quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A dimensão espiritual do diálogo interreligioso

A dimensão espiritual do diálogo interreligioso

 

Faustino Teixeira

 

“O essencial é saber ver”

(Fernando Pessoa)

 

Introdução

 

O pluralismo religioso é um fato incontornável de nosso tempo. As diferenças estão aí, por toda parte, a convocar novas perspectivas de conversação e entendimento. É um tempo de mobilidade maior, onde o contato entre as pessoas de crenças diversificadas vem intensificado. As distinções religiosas tornam-se mais imediatas num mundo de fronteiras frágeis. Como indica Clifford Geertz, “as diferenças de crenças, às vezes mais radicais, são mais diretamente visíveis, com frequência crescente, e mais diretamente encontradas: prontas para a suspeita, a preocupação, a repugnância e a altercação”1. Estas diferenças podem, porém, suscitar reconciliação e diálogo. É o grande desafio de nosso século XXI. Enquanto o século anterior deixou como herança um perigoso “estado de inquietação”, com índices de violência assustadores, o século que se inicia traz como possibilidade um caminho dialogal alternativo. Em lugar do “choque de civilizações”, abre-se a perspectiva do “intercâmbio e diálogo entre elas”. É mediante a parceria e conversação que as culturas e religiões afirmam-se mais profundamente como si mesmas. O caminho está no empreendimento cooperativo, como tão bem sublinhou Edwar Said:

 

Parece-me que, se não enfatizarmos e fomentarmos o espírito de cooperação e intercâmbio humanístico - e aqui falo não de deleite desinformado e entusiasmo amadorístico pelo exótico, mas de um profundo compromisso existencial e trabalho em prol do outro -, vamos acabar batendo no tambor estridente e superficial da defesa de ´nossa` cultura contra todas as demais2.

 

Acreditar no diálogo não é escamotear as dificuldades reais de entendimento entre os povos e as religiões. A imagem que ainda vigora em nosso tempo é a das afirmações identitárias rígidas, de um mundo marcado pela diabolização do outro e pela irradiação dos nacionalismos mortíferos. Mas há que buscar horizontes alternativos, de ampliação da visão e de exercício de um cuidado singular com os outros, em sua diferença irredutível e irrevogável. Há que ampliar as cordas para suscitar um novo conhecimento e abertura dialogais. Ou cultivamos esse conhecimento mútuo ou terminamos “isolados num mundo beckettiano de solilóquios em choque”3.

 

O pluralismo religioso vem sendo cada vez mais vislumbrado como um valor irrevogável. Deixa de ser reconhecido como um fenômeno conjuntural passageiro, um fato provisório, para ser percebido na sua riqueza, como um pluralismo de princípio ou de direito. Torna-se uma “realidade cognitiva” que delineia a forma como percebemos nós mesmos e os outros. Aqueles que se fixam no conhecimento restrito de sua própria tradição religiosa não a conhecem em profundidade, pois a presença do “desvio” do outro, em sua alteridade singular, faculta uma melhor inteligência de nossa identidade. O pluralismo religioso, enquanto realidade fundamental, “tem invadido, explodido e transformado o mundo religioso de muitos de nós – por meio do olhar, da voz e do toque de um Outro religioso que é parte das nossas vidas”4.

 

Esta diversidade nos envolve por todos os lados e guarda consigo “potencialidades secretas”, abrindo espaços inusitados para o exercício novidadeiro de uma vida comum incrementada pela dinâmica da generosidade. A presença provocadora da diferença e da alteridade amplia o campo das possibilidades e faculta o real exercício de uma conversação enriquecedora.

 

O encontro entre as religiões torna-se um imperativo humano de nossos dias. O diálogo aparece como um desafio singular para captar e compreender a extraordinária diversidade das tradições religiosas, bem como deixar-se enriquecer por ela. Nenhuma religião consegue exaurir o campo da experiência religiosa humana, sempre aberta a novas significações. As religiões não são “mônadas isoladas” e destacadas da dinâmica plural do real. Elas inserem-se numa teia complexa de relações e aprendizados, que relativiza as seduções particularistas. E os místicos assinalam, com acerto, que os desacordos que dividem as religiões e os seres humanos, ocorrem pelo apego à superficialidade dos nomes e das formas. Se houvesse maior atenção à dinâmica de profundidade que as aproxima e envolve, o entendimento e a paz seriam alcançados5.

 

1. O mistério e sedução da alteridade

 

O diálogo interreligioso envolve sempre a relação entre interlocutores diferentes, num processo construtivo voltado para o conhecimento mútuo e o enriquecimento recíproco. O diálogo não pode prescindir da identidade e da firmeza de posição, mas pressupõe igualmente a consciência da vulnerabilidade, da disposição de abertura diante de um enigma que ultrapassa as particularidades. Envolve um movimento de recolhimento de si para “para deixar valer o outro”. O outro humano é um patrimônio de mistério que se revela a cada momento, deixando sempre adiante uma virtualidade a ser captada. A alteridade desconcerta e seduz. Ela traduz o mistério da maravilha, que é fascínio e admiração. É quando a alteridade apresenta-se de maneira substantiva e se dá o “impacto com o outro, com a sua indeduzível e improgramável presença”6  É essa admiração que faculta estupor e aciona uma provocação inédita de desarme e abertura.

 

A presença do outro suscita não apenas maravilha, mas também agonia, na medida em que sua presença nos desconcerta e nos desvia do caminho seguro até então trilhado. É a outra face da dinâmica da alteridade, que nos faz viver a experiência do limite e da fronteira. É agonia na medida em que nos convoca a viver a radicalidade de um exercício de fronteira, um embate com um irredutível que remove as entranhas intelectuais e afetivas. Trata-se de uma convocação dolorosa a romper com as defesas e alongar as cordas, quebrar os preconceitos e aceitar o desafio da abertura às surpresas que acompanham o advento do outro.

 

O outro permanece, porém, resguardado por um “mistério pessoal intransponível”, mysterium tremendum, que expressa uma experiência de mundo que é única. Há um silêncio que não pode ser ocupado por ninguém, que escapa ao alcance da linguagem, mas um silêncio que convida, pois é também um mysterium fascinans. O diálogo traduz o movimento de aproximação e encontro entre dois mundos distintos. Ele provoca o alargamento de espaços e a expansão das individualidades,  deixando sempre em todos os que o realizam uma “marca” diferencial:

 

Um diálogo é, para nós, aquilo que deixou uma marca. O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo (...). O diálogo possui uma força transformadora. Onde um diálogo teve êxito ficou algo para nós e em nós que nos transformou7.

 

2. O diálogo como apropriação de novas possibilidades

 

O diálogo interreligioso envolve uma conversação delicada e desafiadora entre interlocutores distintos, animados por convicções fundadas, que buscam encontrar “semelhanças na diferença”. Não se trata de demandar uma realidade que apague ou escamoteie as distinções, mas de apropriar-se de novas possibilidades. Há que estar autenticamente animado pela vontade de entrar em conversação com o outro, e isso é inquietante pois exige do sujeito a disposição de “arriscar toda sua auto-compreensão atual” ao disponibilizar-se a levar a sério a perspectiva do outro, que também exige para si o reconhecimento de sua autenticidade e verdade.

 

Não há como sair ileso de um diálogo verdadeiro. Todos saem modificados. Em qualquer conversação dialogal, ou diálogo dialógico, os interlocutores encontram-se diante da possibilidade de uma mudança, que pode ser mais radical, como indica o termo religioso “conversão”, ou menos intensa, mas também singular, quando ocorre a apropriação de uma nova possibilidade para o sujeito: o que para ele era antes diferente ou estranho, torna-se agora verdadeiramente possível8.

 

Num dos documentos mais abertos do magistério católico, Diálogo e Anúncio (DA), do Pontifício Conselho para o Diálogo Interreligioso, assinala-se que o diálogo interreligioso é auto-finalizado, tendo em si mesmo o seu próprio valor. Indica-se que o seu objetivo fundamental é a “conversão mais profunda de todos para Deus”. No processo de interlocução criadora pode, porém, ocorrer uma decisão de mudança radical. E reportando a um documento anterior, sobre o Diálogo e Missão, do Secretariado para os não-cristãos, assinala-se: “Nesse processo de conversão, ´pode nascer a decisão de deixar uma situação espiritual ou religiosa anterior, a fim de se dirigir para outra`”. O diálogo sincero requer, por um lado, o reconhecimento da existência das diferenças, e, pelo outro, o profundo respeito pela convicção das pessoas e sua livre decisão em conformidade com a consciência9.

 

É verdade que o diálogo profundo exige dos interlocutores a prontidão para “se deixar transformar pelo encontro” (DA 47). Mas o diálogo requer que os parceiros entrem em conversação mantendo a integralidade de sua própria fé. Há que respeitar e amar a própria tradição de pertença, sentir-se domiciliado. Ao “auto-respeito genuíno” soma-se o desafio imprescindível da “auto-exposição ao outro”. E isso não significa ceder a um “pluralismo frouxo de privacidades”, mas deixar-se interpelar pela verdade do outro. Como assinala David Tracy, “cada auto-identidade, no auto-respeito por sua própria particularidade, irá descobrir de maneira nova a si própria ao liberar-se para a auto-exposição no diálogo com os outros. Parece assegurado que cada um será modificado por esse diálogo”10.

 

3. Espiritualidade e abertura dialogal

 

Há uma importante dimensão espiritual do diálogo interreligioso que vem sendo destacada por autores que trabalham o tema. Em sua reflexão pioneira, Raimon Panikkar assinala que o encontro genuíno entre as diversas religiões não pode acontecer sem esta indispensável dimensão espiritual e mística:

 

Sem uma certa experiência que transcende o reino mental, sem um certo elemento místico na própria vida, não se pode esperar superar o particularismo da própria religiosidade, e menos ainda ampliá-la e aprofundá-la, ao ser defrontado com uma experiência humana diferente11.

 

A espiritualidade, entendida como caminho para atingir a experiência suprema da Realidade, torna-se um fator essencial para o exercício dialogal. É ela que fornece o tônus fundamental para a nossa ação no mundo e qualifica o nosso procedimento.

 

A espiritualidade é como uma ´carta de navegação` no mar da vida do homem: a soma dos princípios que dirigem o seu dinamismo para ´Deus`, dizem alguns; para uma sociedade mais justa ou para a superação do sofrimento, dizem outros. Podemos, então, falar de espiritualidade budista, ainda que os budistas não falem de Deus; e também de uma espiritualidade marxista, embora os marxistas sejam alérgicos à linguagem religiosa. O conceito, assim tão amplo, exprime melhor uma qualidade de vida, de ação, de pensamento etc., não ligado a uma doutrina, confissão ou religião determinada, ainda que seus pressupostos sejam facilmente reconhecíveis12.

 

É a sensibilidade espiritual que desoculta a dimensão de profundidade, onde habita o “ponto luminoso” que dá razão e sentido ao nosso ser. Animados por ela conseguimos despertar para a “infinita Realidade que existe dentro de tudo que é real”13.  Importantes místicos das tradições islâmica e cristã identificaram este “ponto” (nuqta) como o centro nevrálgico da esfera da unidade14. Trata-se de um “ponto cego e suave”, um “ponto virgem” que expressa a misteriosa presença do Mistério em nós, recolhido em nosso mais íntimo rincão, como centelha que ilumina o olhar. É o ponto que está na base de todas as luzes, cores e silêncio e preside a dinâmica de nosso ser. O impulso espiritual possibilita-nos captar essa presença e irradiá-la em nossa vida. É necessário e essencial, como diz o poeta, “saber ver”, mas isto exige uma “aprendizagem de desaprender”, a superação da perspectiva egocêntrica que domina a nossa trajetória. As mesmas coisas estão sempre aí, mas nem sempre são motivo de nossa atenção. O olhar atento é capaz de desocultar uma dimensão completamente diversa, um sentido oculto e o sentimento vibrante do real. Esse ponto privilegiado e singular está sempre aí e pode ser percebido a cada momento, desde que haja clima para a sua recepção. O místico francês, Teilhard de Chardin, identificou-o como um “centro móvel”, que favorece “a eterna descoberta e o eterno crescimento”:

 

Quanto mais cremos compreendê-lo, mais Ele se revela outro. Quanto mais pensamos possuí-lo, mais Ele se recua, atraindo-nos para as profundezas de si mesmo. Quanto mais nos aproximamos dele, por meio de todos os esforços da natureza e da graça, mais Ele aumenta, em um mesmo movimento, sua atração sobre nossas potências e sobre a receptividade dessas potências ao encanto divino15.

 

O acesso a esse “ponto luminoso”, que pode também ser identificado com o centro do coração, se dá através do desapego e do despreendimento. Esse é o caminho essencial para o encontro com a realidade em sua densidade verdadeira. E, curiosamente, o despreendimento não significa um abandono das coisas ou distanciamento da realidade, mas um adentramento mais fino em sua espessura. As coisas, uma vez percebidas com a ocular de quem sintonizou-se com o “ponto luminoso”, são apaixonadamente amadas em sua grandeza. E isso vale também para as religiões, que passam a ser percebidas em sua peculiaridade e riqueza, como um patrimônio espiritual.

 

Ao despojamento segue-se a abertura do coração. Não se adentra nos segredos divinos senão mediante o despojamento e a purificação. Seguindo as pistas abertas pela tradição mística sufi, o coração (qalb) é o órgão por excelência da percepção mística, o “ponto de impacto dos acontecimentos espirituais” e o “lugar do segredo divino”16. A própria raiz da palavra em árabe, Q-L-B, indica a idéia de “receptáculo” ou “suporte” das diversificadas epifanias divinas. O coração está animado por uma infindável capacidade de captar e acolher formas e imagens. É um órgão plástico por excelência, de pulsação contínua, capaz de inversões, mudanças e flutuações inusitadas, como traduz um outro termo derivado da mesma raiz: taqallub. Em clássico poema,  Ibn ´Arabî assinala:

 

Meu coração está aberto a todas as formas:

É uma pastagem para as gazelas,

E um claustro para os monges cristãos,

Um templo para os ídolos,

A Caaba do peregrino,

As tábuas da Torá,

E o livro do Corão.

Professo a religião do Amor,

Em qualquer direção que avancem Seus camelos;

A religião do Amor

Será minha religião e minha fé17.

 

As teofanias divinas sucedem-se e modificam-se constantemente. A cada segundo o coração capta imagens diversificadas da presença do Mistério sempre maior. E em sua plasticidade é capaz de acolher com generosidade esse dom da diversidade. São manifestações que expressam aspectos diferenciados da Verdade divina. Não há, porém, como conter e exprimir essa Verdade em sua totalidade. Daí a necessidade permanente de manter aberta a porta da percepção. Não há porque fixar-se numa única tradição religiosa, excluindo a possibilidade do enriquecimento advindo da relação e do diálogo com o diferente. Ligar-se dessa forma exclusiva a um credo particular é deixar escapar bens preciosos18. 

Na medida em que se aprofunda em direção ao núcleo do coração, as representações tornam-se movediças, os nomes e formas superficiais vão perdendo sua couraça de impenetrabilidade, e passam a ser enriquecidos pelo calor das diversas teofanias que brilham por todo canto. As religiões deixam de ser “mônadas isoladas” e passam a ser percebidas como “fragmentos” que participam de uma sinfonia singular, pontuada pela abertura e inacabamento. Nada mais problemático que o “encarceramento na aparência”. Há que avançar sempre para dentro, no âmbito da profundidade.

 

É nessa direção da interioridade que se realizam as experiências mais profundas e enriquecedoras do diálogo entre as religiões. É quando o diálogo torna-se mais profícuo, enquanto “enriquecimento recíproco e cooperação fecunda, na promoção e preservação dos valores e dos ideais espirituais mais altos do homem”19. Um dos grandes mestres neste âmbito foi Thomas Merton, que empreendeu um caminho de abertura interreligiosa admirável. Num de seus últimos trabalhos, em torno do diálogo da experiência monástica, assinala que o monge “deve ser um exemplo vivo da realização tradicional e interior. Deve estar completamente aberto à vida e à nova experiência por ter utilizado integralmente sua própria tradição e a ter ultrapassado”20. Na verdade, ao se penetrar com seriedade intensa na própria tradição religiosa, o buscador se dá conta da riqueza ainda muito maior do mistério, que brilha também alhures. Essa interiorização permite uma maior desprendimento e, sobretudo, liberdade. É um mergulho que disponibiliza para o outro, que mantém as portas e janelas abertas para a tradição e herança das experiências que acontecem em outras comunidades religiosas.

 

Nada mais letal, segundo Merton, do que o entrincheiramento identitário, a afirmação individualista e auto-suficiente da própria tradição. O caminho que ele propõe vai noutra direção, de abertura e aceitação dos outros:

 

Serei melhor católico, se puder afirmar a verdade que existe no catolicismo e ir ainda além (…). Se eu me afirmo como católico simplesmente negando tudo que é muçulmano, judeu , protestante, hindu, budista etc., no fim descobrirei que, em mim,  não resta muita coisa com que me possa afirmar como católico: e certamente nenhum sopro do Espírito com o qual possa afirmá-lo21

Todos que no cristianismo ou em outras tradições religiosas trabalham na  linha da perspectiva mística vão reforçando uma convicção cada vez mais clara de que quanto mais se aprofunda e se adentra na experiência religiosa, tornada possível na sua própria tradição, tanto mais cresce a consciência de que a Realidade experimentada não se limita à própria religião. No apogeu de sua reflexão teológica, Paul Tillich intuiu de forma extremamente profunda esta questão ao indicar o caminho da profundidade como a condição essencial de ultrapassagem de uma particularidade limitada do cristianismo: não se trata de um caminho que leve ao abandono da própria tradição religiosa, mas de seu aprofundamento mediante a oração, o pensamento e a ação. Para ele,

 

na profundidade de toda religião viva há um ponto onde a religião como tal perde sua importância e o horizonte para o qual ela se dirige provoca a quebra de sua particularidade, elevando-a à uma liberdade espiritual que possibilita um novo olhar sobre a presença do divino em todas as expressões do sentido último da vida humana22.

 

Em semelhante linha vai a reflexão de Mestre Eckhart num de seus sermões alemães, quando trata da importância da “límpida humildade” para o acesso ao “fundo de Deus”. E a surpresa para quem faz essa experiência é a percepção viva da força generosa do amor de Deus, que brilha em todo canto:

 

As estrelas derramam toda sua força no fundo da terra, na natureza e no elemento da terra, produzindo ali o ouro mais límpido. Quanto mais a alma chega no fundo e no mais íntimo de seu ser, tanto mais a força divina nela se derrama plenamente e opera veladamente de maneira a revelar grandes obras e a alma tornar-se-á bem grande e elevada no amor de Deus, que se compara ao ouro límpido23.

 

Todo esse mergulho na interioridade faculta a tônica do amor, que potencializa a abertura do ser humano para a beleza de todas as coisas. Em viva sintonia com a perspectiva do Cântico dos Cânticos, Eckhart indica que “quando a alma flui totalmente em Deus, ela não sabe de mais nada a não ser de amor”24. Igualmente Tauler, num de seus sermões, assinala que “é onde o vale é mais profundo que a água escorre de forma mais abundante”25.

 

Conclusão

 

No terceiro volume de sua trilogia cristológica, Edward Schillebeeckx acentuou que a acolhida da diversidade está na essência mesma do cristianismo, sendo o seu fundamento o anúncio e prática do reino de Deus por Jesus26. A fidelidade autêntica a Jesus Cristo envolve a abertura para os outros. É Jesus mesmo que nos lança ao desafio radical da alteridade. Na verdade, “Jesus é o caminho que está aberto para outros caminhos”27. As religiões, enquanto inseridas na história, são habitadas por ambiguidades que não podem ser apagadas. Elas estão no tempo e sofrem a dinâmica de sua limitação. Não há como considerar uma religião abrangentemente verdadeira. Utilizando uma expressão de Paul Ricoeur, elas são fragmentos, e cada fragmento “sugere unidade potencial, mas seu conjunto, não tendo nenhum horizonte comum, não se impõe como unidade: talvez fique à espera de uma unidade para o momento indiscernível”28. Trata-se de uma sinfonia sempre adiada, pois a totalidade é inimaginável. Querer ocupar todo o espaço seria uma pretensão arrogante, ou mesmo ilusória. Todas as religiões estão confrontadas com limites bem definidos. Cada fragmento é convocado a aprofundar sua lógica, a respeitar seu intuito universal, mesmo sabendo que ele encontra-se ainda vazio “de todo conteúdo capaz de unificar o diverso religioso”29. A palavra mesma de Jesus constitui um alerta contra possíveis pretensões totalizantes, funcionando como uma admoestação contra a tentação de ultrapassagem de fronteiras que são precisas. É uma palavra que “convida cada fragmento a não ultrapassar suas fronteiras para incluir nele próprio a exterioridade”30. O Deus que Jesus anuncia é também um Deus de todos: “Ele é o ´Pai do céu`. Não está ligado ao templo de Jerusalém nem a qualquer outro lugar sagrado. É o Pai de todos, sem discriminação nem exclusão alguma. Não pertence a um povo privilegiado. Não é propriedade de uma religião. Todos podem invocá-lo como Pai”31.

 

(Publicado na Revista Tempo Brasileiro, nº 183, out/dez 2010, pp. 45-56)



1 GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 158.

2 SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 330.

3 GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia, p. 82.

4 KNITTER, Paul F. Jesus e os outros nomes. São Bernardo do Campo: Nhandu Editora, 2010, pp. 48-49.

5 RÛMÎ, Djalâl-od-Din. Mathnawî. La quête de l´Absolu. Paris: Rocher, 1990, p. 516 (MII, 3680).

6 FORTE, Bruno. Teologia in dialogo. Milano: Raffaello Cortina Editore, 1999, p. 60.

7 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 247.

8 TRACY, David. Pluralidad y ambigüedad. Madrid: Trotta, 1997, p. 142-143.

9 PONTIFÍCIO Conselho para o Diálogo Interreligioso. Diálogo e Anúncio. Petrópolis: Vozes, 1991, n. 41. Ver também: SECRETARIADO para os Não-Cristãos. A Igreja e as outras religiões (Diálogo e Missão). São Paulo: Paulinas, 2001, n. 37.

10 TRACY, David. A imaginação analógica. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 567.

11 PANIKKAR, Raimon. La nuova innocenza 3. Sotto il Monte: Servitium, 1996, p. 156.

12 PANIKKAR, Raimon. Vita e parola. La mia opera. Milano: Jaca Book, 2010, p. 24.

13 MERTON, Thomas. Novas sementes de contemplação. 2 ed. Rio de Janeiro: Fisus, 2001, p. 10

14 RUSPOLI, Stéphane. Le message de Hallâj l´expatrie. Paris: Cerf,  2005, pp. 148 e 264; MASSIGNON, Louis. La passion de Hallaj III. Paris: Gallimard, 1975, p. 26; MERTON, Thomas. Reflexões de um espectador culpado. Petrópolis: Vozes, 1970, pp. 151, 175 e 183.

15 CHARDIN, Teilhard. O meio divino. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 115.

16 MASSIGNON, Louis. Écrits mémorables II. Paris: Robert Lafont, 2009, pp. 309-310.

17 IBN ´ARABI. L´interprète des désirs. Paris: Albin Michel, 1996, p. 95. Para o aprofundamento desse tema ver: IBN ´ARABÎ. Le livre des chatons des sagesses. Tome premier. Beyrouth: Al-Bouraq, 1997, pp. 318-319 e 328-338; SOUZA, Carlos Frederico Barboza. A mística do coração. A senda cordial de Ibn´Arabî e João da Cruz. São Paulo: Paulinas, 2010, pp. 248-253.

18 Tanto Al Hallaj como Ibn ´Arabî alertam para o risco de fixação numa única tradição religiosa, negando o aprendizado que pode ser obtido com as outras religiões. A negação desse aprendizado traduz, na verdade, a negação de imensos bens que procedem do “Princípio fundamental” que preside e anima todas estas tradições. Ver a respeito: HALLÂJ, Husayn Mansur. Dîwân. Paris: Éditions du Seil, 1981, p. 108 (Muqatta´a 50);  IBN ´ARABÎ. Le livre des chatons des sagesses. Tome premier, p. 278.

19 SECRETARIADO para os Não-Cristãos. A Igreja e as outras religiões (Diálogo e Missão), n. 35.

20 MERTON, Thomas. O diário da Ásia. Belo Horizonte: Vega, 1978, p. 248.

21 MERTON, Thomas. Reflexões de um espectador culpado, p. 166.

22 TILLICH, Paul. Le christianisme et les religions. Paris: Aubier, 1968, p. 173.

23 ECKHART, Mestre. Sermões alemães 1. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 297 (Sermão 54 a).

24 ECKHART, Mestre. Sermões alemães 2. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 67 (Sermão 71).

25 TAULERO, Giovanni. I sermoni. Milano: Paoline, 1997, pp. 418-419 (Beati gli occhi che vedono cio che voi vedete).

26 SCHILLEBEECKX, Edward. Umanità la storia de Dio. Brescia: Queriniana, 1992, p. 218.

27 KNITTER, Paul F. Jesus e os outros nomes, p. 108.

28 DUQUOC, Christian. O único Cristo. A sinfonia adiada. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 88.

29 Ibidem, p. 170.

30 Ibidem, p. 163.

31 PAGOLA, José Antonio. Jesus aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 392.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Raimon Panikkar: a arriscada aventura no solo sagrado do outro

Raimon Panikkar: a arriscada aventura no solo sagrado do outro

 

Faustino Teixeira

 

Resumo: Não há como falar em diálogo interreligioso sem lembrar o nome desse grande buscador que foi Raimon Panikkar (1918-2010). Foi um pioneiro na abertura dialogal, abrindo pistas inovadoras na reflexão sobre o tema. Sua contribuição não se resume ao campo teórico, mas também ao exercício vital de hospitalidade, doação e entrega ao Mistério que habita no solo sagrado do outro. Esse artigo tem como objetivo apresentar o seu itinerário de vida e reflexão, sinalizando alguns dos traços mais significativos de seu original pensamento.

 

Palavras-Chave: Diálogo, Cristianismo, Hinduísmo, Mística, Alteridade

 

Introdução

 

Raimon Panikkar (1918-2010) foi um dos mais ousados e singulares buscadores do diálogo. Sem dúvida alguma, um pioneiro no campo do diálogo das religiões, que abriu pistas e caminhos novidadeiros para a reflexão e exercício de uma dinâmica inovadora na relação do cristianismo com as diversas tradições religiosas, e em particular com o hinduísmo. Sua longa vida foi marcada pelo dom da abertura e do aprendizado com o outro. Uma vida “caleidoscópica”, como assinalou o amigo Miquel Siguan, também estudioso do místico catalão. Um traço peculiar de Panikkar, enquanto pensador, é a criatividade e o manejo original de lidar com as palavras. Com seu singular jargão, Panikkar favorece a viagem ao mundo sagrado do outro, desvendando caminhos, quebrando preconceitos e suscitando uma admiração que transforma o horizonte da  auto-compreensão. Vale bem para Panikkar, o que David Tracy falou sobre a difícil arte da conversação interreligiosa, esse “inquietante lugar” que provoca mudanças na auto-compreensão do sujeito ao levar realmente a sério as posições do outro[1].

 

1. Traços biográficos

 

A sua vida familiar já reflete uma dinâmica dialogal e multicultural. Nasce em Barcelona, em novembro de 1918, numa típica família burguesa. Sua mãe, Carmen Alemany, era catalã e profundamente católica. Uma mulher marcada por grande abertura, que cultivava a música e as artes; seu pai, Ramun Panikkar[2], um hindu de origem aristocrática e passaporte britânico. O casal teve quatro filhos. Panikkar fala dos pais com carinho. Recorda a gentileza de seu pai e o caráter decisivo de sua mãe. É dela que recebe uma singular educação católica, que o levou a enamorar-se, desde cedo, da pessoa de Jesus Cristo. Essa marca multicultural de sua vida vai ser por ele lembrada em passagens de sua reflexão: “Havia uma harmonia profunda entre meu pai e minha mãe, sendo de duas tradições diferentes”[3]. No âmbito dessa experiência familiar, de compreensão e respeito, é que se gestou uma perspectiva distinta para o itinerário de Panikkar. Ele assinala que esse aprendizado vem do início de sua vida: “Aquelas dimensões da fé cristã  que me permitiam vivem em paz com a outra parte de meu ser: a discreta influência de meu pai, que me cantava e explicava o Bhagavad Gita, que me fornecia os fundamentos do sânscrito e me envolvia numa não-confessional atmosfera hindu”[4].

 

A questão religiosa foi marcante na vida de Panikkar. Admite em entrevista concedida a Gwendoline Jarczyk que esteve sempre “preocupado por aquilo que hoje se define como o problema religioso”[5]. Sua formação inicial aconteceu com os jesuítas de Barcelona, no colégio Santo Inácio de Sarriá. Os estudos universitários foram realizados nas Universidades de Barcelona, Bonn e Madri. Em 1946, ano de sua ordenação sacerdotal, doutorou-se em filosofia e letras na Universidade de Madri, com uma tese sobre O conceito de natureza. Análise histórico e metafísica de um conceito[6]. O segundo doutorado veio em 1958, em Ciências Químicas, defendido na mesma Universidade, com uma tese sobre alguns problemas limítrofes entre ciência e filosofia. Sobre o sentido da ciência natural[7]. Três anos depois, em Roma, defende seu doutorado, na Universidade Lateranense, com uma tese que tratou o tema do Cristo desconhecido do hinduísmo. O orientador inicial foi Pietro Parente, que deixou o trabalho para outro professor da Lateranense, assim que se tornou cardeal. A tese foi convertida num dos livros mais traduzidos e exitosos de Panikkar, publicado originalmente em inglês, em 1964[8].

 

Durante parte de seu processo de formação, Panikkar esteve ligado à Opus Dei. Entra na organização disposto “a colaborar com todo o seu ser para a edificação do reino de Deus na terra, com o entusiasmo dos jovens em sua reação ao esfacelamento da sociedade. Aceita o rigorismo da organização como um dever para modelar o próprio caráter e tornar-se um perfeito cristão”[9]. Permanece ligado à organização por mais de duas décadas, dos anos 1940 a 1964, mas sua relação com a Opus Dei foi ficando aos poucos mais difícil, à medida em que avançava em sua reflexão e compromisso de vida. Passa por momentos de incompreensão e animosidade, encontrando resistências localizadas. Sua presença torna-se causa de incômodo. Vem então dispensado canonicamente de seus compromissos com a organização e incardina-se na Diocese de Varanasi (Índia).

 

Quando Panikkar doutorou-se em teologia, em 1961, já tinha feito sua primeira viagem à Índia, terra de seu pai, e isso ocorreu no final de 1954, numa missão apostólica. Passa um ano no Sul da Índia, estabelecendo-se em Varanasi. Já tinha certo domínio do sânscrito, que aprendera em Barcelona. Com 36 anos de idade vislumbrava com essa viagem o nascimento de um novo e decisivo período em sua vida e o relata de forma viva num testamento: “Parece-me necessário falar de mim uma última vez para cancelar um período de minha vida, que quase com toda certeza abarca mais da metade cronológica de minha existência terrestre... Posso dizer que começa um período novo em minha vida, com a morte real de minhas ilusões e ideais assumidos até agora...”[10]. Em Varanasi leva uma vida “quase monástica”, estudando, meditando e escrevendo. Ocorre que um de seus textos vem descoberto por um professor de Harvard, que o convida para ser professor visitante nessa prestigiosa Universidade. Estimulado pelo bispo de Varanasi, Panikkar aceita o convite e ministra o curso em Harvard. Foi tal o sucesso alcançado, que ele vem nomeado professor por mais cinco anos. Como Panikkar não desejava deixar a Índia, acabou fazendo um contrato de permanência semestral[11]. Durante mais de vinte anos, Panikkar divide o seu tempo entre a Índia e os Estados Unidos. Para tecer o fio dessa complexa convivência entre cidades tão díspares como Santa Bárbara e Varanasi, tão distantes quanto ao índice de desenvolvimento humano, só mesmo uma vida interior de profundidade. E Panikkar relata a respeito: “Eu me descobri, desse modo, não entre, mas no meio do Oriente e do Ocidente, em suas respectivas versões hindu-budista e cristã-secular, que se tornaram parte do meu universo pessoal”[12].

 

Como professor visitante, ministra cursos de religiões comparadas nas Universidades de Harvard e Califórnia, mas também atua nas Universidades de Cambridge (Inglaterra) e Montreal (Canadá). Vem nomeado, em seguida, professor catedrático de filosofia comparada das religiões e história das religiões na Universidade da Califórnia-Santa Bárbara, onde se estabelecerá entre os anos de 1971 a 1987. É com gosto que Panikkar trabalha na Universidade da Califórnia, numa década particularmente favorável para o exercício critico e a criatividade. Ele relata a respeito:

 

A Califórnia é a terra do mais forte espírito critico norte-americano; face ao conservadorismo de Boston (Universidade de Harvard), a Califórnia teve sempre uma larga tradição de abertura. Foi nela que brotou a cultura de protesto e a contracultura nos anos 60-70, os movimentos inconformistas universitários, o movimento hippie, movimentos antimilitaristas e outros movimentos radicais[13].

 

Na visão de Panikkar, viver na Califórnia era “estar no centro vital”, e poder participar de toda renovação espiritual que ali acontecia, e também deixar-se enriquecer pela sua dinâmica intercultural e interreligiosa, de particular abertura ao Oriente. Reconhece também o traço pioneiro das Universidades americanas no campo do estudo das religiões:

 

A universidade norte-americana é, possivelmente, a primeira no sentido de levar a sério, acadêmica e cientificamente, o problema religioso, na segunda metade do século XX. O estudo acadêmico das religiões deu um passo gigantesco com o aporte da Universidade norte-americana. Diferentemente das universidades européias, onde o estudo das religiões passou quase que por esquecido[14].

 

Em 1987, Panikkar retorna às suas raízes, na Catalunha. Deixa a Universidade de Santa Bárbara, agora como professor emérito, e passa a viver em Tavertet, um pequeno povoado da província de Barcelona (Comarca de Osona). Sem romper com suas atividades (cursos, seminários e encontros), passa a ter uma vida mais concentrada, voltada sobretudo para a meditação. É nesse vilarejo montanhoso, “envolvido por silêncio e beleza”, que vive sua última etapa da vida, vindo a falecer em agosto de 2010, aos 91 anos de idade. Deixou uma vasta obra publicada, que agora vem sendo recolhida de forma sistemática pela editora Jaca Book (Itália), sob a organização de Milena Carrara Pavan. Estão previstos 18 volumes, tratando os seguintes temas: Mística e Espiritualidade (dois tomos), Religião e religiões, Cristianismo, Hinduísmo (dois tomos), Budismo, Culturas e religiões em diálogo (dois tomos), Hinduísmo e cristianismo, Visão trinitária e cosmoteândrica: Deus-Homem-Cosmo, Mistério e hermenêutica (dois tomos), Filosofia e teologia, secularidade sagrada, Espaço, tempo e ciência, Miscelânia (Reunião de Textos), Fragmentos de um diário[15].

 

2. Os apelos da Índia

 

O traço interreligioso já estava impresso no coração de Panikkar. Não foi difícil para ele mergulhar corajosamente no mistério da Índia. Desde o seu primeiro contato com a Índia, no final de 1954, foi tomado por uma paixão avassaladora. Recorda em seus trabalhos que foi um dos períodos mais felizes de sua vida. Foi a oportunidade de viver a fundo a dinâmica interreligiosa e descobrir a idéia de relação, que será tão importante para ele ao longo de sua trajetória. Em resposta às perguntas sobre o seu itinerário humano, respondia com tranquilidade: “Parti cristão, me descobri hindu e retornei budista, sem jamais ter deixado de ser cristão”. E complementou sua reflexão mais tarde, dizendo que em seu retorno reconheceu-se um “melhor cristão”[16].

 

Foi no desvelamento de seu itinerário de busca que Panikkar encontrou o hinduísmo e o budismo, e isto ocorreu de forma natural e sem angústia[17]. Reconhece que foi à Índia como um aprendiz que indaga, como alguém que se achega aos pés de um mestre:

 

Não fui à Índia como um professor, mas como aluno... como aquele que busca, como alguém que se senta sem dificuldade aos pés de um mestre, que aprendia a língua dos aborígenes e queria ser um deles... Isso não era uma tática, nem mesmo algo que havia planejado. Era o meu karma. Ocorreu simplesmente assim... Queria identificar-me com minha identidade hindu, e para isso não havia o que fazer senão deixá-la emergir em mim[18].

 

A tradição hindu já era um traço familiar, que retomou com alegria. A abertura ao budismo veio na sequência, como desdobramento de um aprofundamento de sua dinâmica vital:

 

Minha identidade budista desenvolveu-se de outra maneira, uma vez que não havia nascido com ela. Minhas iniciações no budismo chegaram, também, de forma natural, mas foram resultado do trabalho interior, que com muita paciência e humildade assemelhava-se minutis minuendis ao Buda: a radical sensibilidade humana, ou uma experiência comparável a que os hindus e cristãos fazem do nada[19].

 

Panikkar tem plena consciência do caráter inefável de uma experiência religiosa, de seu traço único e singular, que não pode ser comparável a outra. Há nela um mistério que é intransponível. Mesmo assim, reconhece a possibilidade de alguém falar duas linguagens experienciais, e ele mesmo é um exemplo vivo disso. Acredita ser possível alguém penetrar de modo “existencial e vital” em outras cosmovisões, de encarnar-se numa outra cultura, de penetrar sua linguagem e partilhar o seu mundo. Tudo isso de forma natural, desde que essa relação não comprometa as “próprias intuições fundamentais”[20].

 

Assim como Panikkar, temos outros exemplos de místicos cristãos que ampliaram sua forma de compreender a identidade cristã, enriquecendo-a com outras perspectivas religiosas, como é o caso de Henri le Saux, Thomas Merton e Louis Massignon. Alguns falam em linguagem “híbrida”, outros em “bilinguismo” ou “dupla pertença”. As expressões nem sempre conseguem traduzir de forma clara o que se dá na experiência viva, de cristãos que se dão conta, no exercício relacional, que a realidade do Mistério não consegue esgotar-se numa única tradição religiosa. Há, de fato, aspectos novidadeiros e inusitados nas múltiplas formas de aproximação e entendimento com Deus, que transbordam a experiência específica do cristianismo. Teólogos cristãos como Jacques Dupuis reconhecem que apesar da dificuldade real em partilhar duas fés religiosas diversas, não se pode omitir uma tal possibilidade, uma vez que experiências profundas nessa direção não são raras nem desconhecidas[21].

 

A relacionalidade é um traço tão rotineiro na vida de Panikkar, que acreditar na possibilidade de uma experiência profunda e partilhada com tradições religiosas distintas é para ele algo natural e inquestionável. Vai ainda mais longe ao sustentar que aquele que não consegue fazer uma tal experiência interreligiosa, brotando do íntimo do coração, ainda que de forma incoativa, corre o risco de tornar-se um fanático. O caminho da autenticidade  passa, necessariamente, pela abertura radical do coração ao mundo da diferença e da diversidade. Trata-se de uma experiência que é única e preciosa para a afirmação da identidade. Na visão de Panikkar, “aquele que não conhece senão sua religião, não a conhece verdadeiramente”[22], daí a importância essencial do diálogo interreligioso. É insuficiente considerar que basta fixar-se na própria tradição religiosa, aprofundando-a, para encontrar o Mistério sempre maior, que está na fonte de toda busca. Para Panikkar, tal solução é insuficiente e não convincente: “Sem um diálogo externo, ou seja, sem um intercâmbio constante com outras pessoas, as religiões afogam-se (...). Dificilmente alguém (...) poderá entender a fundo sua religião sem ter uma idéia da existência e legitimidade de outros universos religiosos”[23].

 

A pista para o encontro verdadeiro está na direção da profundidade. Não é fruto exclusivo de um trabalho racional: “É na profundidade do conhecimento obscuro da fé que as duas espiritualidades podem encontrar-se e é ali que pode ocorrer, para as duas partes, uma real conversão”[24]. Serve aqui a distinção estabelecida por Panikkar entre fé e crença. Enquanto para ele a fé é sempre transcendente e aberta, não podendo ser expressa em fórmulas universais, a crença é sempre particular. Ela busca traduzir a fé no âmbito das estruturas relativas a uma dada tradição particular, mas deve estar sempre referendada ao horizonte transcendente mais amplo. A fé transcende as formulações dogmáticas das diversas tradições religiões, mas está sempre vinculada a idéias e fórmulas, expressas nas crenças, sem, porém, identificar-se com elas em momento algum. Na medida em que a fé identifica-se cegamente com a crença, não deixando o horizonte aberto, o diálogo vem interrompido e firma-se a realidade de um exclusivismo problemático e necrófilo[25].

 

Em sua permanência na Índia, foram decisivos os encontros com Jules Monchanin (1895-1957), Bede Griffiths (1906-1993) e em particular Henri le Saux (1910-1973). O exemplo de Abhishiktananda, como Le Saux vem nomeado, marcou profundamente Panikkar. Ele o via como um dos “espíritos ocidentais mais autênticos” no que toca ao mergulho na experiência indiana. Foi no encontro e convivência com ele que soube aprofundar-se no caminho do advaita (a-dualidade) e na experiência do diálogo com o hinduísmo, aproximando-se da “natureza abissal do encontro”. Naquele final dos anos 1950 e inícios de 1960, um período marcado por tantas dificuldades e incompreensões, Panikkar e Abhishiktananda partilharam uma grande amizade e, sobretudo, comunhão. Em carta de Panikkar ao amigo falecido, na quaresma de 2005, expressa que o distanciar do tempo o fez perceber melhor o significado de sua “obstinada existência” em busca do apelo interior do atman[26].

 

3. Um buscador permanente

 

Um dos traços que melhor define Raimon Panikkar é o de buscador permanente e apaixonado. Conjuga com sabedoria o amor à vida, a atenção ao cosmos e a abertura ao outro. Encaixa-se bem na definição que ele mesmo cunhou para o ser humano religioso: um buscador e peregrino que caminha com segurança por caminhos inexplorados. Alguém que esta aberto e disponível para captar a novidade do cotidiano, em cada um de seus preciosos momentos, sem deixar de lado a herança que traz em sua bagagem. Traduz fielmente a vocação monástica que é a aspiração ao simples[27].  O mistério para ele está em toda parte, o que se requer é saber escutar o seu canto. Há que deixar-se abandonar ao inesperado sopro da brisa, vencendo as barreiras impostas pela vontade. Há que viver, simplesmente, deixando fluir a vida em cada instante[28].

 

O peregrino é alguém que se dispõe a “expor-se a novas paisagens”, a perigos e incertezas. O mergulho no mundo do outro, na realidade distinta, é sempre arriscado. Panikkar fala em “salto mortal”, pois envolve a totalidade da pessoa, com ameaças precisas para a sua auto-compreensão. Esse caminhar faz parte da dinâmica humana:

 

o senso da peregrinação parece responder a uma profunda necessidade que o ser humano sente de ir além dos limites da experiência ordinária e entrar no misterioso reino do além; e os lugares de peregrinação parecem ter a força de um ímã biológico-espiritual geográfico que atrai os peregrinos para o campo de seu mistério doador de vida[29].

 

A peregrinação verdadeira, como indica Panikkar, traduz o caminho para o núcleo da pessoa, para o seu centro. E só está preparado para realizá-la aquele que morreu para o seu “pequeno eu” e está sintonizado com o tempo e aberto para a união com o Si universal[30]. Em sua presença na Índia, Panikkar realizou duas importantes peregrinações espirituais: às fontes do Ganges e ao monte Kailasa. Retoma, assim, o movimento que o povo indiano faz, a cada ano, aos seus lugares sagrados. Trata-se do deslocamento de retorno às fontes, de onde provêem todas as águas, capazes de restaurar as forças e a dinâmica vital. A peregrinação às fontes do Ganges ocorreu em junho de 1964 e Panikkar esteve acompanhado por Henri le Saux. Essa experiência inspirou um dos livros do místico catalão: Uma missa nas fontes do Ganges, cuja primeira edição ocorreu em 1967[31]. A outra peregrinação ocorreu décadas depois, em setembro de 1994, no monte Kailasa, considerado como o “templo do Absoluto”, e venerado pela maior parte das religiões do sul da Ásia. A narrativa dessa peregrinação está registrada em outro livro de Panikkar, Peregrinação ao Kailasa (2006)[32]. Sua companheira de viagem, Milena Carrara, pergunta ao mestre, a certa altura, qual a razão de considerarem alguns lugares mais sagrados, já que Deus encontra-se em toda parte. E relata sua explicação:

 

Ele me explica que Deus manifesta-se mais vivamente naqueles lugares que foram carregados pela espiritualidade das grandes almas que ali viveram a sua união com Deus; estes ascetas puderam perceber em seu tempo a atração por aqueles lugares, em geral distantes, solitários, desertos, onde a sua sensibilidade soube colher vibrações particulares ou simplesmente onde o silêncio é mais absoluto, dumia, de que fala Elias na Bíblia[33].

 

4. A intuição cosmoteândrica e a percepção do advaita

 

Em relato sobre a sua biografia, Panikkar assinala que nunca viveu uma experiência semelhante à de Paulo, na estrada de Damasco, que assinalaria um ponto preciso de conversão. Sua vida desenvolveu-se de forma intensa e crescente. Há, porém, um momento em que se dá conta de uma intuição cosmoteândrica, relacionada à sua experiência da Trindade. Percebe com clareza que toda a realidade é uma cristofania e  que a Trindade constitui a resposta verdadeira de sua busca. Ao falar de intuição cosmoteândrica, faz recurso ao teandrismo da tradição ortodoxa, acrescentando toda a sua reflexão original sobre o cosmos, tão negligenciado nas espiritualidades cristãs. Na visão de Panikkar, os três elementos que compõe a visão cosmoteândrica ou teoantropocósmica – Deus, Homem e Matéria -, traduzem três “dimensões constitutivas da realidade”. Não há como escapar da presença envolvente de Deus ou do divino. Ele está em todo lugar. Isso não significa, porém, assumir um panteísmo. O que ocorre é uma identificação tópica, mas o mistério transborda infinitamente tudo o que se pode pensar, ver ou imaginar.

 

Cosmoteândrica será, pois, esta visão, esta experiência, de que somos uma parte da Trindade, e que há três dimensões do real: uma dimensão de infinito e de liberdade, que chamamos divina; uma dimensão de consciência, que chamamos humana; e uma dimensão corporal ou material, que chamamos cosmos. Todos participamos desta aventura da realidade[34].

 

Essas três dimensões do real estão em profunda interpenetração, expressão que traduz para hoje a idéia clássica de perichôrêsis ou circumincessio. Trata-se de uma interpenetração recíproca que não coloca em causa nenhuma das particularidades das dimensões em questão. O que vigora é a idéia de relação. Na linha dessa perspectiva indivisa da realidade, Deus não pode ser captado como puramente transcendente ou exclusivamente imanente. Ele é simultaneamente transcendente e imanente, é “relacionalidade pura”[35]. A experiência de Deus acontece no dinamismo vivo que entrelaça o humano com toda a realidade:

 

A experiência de Deus é a raiz de toda experiência. É a experiência em profundidade de todas e cada uma das experiências humanas: do amigo, da palavra, da conversa. É a experiência subjacente a toda experiência humana: dor, beleza, prazer, bondade, angústia, frio... subjacente a toda experiência no tanto que nos descobre uma dimensão de infinito, não-finito, in-acabado[36].

