Mística e Nova Era
Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF
Para introduzir a reflexão, faz-se necessário,
inicialmente, delimitar a compreensão do termo mística. Etimologicamente, o
termo deriva de myein (fechar os
lábios ou os olhos). Em seu sentido clássico, a expressão diz respeito à
“experiência fruitiva de um absoluto” (Gardet 1970: 7). O horizonte da mística
é a união do humano com o mistério maior, a experiência que liga o espírito
humano ao Espírito infinito. Mas a mística não envolve apenas o destino ou a
meta unitiva, mas também o processo de despojamento que prepara esse momento
singular, ou aquilo que flui do Mistério na dinâmica processual do ser humano
em sua dinâmica de descentramento. A experiência radical do ser humano na sua
relação com o real, ou sua experiência integral da realidade, é já experiência mística.
Como sublinha o pensador catalão, Raimon Panikkar (1918-2010), o contemplativo
não é alguém que está fora do mundo ou que dele escapa, mas alguém “que
simplesmente ´senta`, simplesmente ´é`, vive. A contemplação é o respiro mesmo
da vida” (Panikkar 2008:51).
No intuito de buscar captar a dimensão mística da Nova Era,
há que entender primeiramente as razões que motivaram a sua emergência. Os
antecedentes desta experiência podem ser descortinados já na década de 1950,
com o movimento contestatório da contracultura e toda a dinâmica e estética
libertária que se seguiu. Mudanças ocorreram em muitos campos, desde o
comportamento sexual, a organização da vida familiar, o estilo de vida e as
formas de comunicação. Também no âmbito dos valores espirituais ocorreram
transformações substantivas, com a afirmação de outras perspectivas
suscitadas pela abertura à literatura beat,
filosofia e religiões orientais.
O surgimento da Nova Era acompanha o forte desconforto
espiritual que é marca peculiar das sociedades pós-tradicionais. Ocorre o
enfraquecimento das autoridades da tradição, da fragilização da cadeia da
memória e o desencaixe dos antigos laços identitários. Desencadeia-se um
processo progressivo de desfiliação dos indivíduos e mudanças importantes na
compreensão de pertença social e cultural, incluindo também a religiosa. Os
vínculos, antes fundamentais, tornam-se agora mais fluidos, opcionais ou
revisáveis, de baixa consistência. Transformações importantes acontecem no
campo das religiões, impactadas pelos efeitos impressionantes da modernidade,
em particular a individualização e a globalização. E os indivíduos, que antes
se inseriam com mais tranquilidade nesse campo de nomização, passam agora a
viver uma situação nova: “suas buscas identitárias e espirituais não podem mais
ser vividas como no passado, no seio de uma tradição imutável ou de um
dispositivo institucional normativo” (Lenoir 2012: 5).
A mesma modernidade que suscita uma crise da religião,
entendida como sistema de significações, provoca ou recria condições propícias
para a insurgência de novas utopias. Na medida em que fragmenta ou parcializa
as relações dos indivíduos, provocando solidão e anonimato, engendra também a
“nostalgia de reencontrar a unidade a qualquer preço. É como se o indivíduo não
conseguisse carregar o peso do desencantamento do mundo, pelo menos lá onde ele
é existencialmente atingido” (Valadier 1991: 78; Hervieu-Léger 2008: 41). A
Nova Era se insere nesse clima de desconfiança pós-moderna face às formas que
regem as religiões instituídas e racionalizadas. Com ela, a irradiação de um
outro modo de presença do religioso (ou de sistema de sentido), agora mais difuso
e hibridizado, com um traço bem menos exclusivo de pertença identitária.
