sexta-feira, 29 de junho de 2012

Catolicismo no Brasil em declínio: os dados do Censo de 2010



Catolicismo no Brasil em Declínio: os dados do Censo de 2010



Faustino Teixeira

PPCIR/UFJF



Os dados que acabam de ser apresentados pelo IBGE com respeito às religiões brasileiras no Censo Demográfico de 2010 confirmam a situação de progressivo declínio na declaração de crença católica. Os dados apresentados indicam que a proporção de católicos caiu de 73,8% registrados no censo de 2000 para 64,6% nesse último censo, ou seja, uma queda considerável. Trata-se de uma redução que vem ocorrendo de forma mais impressionante desde o censo de 1980, quando então a declaração de crença católica registrava o índice de 89,2%. Daí em diante, a sangria só aumentou: 83,3% em 1991, 73,8 % em 2000 e 64,6% em 2010. O catolicismo continua sendo um “doador universal” de fiéis, ou seja, “o principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos”, para utilizar a expressão dos antropólogos Paula Montero e Ronaldo de Almeida. A redução católica ocorreu em todas as regiões do país, sendo a queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%. O estado que apresenta o menor percentual de católicos continua sendo o do Rio de Janeiro, com 45,8% (uma diminuição com respeito ao censo anterior que apontava 57,2%). O estado brasileiro com maior percentual de católicos continua sendo o Piauí, com 85,1% de declarantes (no censo anterior o registro era de 91,4%). Os dados indicam que o Brasil permanece majoritariamente católico, com mais de 123 milhões de adeptos, mas se a tendência apontada nesse último censo continuar a ocorrer teremos em breve uma significativa alteração no campo religioso brasileiro, com impactos importantes na dinâmica religiosa nacional.

            O novo censo aponta um dado que já era previsível, a continuidade do crescimento evangélico no Brasil. Foi o segmento que mais cresceu segundos os dados agora apresentados: de 15,4% registrado no censo de 2000 para 22,2%. O aumento é bem significativo, em torno de 16 milhões de pessoas. Um olhar sobre os três últimos censos possibilita ver claramente essa irradiação crescente: 6,6% em 1989, 9,0% em 1991, 15,4% em 2000 e 22,2% em 2010. O Brasil vai, assim, se tornando cada vez mais um país de presença evangélica. Há que sublinhar, porém, que a força desse crescimento encontra-se no grupo pentecostal, que é o responsável principal por tal crescimento, compondo 60% dos que se declararam evangélicos (nada menos do que 13,3% de todo percentual evangélico diz respeito aos pentecostais e 4,8% aos de origem evangélica não determinada). Os evangélicos de missão não registram esse crescimento expressivo, firmando-se em 18,5% da declaração de crença evangélica.

            Os “sem religião”, que no censo de 2000 representavam a terceira maior declaração de crença no Brasil mantiveram o seu crescimento, ainda que em ritmo menor do que o ocorrido na década anterior. Eles eram 7,28% no censo de 2000 e subiram agora para 8% (um índice que comporta mais de 15 milhões de pessoas), e o seu registro mais significativo continua sendo no Sudeste. Esse crescimento não indica, necessariamente, um crescimento do ateísmo, mas uma desfiliação religiosa, um certo desencanto das pessoas com as instituições religiosas tradicionais de afirmação do sentido. Reflete um certo “desencaixe” dos antigos laços, como bem mostrou Antônio Flávio Pierucci em suas pesquisas.

            Os espíritas também seguem crescendo. Os dados do censo de 2010 indicam um crescimento importante, com respeito ao censo anterior: de 1,3% para 2%. São agora cerca de 3,8 milhões de adeptos declarantes. Trata-se do núcleo que tem os melhores indicadores de educação, envolvendo o maior número de pessoas cm nível superior completo (31,5%). Os dados apontados pelo censo são importantes, mas há que lembrar a presença de uma “impregnação espírita” na sociedade brasileira que escapa à abordagem  estatística. Isso os estudiosos do espiritismo têm mostrado com pertinência. As crenças e práticas espíritas têm uma alta “ressonância social”, transbordando a dinâmica de vinculação aos centros espíritas.

            Quanto às religiões afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de crença. Não houve mudança substantiva com respeito ao censo anterior, que indicava a porcentagem de 0,26% para a umbanda (432.001 declarantes) e 0,08 para o candomblé (139.328 declarantes). Mas no novo censo há uma retração numérica da umbanda com respeito ao censo anterior: de 432.001 declarantes em 2000 para 407.000 em 2010. O candomblé, que no censo anterior tinha registrado um leve crescimento, volta a ter modesto acréscimo: de 139.328 declarantes em 2000 para 167.000 em 2010.

            Com respeito às outras religiões, permanecem com uma representatividade pequena que em sua soma geral não ultrapassa 3,2% de declaração de crença. Mantém-se viva a provocação feita por Pierucci em artigo escrito depois do censo de 2000 sobre a diversidade religiosa no Brasil, de que o Brasil continua hegemonicamente cristão, e a diversidade religiosa – ainda que em crescimento -, permanece apertada em estreita faixa um pouco acima de 3% da declaração de crença. Com base nos dados do censo agora apresentado, os cristãos configuram 86,8% da declaração de crença. Não há dúvida que isso pode ser problematizado com a questão complexa da múltipla pertença ou então da malha larga do catolicismo, que envolve, como diz Pierre Sanchis a presença de “muitas religiões” em seu interior.


