O grito de GAIA: uma luta que é nossa
Faustino Teixeira
PPCIR - UFJF
Acabo de assistir, emocionado, ao lindo Colóquio “Os mil nomes de Gaia”. Não pude estar no Rio para participar, como era o meu desejo, mas pude acompanhar quase integralmente as conferências, mesas e debates que se realizaram na Casa de Rui Barbosa durante toda essa semana. Pude não apenas assistir passivamente, mas pude deixar-me penetrar pelas questões, deixar-me hospedar pelos desafios que foram apresentados. Digo que saio muito enriquecido na reflexão, ainda mais eu que busco trabalhar com alegria o tema do DIÁLOGO. O Colóquio tocou para mim no cerne das grandes questões. Infelizmente, nós aqui no Brasil estamos distante deste debate. Como disse com acerto Viveiros de Castro agora na sessão de encerramento, este é o tipo de evento que não se pode divulgar no Brasil, pois fere interesses da Besta Fera, algo que não ganha acolhida pois estamos mergulhados e afogados numa “colisão de indiferença”. Disse ainda que a intenção original era publicar ao final uma reclamação do Rio, de Botafogo, contra tudo o que vem ocorrendo no mundo, e em particular em nosso país: cada árvore derrubada, cada espécie dizimada, cada indígena calado ou massacrado, cada território penetrado com a gana do “capitaloceno”, que tem uma sede monstruosa: e que quer arrancar de nós a última gota do petróleo, o último minério que ainda resiste em nosso subsolo. Tudo muito triste, mas que não apaga em nós a iracúndia sagrada de uma resistência para fazer brilhar a voz dessa “faixa de Gaia” sobrevivente, que luta com vigor em favor “do que de mundo nós – os humanos – deixamos a ele”. Junto com Eduardo Viveiros de Castro estava também na mesa final, a grande pensadora Isabelle Stengers, que fez a última conferência. Ela estava visivelmente emocionada. E a primeira coisa que ela lembrou foi de uma pergunta feita por uma participante do evento num dos dias, estarrecida: “Será que vocês tem filhos?”. E por que disso. Isto em razão de sermos parceiros e cúmplices dessa violenta “dor do mundo”, “dor do planeta”. Dizia, com base numa reflexão de Débora Danowski, que um dos maiores aprendizados é aquele que nos permite ouvir a voz do longínquo, do distante, do diferente. O colóquio pôde abrir esse espaço: de deixar-se habitar pelo outro, que é um dos pontos nevrálgicos de qualquer DIÁLOGO. Nesse “mundo em suspense”, graças às forças que não conseguimos nomear, temos por sorte essa presença “intrusa” de Gaia, que entra perturbando o berço esplêndido do antropoceno ou do capitaloceno: alguém que responde, “de modo brutalmente implacável à transcendência igualmente indiferente, porque brutalmente irresponsável do Capitalismo”. Essa moça Gaia vem nos convocar, impiedosamente, à resistência, à sobrevivência. Como dizem Déborah e Eduardo, ela traduz “um chamado para que resistamos à barbárie que vem”. Ela nos convoca à uma ação estranha, a um “cuidado” estranho, que é o de “resistir ao Antropoceno, isto é, aprender a viver com ele (e como é difícil isso!!!) mas contra ele, isto é, contra nós mesmos. O inimigo, em suma, somos ´nós`”. Em sua fala final, impactante, Isabelle Stengers se pergunta: “O que nós fizemos? Como vamos responder as questões lançadas por nossos filhos e netos a respeito do que deixamos como herança... essa MALDITA herança. E com aquele olhar vivo e sombrio dizia: “Eu hesito entre a vergonha e o pesadelo”. Como sobreviver e manter aceso um sonho, se é que isto é possível? Será que buscando aliados dentre os monstros, ou habitando o ventre do Monstro para resgatar alguma possível aliança (será que isso é possível?). E o triste nisso tudo, é que nossos companheiros intelectuais, ou os cientistas tecnocratas, acabam se aliando à dinâmica necrófila do Antropoceno. A eles, diz Isabelle, falta a imaginação, uma carência que foi cuidadosamente cultivada e acalentada na academia. A imaginação que se requer dos povos de Gaia é diferente, é uma imaginação que nos convoca à contra-mão, que nos ajude a “deserdar” de tudo isso. Não queremos e não devemos, como eles, dar continuidade à morte do mundo. Eles são “matadores de mundo”, nós não, pelo menos não pretendemos. Eles são intelectuais orgânicos de um saber problemático, pois cultivam “potências de agir estranhas” que acabaram povoando o mundo e recebendo o aplauso trágico de seus semelhantes. Isto sim é triste!!! Nós, que nos aliamos ao grito de Gaia buscamos uma lucidez distinta, que mantenha viva a perspectiva de continuidade de mundo, mas sob outros parâmetros. Para finalizar, digo que saio engrandecido com toda essa reflexão. Uma semana que povou o meu mundo interior e que despertou uma alegria que não é ingênua, pois é também tecida por essa dor do mundo, mas que não se deixa vencer por ela.