Faustino Teixeira comenta o livro Jesús, aproximación histórica de José Antonio Pagola, alvo de intensa polêmica na Espanha. Traduzido em várias línguas, a tradução brasileira deverá ser lançada em breve. Faustino Teixeira, parceiro do IHU, é doutor e pós-doutor em teologia pelaPontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. É professor-associado e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPCIR-UFJF), em Minas Gerais. O artigo foi publicado para o portal Amai-vos e nos foi enviado pelo autor. Eis o artigo Em tempos de “inverno eclesial”, a leitura do livro de José Antonio Pagola sobre Jesus ( Jesús, aproximación histórica. 8 ed. Madrid: PPC, 2008) é reconfortadora e motivadora de uma renovada perspectiva evangélica. Vivemos tempos difíceis no âmbito das igrejas: de insulamento dogmático, fechamento aos outros e sedução fundamentalista. Em diversos segmentos, verifica-se um clima de desconfiança no potencial transformador das igrejas, muitas vezes fundado em razões que são sólidas. Em recente artigo publicado no jornal espanhol El País (01/03/2009), o filósofo italiano,Gianni Vattimo lança seu desencanto com as religiões. A seu ver, “em muitos aspectos da vida atual, as religiões já não contribuem com uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação”. São, na verdade, “um poderoso fator de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes”. Pode-se discutir a validade da interpretação desse renomado filósofo italiano, mas suas palavras devem provocar, permanentemente, o nosso discernimento para uma atuação eclesial mais viva e libertadora. O livro de Pagola surge como uma brisa refrescante nessa pesada conjuntura eclesiástica. Há que refletir sobre as razões do sucesso dessa obra, que em apenas seis meses conheceu oito edições. Vem responder a anseios abafados, a sonhos não concretizados e teimosas esperanças de um horizonte eclesial alternativo. Infelizmente, essa obra vem enfrentando duras resistências na Igreja espanhola: como exemplos, a carta pastoral de Mons. Demetrio Fernández (bispo de Tarazona) e a nota de clarificação da Conferência Episcopal Espanhola (junho de 2008). O argumento é conhecido: as presumidas deficiências doutrinais em torno da abordagem sobre Jesus e o seu afastamento da fé da Igreja. Vive-se hoje um clima de desconfiança diante da reflexão teológica, sobretudo quando ela ousa pensar o cristianismo de forma aberta e corajosa. Como assinalou o teólogo José Ignácio González Faus em artigo na revistaConcilium (326 – 2008/3), “a Congregação para a Doutrina da Fé resvala hoje perigosamente para um monofisismo que, como já advertiu Rahner, é a vertente mais fácil para falsificar a fé na divindade de Jesus Cristo e ´está latente nas cabeças de muitos cristãos`”. No início de sua obra, Pagola apresenta as razões de sua investigação histórica sobre Jesus. Sua motivação maior é captar “o segredo que se encerra nesse fascinante galileu, nascido há dois mil anos numa insignificante aldeia do Império romano”. Lança a questão: “Quem foi esse homem que marcou decisivamente a religião, a cultura e a arte do Ocidente, a ponto de inclusive impor seu calendário?”. O objetivo do autor é lançar-se numa séria investigação, a mais rigorosa possível, sobre essa figura fascinante: sobre sua vida, suas lutas e a força e originalidade de sua atuação na história. E isso para saber quem está na origem de sua fé cristã. O livro começa com a investigação sobre Jesus como judeu na Galiléia, nas proximidades de Nazaré. Trata-se de alguém que nasceu e se desenvolveu no meio de uma família judia que habitava no campo. Ele “cresceu em torno da natureza, com os olhos muito abertos ao mundo que o rodeava”, e isso se expressa na abundância de imagens que emprega em sua fala, adornada com elementos de seu espaço circundante: os pássaros do céu, as anêmonas das colinas de Nazaré, as ramas das figueiras, a beleza do sol e a força das chuvas. O seu estilo