Não há como entender a Nova Era como uma religião
específica, mas como um fenômeno que se relaciona com as modificações que
envolvem o campo dos comportamentos e
práticas religiosas no tempo contemporâneo. O que mais vale nesse circuito é o
“trato com o sagrado”, e com um recorte diferencial. A religião em si importa
menos, o que vigora é um “modo específico de relacionar elementos e rituais”
extraídos do patrimônio global dos recursos culturais e religiosos que indicam
um aprimoramento pessoal (Amaral 2000: 17). A Nova Era expressa caminhos
distintos de vivencia espiritual, com ênfase viva na dinâmica do eu. Hospeda-se
sem problemas traços de religiosidades diferenciadas, contornando as arestas
com uma artimanha peculiar, sobretudo a ideia de uma realidade interior comum
que preside as distintas expressões religiosas. Os participantes desta
“nebulosa místico-esotérica” são capazes de detectar uma sabedoria semelhante
em tradições religiosas ou espirituais que se entendem distintas, relativizando
assim as arestas ou pontos de discordância (Heelas 1996: 18).
A Nova Era pode ser melhor definida como um “circuito” de
práticas, ramificações, sedimentações e encontros. Trata-se de uma “nebulosa”
que reage ao mundo racionalista e seu discurso de certezas, sinalizando a
dinâmica de incerteza e imprecisão que pontua o tempo atual. A Nova era traduz,
na verdade, um estilo de ser que se deixa penetrar por significativa
heterogeneidade de expressões de sentido, mas reagindo sempre, e com
intensidade, aos comprometimentos identitários homogeneizados e rígidos. Embora
as atividades desse circuito estejam pontuadas pela heterogeneidade de fontes,
isso não significa que se reduzam “a um amontoado de práticas desconexas, mas
apresentam padrões e regularidades” (Magnani, 2000: 27)
Algumas ênfases “doutrinárias” podem ser destacadas, como a
centralidade da imanência, a abertura ao
meio ambiente e a dinâmica de construção aberta do mundo de sentido. O
participante desse circuito é na verdade um andarilho, um peregrino, sempre em
busca de novas articulações das virtualidades que vai encontrando pelo caminho,
somando e hibridizando aprendizados espirituais de diversas fontes, como as
religiões orientais, os conhecimentos esotéricos, as mitologias pré-cristãs, a
sabedoria dos povos originários e recursos oriundos do pensamento científico.
Esses buscadores espirituais, são “religiosos alternativos”, e como parte de
sua agenda o traço da experimentação, do “deslocamento permanente entre formas
de trabalhar a espiritualidade, em nome de uma busca sempre renovada de
experiências místicas” (Soares 1989: 137)
Referências
Bibliográficas
AMARAL,
Leila (2000). Carnaval da alma. Comunidade,
essência e sincretismo na Nova Era. Vozes, Petrópolis.
GARDET,
Louis (1970). La mystique. PUF, Paris.
HEELAS,
Paul (1996). A Nova Era no contexto cultural: Pré-Moderno, Moderno e
Pós-Moderno. Religião e Sociedade
17/1-2: 15-32.
HERVIER-LÉGER,
Danièle (2008). O peregrino e o
convertido. A religião em movimento. Vozes, Petrópolis.
LENOIR,
Frédéric (2012). Les métamorphoses de la foi. Le monde des religions 55: 5.
MAGNANI,
José Guilherme (2000). O Brasil da Nova
Era. Jorge Zahar, Rio de Janeiro.
PANIKKAR,
Raimon (2008). Mistica pienezza di vita
– Mistica e spiritualità, tomo 1. Jaca Book, Milano.
SOARES,
Luiz Eduardo (1989). Religioso por natureza: cultura alternativa e misticismo
ecológico no Brasil. In: LANDIM, Leilah (Ed). Sinais dos tempos. Tradições religiosas no Brasil. ISER, Rio de
Janeiro.
VALADIER,
Paul (1991). Catolicismo e sociedade
moderna. Loyola, São Paulo.
(Publicado
em inglês: Encyclopedia of Latin American Religions – 28 Jul 2015 – Online ISBN
– 978-3-319-08956-0)