(Publicado no IHU-Notícias, de 30/06/2012:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511028-catolicismo-no-brasil-em-declinio-os-dados-do-censo-de-2010 )

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Cardeal Martini e a dignidade da diferença


Cardeal Martini e a dignidade da diferença

Faustino Teixeira
PPCIR – UFJF

“Hoje encontro muitas pessoas,
de todo o mundo e de diversas religiões.
Entre elas, estão os anjos com os quais
podemos nos reunir aqui na terra”.
(Cardeal Martini)

Ao ler hoje pela manhã o IHU notícias (27/06/2012), deparei-me com a informação de que o grande cardeal Martini se despedia de sua coluna no jornal italiano Corriere dela Sera. Dizia que chegara o momento em que, por razões da idade e da doença, deveria se retirar de suas atividades e empenhos para preparar-se para o encontro decisivo com o Mistério de Deus. Fiquei, de certa forma, entristecido, pois ele sempre foi para mim um fator de alegria, incentivo e esperança na luta em favor de uma Igreja mais fraterna e solidária. Nesses “tempos difíceis”, sua voz serena, corajosa e audaz vai nos fazer muita falta. Em todo o meu itinerário teológico pude acompanhar atentamente suas produções, seus sermões e suas lindas intervenções nos campos da pastoral e da vida social. Foi sempre uma alegria renovada entrar em contato com suas instigantes provocações. É na verdade, um fiel seguidor de uma Igreja primaveril, um autêntico “amigo de Deus”, e são eles, como tão bem indica Simone Weil, que nos facultam o exercício singelo da manutenção do olhar fixado intensamente em Deus.
            O cardeal Martini foi aquele que sempre esteve nos meus sonhos em favor de uma Igreja mais profética, solidária e aberta. Nos últimos dois conclaves, foi por ele que o meu coração bateu mais forte. Talvez a figura mais nobre que um cargo tão complexo, exigente e difícil, poderia fazer jus. O cardeal Martini, jesuíta de ternura e vigor, foi durante muitos anos – de 1980 a 2002 -, arcebispo de Milão, a maior diocese do mundo. Ali atuou de forma impressionante, deixando uma marca que não poderá jamais ser esquecida. É também um dos mais importantes biblistas que temos.
            Sua reflexão sobre Jesus é apaixonante. A forma como nos confronta com Jesus de Nazaré é singular e provocadora. Como sinalizou Georg Sporschill, ele nos apresenta Jesus em perspectiva distinta à apresentada por papa Bento XVI em seu livro sobre o itinerante de Nazaré. A partir de sua visada, o Jesus que nos vem revelado “é o amigo dos publicanos e pecadores. Ele escuta a pergunta dos jovens. Ele provoca inquietações. Ele luta conosco contra as injustiças”. Foi essa perspectiva que pude ver, com grande alegria, no seu livro sobre O itinerário espiritual dos doze (1981), onde aborda o Evangelho de Marcos. Com essa obra ele nos ajuda a rever, refletir e pensar sobre a nossa caminhada interior com base no itinerário espiritual dos doze discípulos. Nos ajuda a trabalhar o difícil confronto interior em favor da decisão de dar prosseguimento na história ao caminho de Jesus. Assim como os discípulos, nós também temos dificuldades de compreender os desafios da missão e de ver com clareza o horizonte a seguir. O conselho que vem do mestre Martini é simples: basta sair de uma situação marcada pelo orgulho e suficiência e deixar-se habitar por atitude de humildade, de “ignorância”, com a disposição acesa e atenta da audição. Sublinha que esta deveria ser a atitude fundamental de quem se coloca diante do Mistério de Deus, para poder ouvir o que Ele nos quer comunicar. Nada mais importante, sublinha, do que “olhar com atenção”. Mesmo que não se consiga explicar o que há de belo no mundo, e no outro, “a admiração diante da beleza pode me levar a Deus”.
            Outro traço que sempre percebi em suas reflexões foi o da abertura ao outro, ao seu mistério indiscernível. Em livro publicado em 2000, Sobre o corpo, o cardeal Martini trata questões difíceis como a doença e o limite. Indica que a doença não é um incidente fortuito, mas nos coloca irremediavelmente diante de limites bem precisos. Desvela ainda algo que está “escondido” em nós mesmo quando nos sentimos saudáveis, mas que aparece um dia, com sua patente realidade, fazendo emergir a verdade de nossa limitação e pobreza. É esse mesmo corpo que coloca para nós, de forma viva, a questão do outro e o desafio imprescindível da relação. Diz Martini: “O outro é, porém, um mistério que escapa a qualquer analogia e redução de semelhança; se quero possuí-lo não é mais ´outro`, e permaneço só, sem nenhum outro”. Não há lugar para o belo Narciso, que se afoga em sua própria imagem e reflexo. Sublinha ainda que esse amor aos outros nunca o afastou de sua comunidade. Ao contrário, diz ele: “Quanto mais convivo com os outros, tanto mais amo a Igreja”.
Um dos maiores desafios assumidos por Martini em sua trajetória foi a defesa desse outro, e sempre com base em Jesus de Nazaré. No livro Diálogos noturnos em Jerusalém (2008), trata da importância de levar a sério a abertura e universalidade que envolve a expressão “católica”. E o caminho que aponta é o seguimento de Jesus. Foi ele que “tornou visível o amor de Deus por meio de sua vida e de suas palavras”. E o que caracteriza esse amor é sua proximidade com os outros, sobretudo os mais necessitados e pobres. Foi alguém que “optou pela vida itinerante e, assim, estar disponível para todos e não construir muros ao seu redor. Jesus foi ao encontro dos estranhos. E o que é mais importante: era capaz de difundir seu amor”. Como assinala Martini, é o nosso grande mestre nessa abertura aos estranhos.
Levando a sério esse desafio, Martini dedicou-se por muitos anos em Milão ao diálogo com os muçulmanos. Um de seus lindos trabalhos a respeito ganhou grande notoriedade: “Nós e o Islã – da acolhida ao diálogo”. Trata-se de um discurso que ele proferiu na vigília do dia de Santo Ambrósio, em dezembro de 1990. Reconhece em seu discurso os grandes valores religiosos e morais que marcam a tradição islâmica, e que tanto ajudaram “centenas de milhões de homens a prestar a Deus um culto honesto e sincero, bem como a praticar a justiça”. É no respeito a tal dignidade que os cristãos são convocados ao diálogo com os muçulmanos, e na sua dinâmica poder refletir e aprender sobre sua “forte experiência religiosa”, destinada a restituir a Deus, com gratuidade, um mundo a ele intimamente vinculado.
Levou também o diálogo ao pórtico dos não-crentes. Nos debates com Umberto Eco, registrados no livro Em que crêem os que não crêem (1999), trata com grande honestidade e seriedade essa questão. O que está em jogo, fundamentalmente, é a questão ética, o lugar da ética, “no qual se decide o futuro meta-histórico da aventura humana”. Partilha com Eco da idéia de uma esperança comum que irmana crentes e não-crentes, que transparece sobretudo na prática. Diz Martini:

“É possível ver crentes e não crentes vivendo o presente, dando-lhe sentido e empenhando-se com responsabilidade. Isto é particularmente visível quando alguém se coloca, gratuitamente, por sua conta e risco, a serviço de valores elevados, sem nenhuma retribuição visível. Quer dizer, portanto, que existe um húmus profundo que crentes e não-crentes, pensantes e responsáveis, alcançam, sem que, no entanto, consigam dar-lhe um mesmo nome”.

 Martini reconhece o valor e a dignidade da ação ética de muitas pessoas, com “elevado altruísmo”, sem que estejam animadas por um fundamento transcendente em sua ação.

Sobre o seu sonho de Igreja, Martini sublinha:

“Antigamente eu tinha sonhos em relação à Igreja. Sonhos de uma Igreja que seguisse seu caminho na pobreza e na humildade, de uma Igreja que não dependesse dos poderes do mundo (...). Com uma Igreja que desse lugar às pessoas que pensam o futuro. Com uma Igreja que encorajasse especialmente àqueles que se sentem sozinhos ou pecadores. Eu sonhava com uma Igreja jovem”.

Em seus colóquios de Jerusalém, na ocasião, com avançados 75 anos, revelou que esses sonhos tinham se diluído e que agora rezava pela Igreja. Mas ainda vigorava em seu peito o grande sonho de Teilhard, que via “o mundo caminhar em direção à grande meta, onde Deus será tudo em todas as coisas”.
Em sua última coluna, esse grande cardeal de Milão, conhecedor do segredo dos corações e do mistério das distintas formas de fé, responde a uma última questão, extremamente difícil, levantada por Francesco Rizzo, que havia perdido o seu filho de 10 anos. Na sua carta, o desencantado pai pedia uma palavra de conforto para poder voltar a viver. E com a resposta de Martini, concluo essa minha breve homenagem a esse grande cristão:

“Caro Franco, não há palavras verdadeiras de conforto diante de uma dor tão grande, talvez a maior dor para um ser humano. Eu também não sei lhe indicar caminhos precisos. Posso lhe dizer que rezo por você para que seja Jesus, o Filho, que lhe indique o caminho. Mas certamente não será logo, porque dores tão fortes tiram a força, a visão, a audição e ferem até a nossa força fundamental que é a coragem de enfrentar qualquer acontecimento”.

(Publicado no IHU-Notícias de 28/06/2012 e no Amai-vos de 27/06/2012:

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O imprescindível desafio da diferença religiosa


O imprescindível desafio da diferença religiosa

Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF


Resumo:

A acolhida da diversidade das culturas foi sempre um grande problema para o ser humano, em razão da presença restritiva do etnocentrismo. Essa diversidade, porém, não constitui uma realidade negativa, mas um “fenômeno natural” e positivo. Assim como a  diversidade das culturas, temos também diante de nós a diversidade das religiões e o rico pluralismo religioso. Torna-se hoje imprescindível acolher positivamente esse desafio, reconhecendo a dignidade da diferença e somando forças com as distintas tradições religiosas para construir um mundo melhor e mais digno, acalentado na paz e no respeito.

Palavras chave:

Globalização; Pluralismo; Diversidade Religiosa; Alteridade; Diálogo Interreligioso;


            A acolhida da diversidade religiosa e o imperativo dialogal são desafios fundamentais que se apresentam ao século XXI. Não há como desconhecer o enigma que preside a diferença religiosa e os misteriosos caminhos que levam os seres humanos a buscar um novo entendimento e compreensão em sua trajetória de vida. O outro está aí, cada vez mais disponibilizado para uma nova interlocução criadora, provocando os seus parceiros a uma ampliação de olhar e ao enriquecimento de si com novas possibilidades. Uma nova conversação entre as religiões, apesar de complexa e difícil, revela-se hoje providencial. Não no sentido de apagar as diferenças, ou simplesmente buscar um denominador comum, mas na perspectiva de encontrar “semelhanças na diferença”, almejando pistas comuns em favor de um novo modo de atuação na história na luta contra o sofrimento e na afirmação da dignidade da criação. O horizonte dialogal começa a ocorrer quando os parceiros em busca de entendimento disponibilizam-se à se apropriar de novas possibilidades. O que antes era apenas estranho, diferente e inatingível, torna-se plausível e possível. É um processo que não acontece sem disposições prévias, envolvendo um delicado dinamismo de abertura e interpretação. Para se adentrar de fato no mundo da conversação com o outro, em âmbito existencial, requer-se atitude e também vontade de assumir o “risco” de se envolver no solo sagrado da alteridade. Trata-se de uma aventura exigente, pois o diálogo verdadeiro implica despojamento e abertura sincera. Toda conversação dialogal é um “lugar inquietante no qual o sujeito se dispõe a arriscar toda a sua atual auto-compreensão ao levar a sério as posições do outro, que também exige para si o reconhecimento de sua autenticidade e verdade”[1].

Tempos de globalização e pluralização

            Um dos traços que pontuam os processos modernos de globalização e pluralização é a sua grande abrangência e velocidade. As distância se abrandam e os povos e culturas ganham uma proximidade inédita. Como sinaliza Anthony Giddens, “eventos distantes, quer econômicos ou não, afetam-nos mais direta e imediatamente que jamais antes. Inversamente, decisões que tomamos como indivíduos são com frequência globais em suas implicações”[2]. Não ocorre apenas a interdependência econômica, a revolução das comunicações e a internacionalização das imagens e produtos, mas o fenômeno toca o mundo interior das pessoas, pontuando de forma diferenciada o tempo e o espaço da vida privada. A globalização diz respeito não apenas à ordem exterior, ao que está “lá fora” e distante dos indivíduos, mas é um fenômeno que atinge o mundo “aqui dentro”, com vivo impacto nas dimensões mais íntimas e pessoais[3]. Ela repercute nos sistemas tradicionais de família, nos valores estabelecidos, nos padrões de vida e no mundo da religião. Provoca uma radical desestabilização da vida cotidiana.

            O pluralismo moderno desaloja qualquer conhecimento auto-evidente. Os saberes inquestionavelmente certos perdem sua plausibilidade, dando lugar às dúvidas e interrogações. Nenhuma perspectiva ou interpretação permanece assegurada em sua pretensão de validade. Os impactos disso no campo das religiões são incisivos. Com o advento da sociedade pós-tradicional ou pós-moderna as tradições mudam seu status. Elas não estão mais garantidas, mas necessitam de contínua explicação ou justificação. Tornam-se provocadas à interrogação, revisão e  reflexividade[4]. O contato entre elas passa a ser permanente, forçando-as a “se declararem” e apontar com pertinência sua razão de ser.

            Com a impactante presença da diferença, envolvendo a consciência pluralista, passa a vigorar um sentimento mais vivo da relatividade, que é distinta do relativismo. Torna-se mais difícil, senão problemático,

“postular a centralidade da cultura ocidental, a supremacia de sua perspectiva, ou o cristianismo como a religião superior, ou o Cristo como o centro absoluto em relação ao qual todas as demais mediações históricas são relativas (...). A pós-modernidade oferece uma oportunidade para um novo e dramático sentido cristológico. A descoberta do pluralismo é precisamente uma descoberta do ´outro`, de outras pessoas que são diferentes e valiosas, embora excluídas ou suprimidas pelas grandes narrativas”[5] .

A diversidade religiosa não é uma novidade na história, mas um traço que acompanhou o seu desenvolvimento. O que é novo no tempo atual é a consciência mais viva dessa pluralidade, de sua presença recorrente no campo da observação, na dinâmica da urbanização mundial, nos modernos meios de comunicação e na facilidade de acesso ao seu patrimônio diversificado[6]. Torna-se hoje facilmente acessível a singularidade das diferenças e o acolhimento dessa “dispersão benéfica do divino”. É uma presença plural que se adentra no campo da percepção e abre inusitadas possibilidades. Na nova perspectiva planetária, com traços evidentes de intercomunicação e interdependência, cresce a consciência viva, ainda que dolorosa, da presença múltipla das religiões e de suas respostas diversificadas ao Mistério supremo[7].

Pluralização e desestabilização

            Se por um lado é verdade que a pluralização possibilita a afirmação de “sistemas abertos de conhecimento”, ela suscita também a retomada das “heranças confessionais”. O pluralismo traz consigo instabilidade, inquietudes e tensões, pois instaura um desequilíbrio no mundo objetivamente construído e conversado. Ele tende “a desestabilizar as auto-evidências das ordens de sentido e de valor que orientam as ações e sustentam a identidade”[8]. Diante da condição de incerteza que acompanha o pluralismo, muitos tendem a reagir com sede de absoluto, mediante o acirramento identitário e a virulenta defesa da “comunidade”. É assim que se explica a irrupção dos diversos fundamentalismos ou integrismos no tempo atual. É uma típica reação de defesa cognitiva face a insegurança de um mundo carregado de possibilidades e interpretações. Muros protetores são então erguidos para amparar os indivíduos e aliviá-los da “necessidade de reinventar o mundo a cada dia”. Com razão, assinala P.Berger que os projetos restauradores incluem quase sempre uma reação ao pluralismo, seja limitando o seu poder de ação ou mesmo suprimindo-o, para evitar o pesado fardo da construção de alternativas[9]. É verdade que existem aqueles que conseguem conviver com a dinâmica plural, que respondem adequadamente às suas novas exigências de cognição. São os chamados “virtuosos do pluralismo”. Eles representam, porém, um campo minoritário, pois a maior parte das pessoas resistem aos novos desafios e as instituições existentes buscam garantir para elas um mundo “livre de surpresas”. Elas “criam ´programas` para a execução da interação social e para a ´realização` de currículos de vida. Elas fornecem padrões comprovados segundo os quais a pessoa pode orientar seu comportamento”[10]. Nada mais alentador para os indivíduos do que estruturas de plausibilidade estáveis e coerentes, com grau preciso de objetividade. As respostas nelas se encaixam com facilidade, evitando o risco da interpretação. É justamente esse mundo da objetividade garantida e assegurada que as forças da modernização e pluralização dessarranjam[11]. 