de vida difere dos ascetas do deserto, pois vem marcado pela vontade de vida e pelo toque festivo. Com ele convivem, sem discriminações, os pecadores, excluídos e prostitutas. Todos se admiram com o seu potencial de alegria e esperança. Dedica-se a algo que João Batista nunca fez: “curar enfermos que ninguém curava; aliviar a dor das pessoas abandonadas, tocar os leprosos que ninguém tocava, bendizer e abraçar as crianças e os pequenos”. Sua palavra-poesia era um sedutor convite para “olhar a vida de forma diferente”. Todos sentiam-se tocados e fascinados com sua presença e mensagem. Estavam diante de alguém que foi apoderado pela força singular do reino de Deus. Pagola define a Jesus como um “buscador de Deus”, um “profeta do reino de Deus”. É ao reino de Deus que ele dedica suas forças e sua vida inteira: trata-se do núcleo essencial de sua pregação, de sua convicção mais arraigada, que movimenta sua paixão e atividade. A mensagem profética de Jesus impressionava particularmente os excluídos. A sua forma de apresentar e falar de Deus “provocava entusiasmo nos setores mais sensíveis e despossuídos da Galiléia. Era o que necessitavam ouvir: Deus se preocupa com eles”. Mediante a linguagem poética, Jesus, na linha dos grandes profetas, encontrava a força e o vigor para “sacudir as consciências e despertar os corações para o mistério do Deus vivo”. Jesus apresenta a todos um Deus compassivo, de entranhas de misericórdia, que acolhe com alegria a todos que necessitam de ajuda. Além de “poeta da compaixão”, Jesus é também “curador da vida”: alguém que contagia saúde e vida, e junto a ele não há lugar para a tristeza ou solidão. Em seu itinerário de defesa dos últimos, sublinha que o caminho que conduz a Deus passa, sobretudo, pela compaixão com os pequenos e excluídos. O código que marca sua vida é o da compaixão: sua experiência de Deus não leva à exclusão ou isolamento, mas à hospitalidade e acolhida. Assim o fez com os pecadores e publicados, e também com as mulheres, que sempre receberam dele viva acolhida. As mulheres formavam parte do grupo que o seguia desde o princípio e a ele permaneceram fiéis, tendo uma presença bem significativa nos últimos dias de sua vida. Como assinala Pagola, as mulheres permaneceram fiéis a Jesus todo o tempo, assumindo um papel protagônico na dinâmica da fé pascal. Não há como explicar a atuação profética de Jesus sem captar o mistério de sua relação amorosa com Deus. Para Jesus, Deus não se reduz a uma teoria, mas é uma Presença que o transforma interiormente e faculta a tonalidade de sua vida de abertura e compromisso com os outros. A Deus, como Pai, dedica sua oração nos momentos cruciais de sua caminhada. Jesus sempre se dirige a Deus como “Pai”, com quem partilha confiança e intimidade. É o Pai do céu, que “não está ligado ao templo de Jerusalém nem a nenhum outro lugar sagrado. É o Pai de todos, sem discriminação nem exclusão alguma. Não pertence a um povo privilegiado. Não é propriedade de uma religião. Todos podem invocá-lo como Pai”. O mistério de Deus é vivido por Jesus de forma peculiar: nele encontra o “melhor amigo do ser humano” e o “amigo da vida”. Viver hoje o seguimento de Jesus é dar continuidade a esse sonho de fraternidade, irmandade e comensalidade. Para tanto, faz-se necessário colocar no centro de nossa mirada o horizonte do reino de Deus, que é o único absoluto. Nesse tempo de forte centralidade eclesiológica, há que buscar uma “eclesiologia negativa”, ou uma “teologia da igreja em tom menor”, como bem mostrou o teólogo Edward Schillebeeckx. Uma eclesiologia menos gloriosa e mais humilde, de modo a poder afinar os ouvidos e o coração para se envolver na rica melodia da alteridade. O belo livro de Pagola é um sinalizador positivo desse novo caminho a ser trilhado.O segredo de um fascinante galileu
terça-feira, 13 de abril de 2010
O segredo de um fascinante galileu
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário