O evangelho
da alegria
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
Ao avaliar os dois primeiros anos do
pontificado de Francisco alguns traços se evidenciam para mim. Vejo, em
primeiro lugar, que Francisco recuperou para a igreja católica a alegria do
evangelho, depois de mais de três décadas de período sombreado, onde os
aspectos doutrinais e disciplinares da vida eclesial marcaram uma centralidade
muito mais decisiva. A ênfase agora recai sobre a alegria, como vemos estampado
na Evangelii Gaudium (A alegria do
evangelho – EG). O que há no evangelho é um permanente convite à alegria (EG
5). O que faz Francisco, e com muita felicidade, é abrir o evangelho e narrá-lo
para a igreja, recuperando a fabulosa memória e lembrança que Jesus deixou para
os seus. Tudo muito simples, singelo e delicado, como está estampado na narrativa
neo-testamentária. Francisco nos evidencia, com seu toque particular, que o que
Jesus trouxe para todos, e contagia com vigor, é saúde e vida, no sentido de
apontar a regeneração da pessoa a partir de suas raízes fundamentais. Enfatiza
também que a razão de ser da missão evangelizadora da igreja é manter aceso
esse espírito da alegria, e de forma simples, profunda e irradiante: levar aos
outros o hálito misericordioso de Deus. A pedagogia para isso, a do Bom Pastor,
“que não procura julgar, mas amar” (EG 125). Vejo, em segundo lugar, que Francisco nos
aponta para um Deus que sempre vem, que é novidade permanente e que nos convida
a romper com os muros da indiferença e a nos deixar habitar pelo mistério da
alteridade. Indica com alegria a presença viva de um Deus misericordioso, que
está presente por toda parte, sobretudo no clamor dos que mais sofrem. Em
singular discurso proferido na explanada das mesquitas, em Jerusalém (26/05/2014),
Francisco assinalou que “diante do mistério de Deus somos todos pobres, e
sentimos o dever de estarmos sempre prontos para sair de nós mesmos, dóceis à
chamada que nos dirige, abertos ao futuro que Ele que construir para nós”. E
esse Deus, diz Francisco, não é um Deus que se restringe ao Deus do mundo
católico, mas um Deus Mistério - de “sabedoria infinita e multiforme”-, que se
revela de forma inusitada e novidadeira nos vários ritmos da experiência da
criação e do humano. E Ainda insiste Francisco na ideia de que o caminho para
acessar esse Deus-sempre-aí é o caminho do despojamento e da simplicidade. Em
encontro com o episcopado brasileiro, em julho de 2013, assinalou que a lição
recebida pela igreja é muito simples: “Não pode afastar-se da simplicidade,
caso contrário, desaprende a linguagem do Mistério”. Vejo, em terceiro lugar, a
riqueza de seu espírito dialogal, e a ênfase numa igreja desafiada pelo plural.
Como diz com acerto, “a diversidade é bela” (EG 230) e a variedade é sempre um
enriquecimento. Sua oposição ao proselitismo é recorrente e seu apelo à
abertura e ao diálogo um traço sempre sublinhado. Como disse na entrevista a
Eugenio Scalfari, em outubro de 2013, “o mundo é percorrido por estradas que
nos aproximam e distanciam, mas o importante é que nos levem ao Bem”. A
dimensão de profundo respeito ao outro, e ao universo de sua consciência
acompanham Francisco em seu itinerário apostólico. Um dos traços mais ricos e
audazes de seu pensamento relaciona-se com essa clara oposição a qualquer
ingerência espiritual na vida pessoal do outro. Na visão de Eugenio Scalfari,
que compartilho, essa insistência de Francisco na “obediência à própria
consciência” talvez seja uma das “passagens mais corajosas” defendidas pelo
papa. Ao lado desses três aspectos fundamentais do pontificado de Francisco,
poderia também assinalar três desafios que permanecem acesos para os próximos
anos. Continuar com coragem e altivez o precioso e paciente trabalho em favor das mudanças e
reformas na igreja, imprescindíveis para retomar a sua credibilidade no tempo
atual. Manter viva e calorosa a voz
profética da igreja contra as injustiças e em favor da paz, seguindo sempre com
atenção o caminho indicado pelo “Príncipe da Paz”, que transforma as espadas em
relhas e as lanças em podadeiras (Is 2,4). E igualmente reforçar o cuidado para
com o meio ambiente e a luta em favor de sua conservação. O papa Francisco nos
alerta para um risco muito presente: a perda da “atitude do encanto, da
contemplação, da escuta da criação”. Na linha aberta pelo livro do Gênesis,
Francisco nos adverte que a razão que motivou Deus na dinâmica da criação, foi
colocar o ser humano como o guardião do cultivo e conservação de tudo o que
existe (Gn 2,15). Nada mais essencial que o respeito à natureza, e quando ela
vem judiada, não perdoa. Gaia não é apenas uma “mãe” bondosa, mas sabe reagir
quando atacada. Os efeitos devastadores de catástrofes naturais que circundam o
nosso tempo, constituem desafios à responsabilidade humana. E Francisco lembra
um adágio popular: “Deus perdoa sempre, nós às vezes, mas a natureza – a
criação – nunca perdoa quando é maltratada”.
A questão ecológica coloca-se assim no centro da atenção do presente
pontificado. Como lembrou Francisco, em discurso de outubro de 2014 no Encontro
Mundial dos Movimentos Populares, não pode haver terra, não pode haver trabalho,
não pode haver teto, sem a imprescindível luta em favor da paz e da defesa do
planeta. Como tarefa essencial de todos os “povos da terra”, adverte Francisco,
a luta em defesa “destes dois dons preciosos: a paz e a natureza”.
(Publicado no IHU-Online n. 465 –
Ano XV – 18/05/2015)
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