Caminhos de interação

            O grande desafio que acompanha o limiar do século XXI é a busca de um novo entendimento entre as culturas e religiões. Trata-se do desafio de acolher a “dignidade da diferença”. A pluralidade de opções religiosas e espirituais não deve ser vista como um mal, ou simplesmente um dado conjuntural, fadado a encontrar o seu acabamento ou remate numa pretensa ordem unitária. Há que resistir a essa “obsessão pela unidade” e saber celebrar com alegria a musicalidade de uma sinfonia que é sempre adiada. Em resposta a um projeto da UNESCO de combate ao racismo, o antropólogo Lévi-Strauss escreveu em 1950 um importante manifesto cultural de defesa da diversidade das culturas. Tinha como alvo o posicionamento evolucionista e sua idéia de progresso. O pensador francês lança-se em defesa dessa diversidade, que arriscava ser abafada pelo mote da uniformidade e monotonia:

“É a diversidade que deve ser salva (...). É necessário, pois, encorajar as potencialidades secretas, despertar todas as vocações para a vida em comum que história tem de reserva; é necessário também estar pronto para encarar sem surpresa, sem repugnância e sem revolta o que estas novas formas sociais de expressão poderão oferecer de desusado. A tolerância não é uma posição contemplativa dispensando indulgências ao que foi e ao que é. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em promover o que quer ser. A diversidade das culturas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente”[12]. 

            Ao defender a diversidade das culturas, Lévi-Strauss busca reagir ao etnocentrismo exacerbado, que desconhece e rebate a alteridade, entendendo-a como um escândalo ou desvio. Busca sublinhar que essa diversidade é, antes, um “fenômeno natural, resultante das relações diretas ou indiretas entre sociedades”[13]. O etnocentrismo, porém, não é um mal em si, como assinala Lévi-Strauss. É um traço que acompanha todo ser humano em sua defesa de identidade. Toda cultura vem movida por uma peculiar dinâmica de resistência, que assinala sua vontade “de ser ela mesma”. A defesa da identidade e da convicção não é intrinsecamente problemática, pode, porém, vir a ser perigosa na medida em que foge do controle[14]. É em situações de conflito que a questão da identidade vem à tona com vigor, quando a cálida experiência da comunidade entra em crise ou colapso. Nesse momento, ela se introduz com barulho e fúria. Marcar a identidade é marcar a diferença e singularidade. Sua busca

“não pode deixar de dividir e separar. E no entanto a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades individualmente experimentados e, depois disso, realizar os ritos de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e ansiosos”[15].

O limite do etnocentrismo se instaura quando se firma uma impermeabilidade absoluta ou uma incomunicabilidade com o outro: “nós somos nós, eles são eles”. Isso sim, é problemático e lesivo. E o resultado previsível é o de “solilóquios em choque”. Há que buscar novos espaços de comunicação e entendimento, ou seja,

“modos de pensar que sejam receptivos às particularidades, às individualidades, às estranhezas, descontinuidades, contrastes e singularidades, receptivos ao que Charles Taylor chamou de ´diversidade profunda´, uma pluralidade de maneiras de fazer parte e de ser, e que possam extrair deles – dela – um sentimento de vinculação, de uma vinculação que não é abrangente nem uniforme, primordial nem imutável, mas que, apesar disso, é real”[16].

            Em verdade, a diferença entre as culturas não é um impedimento para o diálogo, mas sua possibilidade. É esta diferença que faculta o encontro fecundo entre as mesmas[17]. Acentuar a idéia de “choque de civilizações” ou de culturas, como o fez Samuel Huntington no início dos anos 1990, é ignorar a dinâmica que as preside. A reflexão antropológica nos faz recordar constantemente que os sistemas culturais não são entidades fechadas e rígidas, mas em contínuo processo de modificação. Ao enquadrar “cultura” e “civilização” como objetos fixos e reificados, e sobretudo acentuar mais a distância entre o “mundo familiar” e o “mundo do outro”, com suas fronteiras problemáticas, quebra-se a compreensão dinâmica e turbulenta dessas realidades, diminuindo tremendamente a possibilidade de interação. Reagindo ao cientista político de Harvard, o palestino Edward Said identificou em sua tese não apenas um “choque de definições”, como também um “choque de ignorância”. A seu ver,

“Huntington é um ideólogo, alguém que quer transformar ´civilizações` e ´identidades` no que elas não são: entidades fechadas, lacradas, que foram expurgadas da miríade de correntes e contracorrentes que animam a história humana, e que ao longo dos séculos tornaram possível para essa história incluir não apenas guerras de religião e conquista imperial, mas também ser uma história de trocas, fertilização mútua e compartilhamento”[18].

