”.
Sinalizou no artigo que os dois programas nacionais (na ocasião) que sustentavam
“o perfil mínimo de um curso de ciência (s) da religião” eram os de Juiz de
Fora e o da PUC-SP. Cf. Comentários sobre um texto prévio de Luís Dreher –
UFJF. Ciência (s) da religião: teoria e pós-graduação no Brasil. In: Faustino
TEIXEIRA (Org.). A(s) ciência(s) da
religião no Brasil. Afirmação de uma área acadêmica. São Paulo: Paulinas,
2001, p. 185.
[29] Pedro Ribeiro de OLIVEIRA. Teologia e ciências da
religião: uma área acadêmica. In: Márcio Fabri
dos ANJOS (Org.). Teologia profissão.
São Paulo: Soter/Loyola, 2004, p. 106. Esse artigo de Pedro Oliveira traduz de
forma muito feliz a visão comungado pelos docentes do Departamento de Ciência
da Religião no momento de seu nascimento, estando também presente no projeto
elaborado por Luiz Bernardo Leite Araújo, que foi envido para Brasília e
aprovado pela Capes.
[31] Pedro Ribeiro de OLIVEIRA. Teologia e ciências da
religião, p. 106-107.
[32] Luis Henrique DREHER. Ciência(s) da religião: teoria
e pós-graduação no Brasil. In: Faustino TEIXEIRA (Org.). A(s) ciência(s) da
religião no Brasil, p. 155.
[33] Antonio Gouvêa MENDONÇA. Comentários sobre um texto
prévio de Luís Dreher. In: Faustino TEIXEIRA (Org.). A(s) ciência(s) da
religião no Brasil, p. 184.
[34] Ver a respeito o clássico artigo de Rubem ALVES: A
volta do sagrado. Os caminhos da sociologia da religião no Brasil. Religião e Sociedade, n. 3, 1978, p.
112-113.
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