 

Para acessar a imagem mais profunda da Trindade, Panikkar faz recurso a uma intuição hindu, que supera as tentações da unidade ou dualidade. Trata-se da perspectiva advaita, da a-dualidade, que indica a ausência de dualidade na estrutura própria da realidade[37]. Na linha dessa reflexão, “a divindade não está individualmente separada do resto da realidade, nem é totalmente idêntica a ela”[38]. A intuição advaita traduz o Mistério que preside a relação cosmoteândrica. Um mistério que não pode ser reduzido nem ao “um” ou ao “dois”. É antes “a-dual”, possibilitando a dinâmica viva do pluralismo. Os cristãos acessam a esse Mistério através de Jesus Cristo, mas outras vias possibilitam igualmente sua acolhida[39].

 

A perspectiva advaita envolve também uma singular espiritualidade. A divindade deixa de ser percebida como um objeto, ou como um Outro, porque não há mais sujeito a fazer uma tal experiência. Para o advaitin, a divindade não é “algo” que se percebe em si ou fora de si, mas “uma luz na qual o Real é iluminado e descoberto”. A contemplação emerge como “a visão da Realidade total na qual o ego (eu psicológico) enquanto tal, não tem mais nenhum lugar; é a experiência do Absoluto na sua simplicidade e na sua complexidade, alegria perfeita alcançada na en-stasi da união”[40].

 

 

 

5. O caminho do diálogo dialogal

 

As religiões são também provocadas a viverem uma “interpenetração recíproca”. É um dos temas mais presentes na reflexão de Raimon Panikkar. Trata-se do desafio de uma nova relação entre as diversas tradições religiosas, para além do exclusivismo, inclusivismo e paralelismo. O caminho revela-se na abertura para uma nova dinâmica relacional, que resguarde a particularidade de cada uma das tradições envolvidas. Não é um trajeto simples, mas importante e inevitável, doloroso mas purificador. Para que se realize com vigor requer uma mudança de compreensão e de atitude. Esse processo não é pontual, mas contínuo e progressivo e envolve abertura e paciência. É um caminho que está sempre se fazendo. O objetivo proposto “não é chegar à completa unanimidade, ou de misturar todas as religiões, mas sobretudo comunicação, simpatia, amor, complementaridade polar”[41].

 

Em momentos diversificados, Panikkar utilizou a expressão “ecumenismo ecumênico” para traduzir esse desafio dialogal. Para além do ecumenismo tradicional, voltado para a unidade dos cristãos, aponta-se agora para um ecumenismo mais amplo, que estende a dinâmica de abertura para toda a família humana. A sua perspectiva vem definida com clareza:

 

O objetivo é uma melhor compreensão, uma crítica corretiva e, possivelmente, uma mútua fecundação entre as tradições religiosas do mundo, sem mitigar suas respectivas heranças ou comprometer sua possível harmonia ou as eventuais diferenças irredutíveis[42].

 

Esse trabalho ecumênico, em sentido largo, é inesgotável e revelador de possibilidades inusitadas. Requer também muita humildade, pois deve estar animado pela consciência da contingência e do limite. Nenhuma religião é capaz de exaurir o campo da experiência humana e das manifestações do sagrado. A realidade plural está sempre aí a desafiar a compreensão humana. Há que combater incessantemente a sedução da autosuficiência e da hybris totalitária, que constituem impedimentos precisos para a abertura ao pluralismo de princípio. Esse “ecumenismo crítico exige magnanimidade, serenidade, humildade e também supõe uma certa consciência mística do caráter inefável da realidade”[43].

 

É verdade que os cristãos estão empenhados na busca da unidade, mas torna-se cada vez mais claro nesse tempo de pluralismo religioso que a unidade está sempre em processo, traduzindo um esforço comum de adentrar-se no Mistério sempre maior. Mesmo estando convictos do conteúdo fundamental de sua fé, os cristãos

 

não podem conhecer quais serão os ulteriores desenvolvimentos de sua Igreja; eles não têm acesso aos planos da providência divina; não devem, portanto, agarrar-se a um esquema fixo ou a uma fé congelada. Novos dogmas, formulações renovadas, evoluções reais e progressos são características constantes do cristianismo, como de todas religiões. Ninguém sabe como o cristianismo aparecerá quando as águas da fé unirem-se às de outras religiões para formar um rio mais caudaloso, onde os povos do futuro saciarão sua sede de verdade, bondade e salvação[44].

 

A perspectiva de um ecumenismo mais ecumênico aflui para um caminho de “diálogo dialogal”, como gosta de expressar Panikkar. Trata-se de um diálogo mais existencial, sem a intenção de convencer ninguém, mas sobretudo compreender o outro e deixar-se enriquecer por ele. É diferente do “diálogo dialético”, que expressa mais uma arena ou disputa intelectual que aponta razões e equívocos dos interlocutores[45]. O diálogo dialogal ou dialógico é sobretudo um “ato religioso” movido por amor. Não pode ter outra motivação senão a partilha de dons e a mútua fecundação. Ele tem o “seu próprio valor”, sendo auto-finalizado.

 

Nem todos conseguem exercitar esse dom dialogal, sobretudo nesse tempo de pluralismo moderno, onde os conhecimentos auto-evidentes perdem sua plausibilidade. Peter Berger nomeia-os como “virtuosos do pluralismo”, pois lidam melhor com esta perspectiva dialogal, ao contrário de tantos outros que vivem a insegurança de participarem de um “mundo confuso e cheio de possibilidades de interpretação”[46]. Para entrar nesse caminho requer-se liberdade interior, bem como a gratuidade de viver uma experiência de partilha e busca de uma verdade que ultrapassa a consciência possível dos próprios interlocutores. Como indica Panikkar, o diálogo verdadeiro é “um ato essencialmente religioso”, envolvendo a experiência da contingência, da confiança mútua e da busca comum de um Mistério que a todos transborda[47]. Há uma dimensão experiencial e mística do diálogo que nem sempre é levada em consideração, mas que é muito importante:

 

O encontro das religiões tem uma indispensável dimensão experiencial e mística. Sem uma certa experiência que transcende o reino mental, sem um certo elemento místico na própria vida, não se pode esperar superar o particularismo da própria religiosidade, e menos ainda ampliá-la e aprofundá-la, ao ser defrontado com uma experiência humana diferente[48].

 

O diálogo interreligioso pressupõe o diálogo intra-religioso. É outra das teses defendidas por Panikkar. Esse diálogo intra se dá no interior mesmo das confissões religiosas. Trata-se da tomada de consciência da própria contingência, relatividade e vulnerabilidade. É o essencial “colocar-se em questão”, tão bem acentuado por Agostinho: quaestio mihi factus sum (fiz de mim mesmo um problema)[49]. O diálogo autêntico requer esse permanente espírito de auto-crítica: “Se não descubro em mim mesmo o cético, o incrédulo, o muçulmano e tantas outras realidades, sinto-me incapaz de entrar em diálogo com os outros”[50]. Como mostrou com acerto Adolphe Gesché, a fé cristã tem necessidade de uma “ausência cristã”, tanto diante dela como em seu próprio interior. A interface do outro ou um “lugar fora de sua residência” torna-se fundamental para a construção da própria identidade. O grande risco é manter a tradição encerrada em si mesma, sem interlocução criadora.

 

É evidente que é preciso ao cristianismo o sensus fidelium, o sentido da fé que os crentes têm, mas é preciso, igualmente, aquilo que chamo de sensus infidelium, o sentido que os não-crentes têm das coisas deste mundo (e mesmo das coisas da fé, pelo espírito crítico que possuem), essa pars paganorum, essa parte de paganidade ao lado da pars nostra, essa parte exterior, essa ´impureza`- no sentido estabelecido anteriormente -, essa impureza da sabedoria que vem em socorro da pureza de seu profetismo, para que este não se torne paroxístico, destruidor, alucinatório[51].

 

O diálogo é sempre uma “aventura arriscada”, mas revela-se uma exigência essencial no tempo atual, condição imprescindível para a paz entre as nações. Como sustenta Panikkar, ele é um fato importante, inevitável e urgente, mas também desconcertante e perigoso, pois coloca em questão o fundamento mesmo das próprias convicções. O risco maior é o de perder-se ou se afogar, “pois, literalmente, nesse encontro tocamos o fundo”.  Mas há que jogar-se na água e nadar, ainda que as pernas estremeçam e o coração vacile. Desse encontro todos saem purificados, pois ele possibilita compreender a inexaurível profundidade do ser humano e deparar-se com o misterioso enigma que pontua o mundo das diferenças[52].

 

6. A cristofania

 

Em diversos momentos de sua reflexão, Panikkar indicou que o indispensável encontro entre as tradições religiosas envolve uma transformação na auto-compreensão das religiões. Ele busca responder a tal desafio com propostas audaciosas no campo da hermenêutica cristã para o terceiro milênio. Dentre as pistas por ele abertas, insere-se a original reflexão sobre a cristofania. Argumenta que a cristologia vigente nos últimos vinte séculos é marcadamente ocidental, nascida da fé cristã em diálogo com o judaísmo, com o mundo greco-romano e, posteriormente, com a tradição germânica e a cultura islâmica. Sua proposta vai no sentido de uma maior universalização dessa perspectiva:

 

Depois de estar historicamente ancorado por quase dois milênios nas tradições monoteístas originadas de Abraão, o cristianismo, caso pretenda ser católico, deve meditar profundamente sobre a kenosis de Cristo e ter a coragem, como no primeiro Concílio de Jerusalém, de desvincular-se da tradição hebraica (cujo símbolo era a circuncisão) e das tradições romanas (cujo símbolo é a cultura ocidental) sem com elas romper, deixando-se fecundar pelas outras tradições da humanidade[53].