            Na tese defendida por Samuel Huntington, o mais sério risco para o futuro da humanidade estaria relacionada com o conflito entre as civilizações diferentes, sobretudo no âmbito cultural. E chama a atenção para a ameaça que acompanha o ressurgimento islâmico. Sua análise tende a acentuar o toque de intolerância que vem acompanhando a relação entre sociedades muçulmanas e cristãs a partir da década de 1980, e a presença decisiva dos muçulmanos em muitos dos conflitos de linha de fratura que pontuaram a década de 1990. O diagnóstico que apresenta é duro: “É o islã uma civilização diferente, cujas pessoas estão convencidas da superioridade de sua cultura e obcecadas com a inferioridade de seu poderio”[19]. Mediante uma linguagem figurativa, Huntington acentua a distância entre o mundo ocidental, considerado normal, aceitável e familiar e o “mundo do islã”, pontuado por “fronteiras sangrentas e contornos bojudos”. Esta insistência na divisão e no choque, bem como nas artimanhas necessárias para o avanço ocidental, acabou por favorecer a expansão da guerra fria, em novos moldes[20].  O triste episódio ocorrido em setembro de 2001, com o ataque às Torres Gêmeas (World Trade Center), interpretado como um “ataque à América”, acirrou ainda mais essa disparidade.

Em favor da “dignidade da diferença”

            Ao se defender a importância do diálogo e intercâmbio entre as civilizações, culturas e religiões, não se está desconhecendo ou minimizando as tensões e conflitos que envolvem a modernidade no tempo atual. Não se pode camuflar o “lado sombrio” que pontuou o século XX e continua a ameaçar o século XXI. O século que passou foi “o mais assassino de que temos registro, tanto na escala, frequência e extensão da guerra que o preencheu, mas cessando por um momento na década de 1920, como também pelo volume único das catástrofes humanas que produziu, desde as maiores fomes da história até o genocídio sistemático”[21]. O novo século não está livre dessa “escuridão”[22], e já começa com “crepúsculo e obscuridade”[23]. Dentre os desenvolvimentos problemáticos que pontuam esse novo período está o “regresso das catástrofes humanas maciças, que incluem a expulsão de populações e o genocício, e com elas, a volta do medo generalizado (...). No final de 2004, estimava-se que havia 40 milhões de refugiados fora dos seus países e muitos outros, cada vez mais, dentro deles, o que é similar ao número de ´pessoas deslocadas`em consequência da Segunda Guerra Mundial”[24].

O mundo continua carregado por temor, inquietação e perigos, não há dúvida. Isto também no campo das religiões, com as ameaças constantes das identidades que se firmam de forma rígida e nociva, mostrando muitas vezes o seu lado mortífero. São os fundamentalismos que se espraiam por todo canto, reagindo às vezes violentamente contra as ameaças plurais que sitiam a tradição[25]. O impacto da diferença de crenças, acirrado pela globalização, suscita em situações concretas a preocupação, a suspeita, a repugnância e a altercação. Há uma violência potencial que circunda o campo das religiões. Se em alguns casos a resistência cognitiva ao pluralismo e à globalização pode se dar mediante um isolacionismo, em outros a reação pode ser diversa, suscitando um perigoso ciclo vicioso de animosidade, rancor e violência[26].

            Felizmente, há outros caminhos abertos para as tradições religiosas no tempo atual, distintos do percurso da intolerância e da violência. Firma-se também, com vigor, a proposta dialogal. Como bem pontuou o rabino Jonathan Sacks, em seu belo livro sobre a dignidade da diferença (2002), “no nosso mundo, onde tudo está conectado, devemos aprender a nos sentir enriquecidos e não ameaçados, pela diferença”. Há uma dignidade, honradez e mistério no mundo da alteridade, que deve ser acolhido com generosidade e alegria. É na dinâmica de relação com o outro que se tece a própria identidade. Não há como conhecer em profundidade a própria tradição religiosa senão na medida em que se processa a abertura dialogal com respeito às outras tradições. Como pontuou o místico catalão, Raimon Panikkar, “aquele que não conhece senão sua própria tradição, não a conhece em profundidade”[27]. No contato, atenção e abertura às outras tradições religiosas vem favorecida a percepção de aspectos inéditos do Mistério, que escapam à visada da própria tradição de pertença e domiciliação. A vizinhança interreligiosa faculta a experimentação e o aprendizado de “coisas a respeito de Deus e de nós mesmos e do nosso mundo que jamais poderíamos aprender sozinhos. A nossa relação com os outros é uma forma de dar profundidade à nossa própria espiritualidade”[28].

            O diálogo não é um mero “rebuliço sonoro”, mas é uma arte essencial que marca a dinâmica humana. Na visão de um dos grandes pensadores do século XX, Hans George Gadamer (1900-2002), o diálogo é “um atributo natural do homem”, que ocorre mediante a linguagem[29]. Distintamente do intercâmbio que se trava na ruidosa vida social, o diálogo traduz a comunicação recíproca e o encontro entre duas pessoas com a peculiaridade de sua visão e imagem do mundo. São dois mistérios que se encontram, que partilham suas experiências e buscam se compreender mutuamente, estando igualmente abertos para o recíproco enriquecimento. O diálogo não apaga, porém, a diferença do outro, que permanece velado por um “mistério intransponível”. É um exercício essencial de ampliação da singularidade, pois deixa uma marca nos parceiros. O que revela o diálogo verdadeiro, sublinha Gadamer, “não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência do mundo (...). O diálogo possui uma força transformadora. Onde um diálogo teve êxito ficou algo para nós e em nós que nos transformou. O diálogo possui, assim, uma grande afinidade com a amizade”[30].

            O diálogo, enquanto conversação verdadeira, é sempre uma operação inquietante e arriscada, pois coloca em questão a auto-compreensão dos interlocutores. Nele está implícito o desafio da provocação do outro, que reclama para si o reconhecimento de sua singularidade e dignidade. Em toda conversação respeitosa ocorre um processo de mudança, que pode ser mais radical, envolvendo uma experiência de conversão, ou mais controlada, embora também autêntica. Igualmente nesse caso ocorre a apropriação de uma nova possibilidade para o sujeito, que vê seu mundo enriquecido pelo toque da alteridade[31].

            Dentre as distintas formas de diálogo situa-se o diálogo interreligioso. Ele envolve “não só o colóquio, mas também o conjunto das relações interreligiosas, positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões religiosas, para um conhecimento mútuo e um recíproco enriquecimento”[32]. É um diálogo que se distingue do ecumenismo, que em sentido estrito vem entendido como o conjunto de esforços e manifestações que visam a promoção da unidade dos cristãos. O diálogo interreligioso tem um alcance mais amplo, embora esteja ligado ao movimento ecumênico por laços de muita proximidade.

            O exercício do diálogo interreligioso requer disposições que são fundamentais. Vale sublinhar, em primeiro lugar, a atitude de humildade. A abertura ao outro implica um gesto essencial de despojamento, de deslocamento do sujeito, que deixa de ser o centro de referência para poder abrir espaço ao mundo da alteridade. Sem consciência da vulnerabilidade do sujeito não pode haver verdadeiro acolhimento e hospitalidade.  Sentimentos de apego, de hybris arrogante ou superioridade ética são novivos e letais para o diálogo. O diálogo exige esse esvaziamento de si para poder deixar valer o outro.

            O diálogo pressupõe também simpatia e atenção ao diferente. Há que lançar-se ao outro, expor-se ao seu enigma e mistério com a cuidadosa aplicação do espírito, estar atento e vigilante para adentrar-se nas suas entranhas e fronteiras, sintonizar-se com sua vida. A pensadora francesa, Simone Weil, dedicou-se com afinco ao tema. Para ela, a atenção “consiste em suspender o pensamento, em deixá-lo disponível, vazio e penetrável ao objeto”, com a mente esvaziada e à espera, “sem buscar nada, porém disposta a receber em sua verdade o objeto que nela vai hospedar-se”[33]. A atenção é para a mistica francesa um dom único e singular, “a forma mais rara e mais pura da generosidade”[34]. E a ela seguem-se a hospitalidade e a compaixão.

Esse encontro traduz ainda a busca sincera do mistério que a todos envolve e ultrapassa. O diálogo não pode, em hipótese alguma, ser plataforma de conversão para uma determinada religião. Ele “tem seu próprio valor”, é auto-finalizado, tendo em grande estima o dado irreversível da liberdade religiosa. Quando sincero, o diálogo “supõe, por um lado, aceitar reciprocamente a existência das diferenças, ou também das contradições, e, pelo outro, respeitar a livre decisão que as pessoas tomam em conformidade com a própria consciência”[35].

            O diálogo genuíno exige o respeito às identidades. Nele os interlocutores entram com a alegria de suas convicções. É a própria autenticidade e sinceridade do diálogo que convoca os parceiros a embarcarem nessa travessia, mantendo viva a integralidade de sua própria fé. Da mesma forma em que a convicção pessoal vem reconhecida e exigida na conversação dialogal, o mesmo vale para a convicção do outro. Há que resgatar assim o valor da convicção religiosa do outro e a percepção de que esta está fundada numa experiência autêntica de revelação. É dessa forma que se processa uma legítima interlocução criadora, que envolve troca de dons.

Nesse itinerário dialogal o sujeito se lança à “auto-exposição” no mundo do outro. E todos saem modificados nesse processo, na medida em que se provoca a ruptura da monologização. O diálogo consiste numa “aventura arriscada”, envolvendo uma atitude essencial de busca profunda. Deve estar acompanhado de cortesia e delicadeza, e também animado pela convicção de que se caminha num “solo sagrado”[36]. O diálogo supõe ainda uma dimensão espiritual que ajuda a manter aceso na consciência o caráter inefável da realidade. É dela que se irradiam, com uma fragrância única, os toques singulares do amor desinteressado, da gratuidade, da atenção, da cortesia, hospitalidade e compaixão.

Há uma dimensão ética envolvida no diálogo interreligioso que não pode ser escamoteada. As religiões tem muito a contribuir em favor da paz mundial, da renovação espiritual e da afirmação de um horizonte de sentido. Elas são portadoras de um importante patrimônio de valores capazes de conferir a todos uma fidelidade de fundo e uma essencial energia de alegria e esperança. O diálogo interreligioso ganha hoje um significado prático fundamental, em favor de uma ecumene da solidariedade e da compaixão. Firma-se como base catalizadora dessa ecumene planetária a candente questão do sofrimento humano e do grito da terra. É em torno desse problema do sofrimento, como bem lembrou o teólogo Johann Baptista Metz, que se situa “a base para uma coalizão das religiões em vista da salvação e promoção da compaixão social e política no nosso mundo"[37]. 