 

Segundo Panikkar, a experiência de Cristo feita pelos cristãos não esgota a riqueza mesma da realidade do Cristo, que na verdade é um “símbolo – que os cristãos designam com esse nome – do Mistério sempre transcendente, mas também sempre humanamente imanente”[54]. A publicação da tese doutoral de Panikkar, em 1964, sobre O Cristo desconhecido do hinduísmo, suscitou mal entendidos, facultando uma interpretação limitada e inclusivista de seu pensamento. Em edição posterior, o autor esclareceu que, em verdade, o Cristo desconhecido do hinduísmo era também desconhecido do cristianismo histórico[55]. Na linha dessa reflexão, Panikkar busca acentuar a realidade de Cristo como um Mistério que envolve as duas tradições religiosas. Enquanto alguns autores utilizam expressões como “Cristo cósmico” ou “Cristo total”, Panikkar prefere falar em “Cristo cosmoteândrico”, ou simplesmente Cristo. Para ele, Cristo é o “símbolo de toda a realidade”, e nele encontram-se contidos todos os “tesouros da divindade”, os “mistérios do homem” e a “densidade do universo”[56].

 

A Cristofania envolve, assim, uma abertura à realidade mais ampla do Espírito, o que implica uma abertura genuína ao diálogo com outras religiões. A confissão cristã que indica que “Jesus é o Cristo” é pertinente e legítima. De fato, é através de Jesus que os cristãos podem encontrar o Cristo. É uma confissão que reflete uma “afirmação existencial”, mas que não pode ser entendida em sentido objetivante e universal. Na verdade, como mostra Panikkar, “Jesus é o Cristo, mas o Cristo não pode ser completamente identificado com Jesus”[57]. Isso significa que os cristãos não têem o monopólio do Cristo, que permanece, também para eles, como Mistério que sempre advém. Um Mistério que se manifesta igualmente, sob outras formas, em todas religiões autênticas[58].

 

 

 

7. A mística como experiência da vida

 

Um dos desafios essenciais do tempo atual é responder a um apelo que brota de todas as partes e que se relaciona com a sede radical pela transformação do significado mesmo da vida. Em seus últimos trabalhos, Panikkar dedicou-se de forma intensiva a essa reflexão, dando um espaço significativo ao tema da mística e da espiritualidade. Identificou na “mística cosmoteândrica”, que envolve Deus, Homem e Mundo, o novum do terceiro milênio[59]. Na visão de Panikkar, a experiência mística envolve toda a realidade, mantendo-se aberta a todos os problemas humanos. É, por excelência, a “experiência do totum”, a “experiência integral da realidade”. Ele faz opção pela expressão “realidade” por considerá-la menos problemática e mais neutra, com uma mais decisiva densidade ecumênica. A mística faculta, assim, um “acesso à completa realidade (chame-a Deus, o Tudo, o Nada, o Ser, ou outra coisa) que se nos apresenta na sua plenitude (...)”[60].

 

Panikkar sublinha que, infelizmente, o tempo contemporâneo perdeu esse senso místico da existência, fixando-se na “epidemia reinante da superficialidade”. Urge recuperá-lo, para que se faculte a essencial harmonização das energias humanas em torno de valores como o Bem, a Beleza e a Verdade. A mística não implica uma fuga do mundo, ou desprezo das realidades terrestres, mas um mergulho ainda mais fundo nas entranhas do real e na tessitura do tempo. Trata-se de uma experiência pessoal, mas não individualista, cujas repercussões são vivas, propagando-se como ondas que se espalham sem cessar por todo canto. Enquanto a mística é a “experiência suprema da realidade”, a espiritualidade é o “caminho para se atingir tal experiência”[61].

 

A espiritualidade é como uma ´carta de navegação` no mar da vida do homem: a soma dos princípios que dirigem o seu dinamismo para ´Deus`, dizem alguns; para uma sociedade mais justa ou para a superação do sofrimento, dizem outros. Podemos, pois, falar de espiritualidade budista, embora os budistas não falem de Deus; e também de uma espiritualidade marxista, ainda que sejam eles alérgicos à linguagem religiosa. Em seu conceito amplo, a palavra espiritualidade expressa sobretudo uma qualidade de vida, de ação, de pensamento etc., não ligada a uma doutrina, confissão ou religião determinadas, ainda que seus pressupostos sejam facilmente reconhecíveis[62].

 

O verdadeiro contemplativo, como mostra Panikkar, é alguém marcado por intensa liberdade e pureza de coração. Está voltado atentamente para o tempo, vivendo, simplesmente, inserido na “tempiternidade”, ou seja, na eternidade que se capta em cada momento temporal da existência[63]. Sua linguagem tem afinidade com a linguagem poética, sendo capaz de favorecer um olhar distinto sobre o real, captando o que escapa ao olhar superficial. Ele traz consigo uma fragrância contagiante, que traduz “o respiro mesmo da vida”. E todo o ser vem envolvido: “Se o teu olho é simples, todo o seu corpo será luminoso”.

 

Conclusão

 

Panikkar foi um dos grandes precursores do diálogo interreligioso entre os autores cristãos. Talvez a contribuição mais decisiva que deixou como legado foi de afrouxar os nós do etnocentrismo cristão e favorecer uma nova atitude para com as outras tradições religiosas: de abertura, hospitalidade e acolhida. Mostrou com vitalidade e vigor que o verdadeiro diálogo requer dos interlocutores um profundo respeito e cuidado com o enigma do outro. No diálogo caminha-se sobre um “solo sagrado”, e os interlocutores devem estar desarmados para viver a dinâmica de reciprocidade de dons que esse encontro revela e traduz. Foi um grande “virtuoso do pluralismo religioso”, um assíduo defensor da diversidade irredutível e irrevogável que marca o mundo das religiões. Pontuou igualmente a centralidade da dimensão espiritual para o exercício dialogal, enfatizando a importância da humildade, do despojamento e da pureza de coração para a afirmação de uma nova disponibilidade de encontro autêntico com o diferente.

 

 

Faustino Teixeira é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), Pesquisador do CNPq e Consultor do ISER Assessoria (RJ). É autor de vários livros entre os quais: A espiritualidade do seguimento. São Paulo: Paulinas, 1994; Teologia das religiões: uma visão panorâmica, São Paulo: Paulinas, 1995; Os encontros intereclesiais de CEBs no Brasil, São Paulo: Paulinas, 1996; Ecumenismo e diálogo interreligioso, Aparecida: Santuário, 2008. Esteve também na organização das seguintes obras: No limiar do mistério, São Paulo: Paulinas, 2004; Nas teias da delicadeza, São Paulo: Paulinas, 2006; Sociologia da religião, 3ª ed., Petrópolis: Vozes, 2010; O canto da unidade. Em torno da poética de Rûmî, Rio de Janeiro: Fissus, 2007 e Catolicismo plural: dinâmicas contemporâneas, Petrópolis: Vozes, 2009.

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[1] D. TRACY, Pluralidad y ambigüedad, Madrid: Trotta, 1997, p. 142.

[2] O nome Panikkar era um titulo nobiliário malabar.

[3] V. P. PRIETO, Más allá de la fragmentación de la teología. El saber y la vida: Raimon Panikkar, Valencia: Tirant lo Blanch, 2008, p. 41.

[4] Ibid, p. 41. Em reflexão expressa em 2001, lembra Panikkar: “Fui educado no catolicismo de minha mãe espanhola, mas sem jamais ter deixado de permanecer unido à tolerante e generosa religião de meu pai hindu”: R.PANIKKAR, “Non devo difendere la mia verità, ma viverla”, Missione Oggi 4 (2001). Ver ainda: R.PANIKKAR & M.CARRARA, Pellegrinaggio al Kailâsa, Troina: Servitium, 1996, pp. 63-64.

[5] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, Paris: Albin Michel, 1998, p. 19 (Entretiens avec Gwendoline Jarczyk).

[6] A tese foi publicada em Madrid, em 1951, com posterior edição revisada em 1972.

[7] A tese foi publicada em Madrid, em 1961, com o titulo: Ontonomia de la ciencia. Sobre el sentido de la ciencia y sus relaciones con la filosofia, Madri: Gredos, 1961.

[8] R.PANIKKAR, The Unknown Christ of Hinduism, London: Darton Longman & Tod, 1964 (com posteriores edições em espanhol, francês, italiano, alemão e chinês).

[9] R. PANIKKAR & M.CARRARA, Pellegrinaggio al Kailâsa, p. 65.

[10] R. PANIKKAR, “Mi testamento”. Apud V. P. PRIETO, Más allá de la fragmentación de la teología, p. 53.

[11] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, p. 21.

[12] R. PANIKKAR & M.CARRARA, Pellegrinaggio al Kailâsa, p. 69.

[13] Apud V. P. PRIETO, Más allá de la fragmentación de la teología, p. 62.

[14] Ibid, p. 63.

[15] São volumes que cobrem um grande itinerário de vida, em torno de 70 anos. Aos volumes citados vem também acrescentado um livro que expressa a síntese de seu pensamento, onde se recolhe as introduções de todos os volumes de sua obra completa (Opera Omnia): R.PANIKKAR, Vita e parola. La mia opera, Milano: Jaca Book, 2010.

[16] R.PANIKKAR, Il dialogo intrareligioso, Assisi: Cittadella, 1988, p. 60; Id. Entre Dieu et le cosmos, p. 84.

[17] Diferentemente de outro buscador, Henri le Saux (Abhishiktananda), a comunhão de Panikkar com o hinduísmo não foi motivo de angústia. Ele reconhece que o simultâneo sentir-se cristão e hindu, monoteísta e advaitin, não foi para ele um problema. Cf. S.BOULAY, La grotte du coeur. La vie de Swami Abhishiktananda (Henri le Saux), Paris: Cerf, 2007, p. 14.