Referências Bibliográficas

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(Artigo publicado na Revista Remhu – Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Ano XX, n. 38 – jan./jun. 2012, pp. 181-194)


[1] David TRACY. Pluralidad y ambigüedad. Hermenêutica, religión, esperanza. Madrid: Trotta, 1997, p. 142.
[2] Anthony GIDDENS. A terceira via. São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 41.
[3] Anthony GIDDENS. Mundo em descontrole. O que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000, p. 22. Ver também: Jonathan SACKS. La dignità della differenza. Como evitare lo scontro delle civiltà. Milano: Garzanti, 2004, p. 42.
[4] Com o advento da modernidade, a tradição deve ser “reiventada a cada nova geração”. O conhecimento passa a ser “reflexivamente aplicado” e as práticas sociais “constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamene seu caráter”: Anthony GIDDENS. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 45.
[5] Roger HAIGHT. Jesus, símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 384-385.
[6] Peter BERGER & Anton ZIJDERVELD. Elogio del dubbio. Come avere covinzioni senza diventare fanatici. Bologna: Il Mulino, 2011, pp. 15-16.
[7] Paul F. KNITTER. Introdução às teologias das religiões. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 15.
[8] Peter L. BERGER & Thomas LUCKMANN. Modernidade, pluralismo e crise de sentido. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 73.
[9] Ibidem, p. 58.
[10] Ibidem, p. 55.
[11] Peter L. BERGER. L´imperativo eretico. Torino: Elle Di Ci, 1987, p. 56.
[12] Claude LÉVI-STRAUSS. Raça e história. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 87.
[13] Ibidem, p. 53.
[14] Clifford GEERTZ. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, pp. 69-71.
[15] Zygmunt BAUMAN. Comunidade. A busca de segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge  Zahar, 2003, p. 212.
[16] Ibidem, p. 196.
[17] Claude LÉVI-STRAUSS & Didier ERIBON. De perto e de longe. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 192.
[18] Edward SAID. Cultura e política. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 43.
[19] Samuel P. HUNTINGTON. O choque de civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p. 273. Ver também: pp. 134-149 (o ressurgimento islâmico) e 262-273 (o islã e o ocidente).
[20] Edward SAID. Reflexões sobre o exílio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 317 e 329.
[21] Eric HOBSBAWM. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 22; Anthony GIDDENS. As consequências da modernidade, p. 19.
[22] Assim, com essa expressão paradigmática, termina Hobsbawm o seu livro A era dos extremos (p. 562).
[23] Eric HOBSBAWM. Tempos interessantes. Uma vida no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 448.
[24] Eric HOBSBAWM. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 57. E o prognóstico feito por esse autor sobre o século XXI é também sombrio: “A violência armada, gerando sofrimentos e perdas desproporcionais, persistirá, onipresente e endêmica – ocasionalmente epidêmica -, em grande parte do mundo. A perspectiva de paz é remota”: Ibidem, p. 35.
[25] Um fenômeno tipicamente moderno e reativo, que visa fundamentalmente restabelecer as certezas de uma tradição: cf. Peter BERGER & Anton ZIJDERVELD. Elogio del dubbio, pp. 69-70.
[26] Peter L. BERGER. Una gloria remota. Avere fede nell´epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994, pp. 46-47. Há, de um lado, a redução cognitiva defensiva (a estratégia do gueto) e, de outro, a redução cognitiva ofensiva (a estratégia da cruzada). São duas formas precisas de resistir aos ventos impetuosos do pluralismo. Ver ainda: Peter BERGER & Anton ZIJDERVELD. Elogio del dubbio, p. 72  e  Faustino TEIXEIRA. Peter Berger e a religião. In. ____. (Org). Sociologia da religião. Enfoques teóricos. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 240.
[27] Raimon PANIKKAR. Entre Dieu et le cosmos. Entretiens avec Gwendoline Jarczyk. Paris: Albin Michel, 1998, p. 74.
[28] Paul KNITTER. O mistério último é sempre maior. IHU-Notícias. São Leopoldo, 12 de janeiro de 2012: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/505638-o-misterio-ultimo-e-sempre-maior-artigo-de-paul-knitter (acesso em 19/01/2012).
[29] Hans-Georg GADAMER. Verdade e Método II. Petrópolis: Vozes/Universidade São Francisco, 2002, p. 243. Para esse autor, é no diálogo que o ser humano eleva-se à sua humanidade.
[30] Ibidem, p. 247.
[31] David TRACY. Pluralidad y ambigüedad, pp. 142-143.
[32] SECRETARIADO para os não-cristãos. A Igreja e as outras religiões. Diálogo e Missão. São Paulo: Paulinas, 2001 (originalmente publicado em junho de 1984).
[33] Simone WEIL. Attente de Dieu. Paris: Fayard, 1966, pp. 92-93.
[34] Simone WEIL & Joe BOUSQUET. Corrispondenza. Milano: SE SRL, 1994, p. 13 (carta de Simone Weil a Joe Bousquet, datada de 13 de abril de 1942).
[35] PONTIFÍCIO Conselho para o Diálogo Interreligioso. Diálogo e Anúncio. Petrópolis: Vozes, 1991, n. 41.
[36] Raimon PANIKKAR. Religion (dialogo intrarreligioso). In: Casiano FLORISTAN & Juan José TAMAYO (Eds). Conceptos fundamentales del cristianismo. Madrid: Trotta, 1993, p. 1149.
[37] Johann Baptist METZ. Proposta di programma universale del cristianesimo nell´età della globalizzazione. In: Rosino GIBELLINI (Ed.). Prospettive teologiche per il XXI secolo. Brescia: Queriniana, 2003, p. 398.