[18] Apud V. P. PRIETO, Más allá de la fragmentación de la teología, p. 55.

[19] Ibid, pp. 55-56.

[20] R.PANIKKAR, L´esperienza della vita. La mistica, Milano: Jaca Book, 2005, pp. 184-185.

[21] J.DUPUIS, Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, São Paulo: Paulinas, 1999, p. 518; P.F.KNITTER, Introdução à teologia das religiões, São Paulo: Paulinas, 2008, pp. 357-358; C.GEFFRÉ, Profession théologien, Paris: Albin Michel, 1999, p. 242 (Entretiens avec Gwendoline Jarczyk)

[22] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, pp. 74 e 174.

[23] R.PANIKKAR, “Religion (Dialogo intrarreligioso)”, in C.FLORISTAN & J.J.TAMAYO (Eds), Conceptos fundamentales del cristianismo, Madrid: Trotta, 1993, p. 1148.

[24] R.PANIKKAR, Il Cristo sconosciuto dell´induismo, Milano: Jaca Book, 2008, p. 129. Na visão de Panikkar, é na profundidade da experiência mística que se dá a possibilidade de harmonizar as diversas tradições religiosas, e não numa “abertura horizontal indiscriminada”: S.CALZA, La contemplazione. Via privilegiata al dialogo cristiano-induista, Milano: Paoline, 2001, pp. 176-177. Ele também assinala que “só partindo do fundo mesmo do mistério, e não de suas manifestações, poderemos dizer se as outras religiões são verdadeiras ou simplesmente aparências ilusórias”: R.PANIKKAR, La nuova innocenza 3, Sotto il Monte: Servitium, 1996, p. 142.

[25] R.PANIKKAR, Il dialogo intrareligioso, pp. 76, 85-87 e 110.

[26] R.PANIKKAR, “Préface”, in S.BOULAY, La grotte du cœur, p. 13.

[27] Ver a respeito o belo livro de R.PANIKKAR, Éloge du simple. Le moine comme archétype universel, Paris: Albin Michel, 1995.

[28] R.PANIKKAR & M.CARRARA, Pellegrinaggio al Kailasa, p. 61.

[29] C.DUQUOC & V.ELIZONDO, “Peregrinação: ritual permanente da humanidade”, Concilium (Br) nº 266 (1996) 8.

[30] R.PANIKKAR & M.CARRARA, Pellegrinaggio al Kailasa, p. 61.

[31] H. LE SAUX & O. BAUMER & R.PANIKKAR, Alle sorgenti del Gange. Pellegrinaggio sprituale, Milano: Cens, 1994.

[32] R.PANIKKAR & M.CARRARA. Pellegrinaggio al Kailasa, op.cit.

[33] Ibidem, p. 84.

[34] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, p. 135.

[35] Para Panikkar, a Trindade expressa uma “concepção propriamente revolucionária, na medida em que se cessa de considerar Deus como uma substância. Deus é relacionalidade pura, ou melhor, ele é uma das dimensões da relacionalidade de todo o real. É nisto que consiste, precisamente, a visão cosmoteândrica”: R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, p. 122.

[36] R.PANIKKAR, Ícones do mistério. A experiência de Deus, São Paulo: Paulinas, 2007, p. 77.

[37] R.PANIKKAR, Il dharma dell´induismo, Milano: Bur, 2006, pp. 171-173. 

[38] R.PANIKKAR, Ícones do mistério, p. 110. O que predomina é a “inter-relação mútua entre imanência e transcendência (...). A divindade é, precisamente, esta imanência e transcendência inserida no coração de cada ser ”: ibidem, pp. 72-73.

[39] R.PANIKKAR, Il Cristo sconosciuto dell´induismo, pp. 54-55.

[40] R.PANIKKAR, Trinità ed esperienza religiosa dell´uomo, Assis: Cittadella Editrice, 1989, p. 70. É interessante constatar a sintonia dessa reflexão de Panikkar com a tradição místico-especulativa alemã, em particular com as reflexões de Margherite Porete, Mestre Eckhart e Angelus Silesius. Para esses místicos da tradição cristã, Deus não pode ser pensado como objeto, daí a dificuldade de falar em “alteridade”, pois nesse caso cai-se na determinação, e Deus não pode ser determinado, pois é infinito. Deus é visto como “propriamente nada” e para que a alma humana dele se aproxime, é necessário que “perca seu próprio nome”, que desapareça enquanto determinada e desapegue-se radicalmente a ponto de transformar-se naquilo que ama. Ver a respeito as reflexões de Marco Vannini in: M.PORETE, Lo specchio delle anime semplice, Cinisello Balsamo: San Paolo, 1994, p. 208, n. 104 e A.SILESIUS, Il pellegrino cherubico, Cinisello Balsamo: San Paolo, 1989, p. 36.

[41] R.PANIKKAR, L´incontro indispensabile: dialogo delle religioni, Milano: Jaca Book, 2001, p. 71.

[42] R.PANIKKAR, La nuova innocenza 3, p. 60.

[43] R.PANIKKAR, “Religion (Dialogo intrarreligioso)”, in C.FLORISTAN & J.J.TAMAYO (Eds), Conceptos fundamentales del cristianismo, p. 1153. Panikkar insiste muito nessa dimensão contemplativa do verdadeiro ecumenismo. E adverte: “Quanto mais estamos convencidos de nossas opiniões, tanto mais seremos ´vencidos` pelo mistério que nos ultrapassa”: Id, La nuova innocenza 3, p. 64.

[44] R.PANIKKAR, Il Cristo sconosciuto dell´induismo, p. 93. Em semelhante linha de reflexão, o teólogo dominicano Christian Duquoc assinala que a “obsessão pela unidade” pode abafar o caráter enigmático que preside a assimetria das religiões. Prefere trabalhar com a metáfora da “sinfonia sempre adiada”. As religiões são representadas como “lugares de múltiplas composições, cuja unidade nos escapa”: C.DUQUOC, O único Cristo. A sinfonia adiada, São Paulo: Paulinas, 2008, p. 166.

[45] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, p. 149.

[46] P.L.BERGER & T.LUCKMANN, Modernidade, pluralismo e crise de sentido, Petrópolis: Vozes, 2004, p. 54.

[47] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, pp. 74, 150 e 172.

[48] R.PANIKKAR, La nuova innocenza 3, p. 156.

[49] R.PANIKKAR, Il dialogo intrareligioso, pp. 114-115.

[50] R.PANIKKAR, Entre Dieu et le cosmos, p. 161. Algo semelhante disse Thomas Merton : « Se eu me afirmo como católico simplesmente negando tudo que é muçulmano, judeu, protestante, hindu, budista etc., no fim descobrirei que, em mim, não resta muita coisa com que me possa afirmar como católico : e certamente nenhum sopro do Espírito com o qual possa afirmá-lo » : T.MERTON, Reflexões de um espectador culpado, Petrópolis : Vozes, 1970, p. 166.

[51] A.GESCHÉ, O sentido, São Paulo: Paulinas, 2005, p. 136 (e também p. 135).

[52] R.PANIKKAR, La nuova innocenza 3, pp. 100-103 e Id. L´incontro indispensabile: dialogo delle religioni, pp. 30 e 61.

[53] R.PANIKKAR, Il Cristo sconosciuto dell´induismo, p. 19 (em consideração feita por Panikkar no início da nova edição italiana, em 2007). Para Panikkar, esse é o grande desafio teológico do terceiro milênio, ou seja, “levar em consideração as culturas dos dois terços do mundo que não pertencem ao filão cultural greco-semítico e não vêem a realidade sob a mesma luz”. Trata-se de levar a sério a kenosis de Cristo, o que não significa romper com as precedentes interpretações, mas abrir-se para uma nova consciência do Mistério sempre maior (de Cristo): Ibidem, p. 73.

[54] R.PANIKKAR, Il dialogo intrareligioso, p. 112.

[55] R.PANIKKAR, Cristofania, Bologna: EDB, 1994, p. 26.

[56] R.PANIKKAR, La plenitude de l´homme, Arles: Actes Sud, 2007, p. 197.

[57] R.PANIKKAR, Cristofania, p. 17 (Ver também p. 16); Id. Il Cristo sconosciuto dell´induismo, pp. 94 e 201.

[58] R.PANIKKAR, La nuova innocenza 3, pp. 139 e 142. Assinala Panikkar: “Embora os cristãos não possam chamar Cristo com outros nomes, permanecem aspectos ou dimensões ainda desconhecidos aos cristãos, que não estão incluídos no nome de Cristo, embora a ele relacionados”: Ibidem, p. 141.

[59] R.PANIKKAR, Mistica pienezza di vita, Milano: Jaca Book, 2008, p. 12 (Mistica e spiritualità, tomo 1 – Opera Omnia).

[60] R.PANIKKAR, L´esperienza della vita. La mistica, p. 59.

[61] R.PANIKKAR, Vita e parola. La mia opera, Milano: Jaca Book, 2010, p. 21.

[62] Ibidem, p. 24.

[63] Como assinala Panikkar, “não é fugindo do tempo – uma vez admitido que seria isso possível – que o contemplativo descobre a dimensão tempiterna. Mas integrando-o completamente na dimensão vertical que constantemente entrecorta a linha horizontal do tempo. A tempiternidade não é a ausência, mas a plenitude do tempo, e esta plenitude não é, certamente, só o futuro”: R.PANIKKAR, Mistica pienezza di vita, p. 57.

(Publicado na Revista Perspectiva Teológica, v. 42, n. 118, set/dez 2010, pp. 363-380)