sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O pluralismo religiso como desafio para a teologia

O pluralismo religioso como desafio para a teologia

 

Faustino Teixeira

PPCIR-UFJF

 

O inclusivismo religioso tem raízes profundas e solidificadas na tradição teológica cristã. É muito difícil romper essa impermeável barreira que obstaculiza a abertura sincera para as outras tradições religiosos, no que elas tem de irredutível e irrevogável. Não há como honrar a singularidade das religiões mantendo uma perspectiva de superioridade, seja explícita ou mais sutil. Nesses últimos decênios temos verificado no âmbito da conjuntura eclesiástica católica uma crescente afirmação de posicionamentos que confirmam essa perspectiva restritiva. Vale mencionar a homilia proferida pelo papa Bento XVI na abertura da Assembléia Especial para o Médio Oriente, em 10 de outubro de 2010. O papa reconhece a presença de uma salvação universal, que passa porém por uma “mediação determinada, histórica: a mediação do povo de Israel, que depois se torna a de Jesus Cristo e da Igreja”. Há uma “porta” definida e necessária para que o evento da salvação aconteça de fato. Essa idéia é recorrente e firmada na tradição católico-romana, com um significativo aporte da reflexão teológica. São poucos os teólogos que se aventuram numa reflexão distinta, e aqueles que o fazem encontram duras barreiras para a continuidade de sua “livre” reflexão. Vivemos, infelizmente, um tempo marcado pela afirmação das identidades, e não da disponibilidade dialogal. O caminho tradicionalmente traçado vai na linha da exigência evangelizadora explícita, ou de uma nova evangelização, para tentar frear a crise que envolve o campo cristão nessa alvorada do terceiro milênio. A recente criação de um Pontifício Conselho para a Nova Evangelização é expressão desse novo momento, como uma exigência que deve animar corações e mentes.

Nós, que acreditamos num pluralismo de princípio caminhamos numa direção distinta. A idéia que nos anima é a do “inacabamento”. Estamos todos envolvidos numa “sinfonia sempre adiada”, para utilizar uma rica expressão de Christian Duquoc. Não há possibilidade de garantia alguma de posse da verdade ou do mistério. A verdade não é algo de que nos apropriamos como garantia, mas um mistério sempre aberto, pelo qual nos devemos deixar possuir (DA 49). Todas as religiões são “fragmentos” animados de forma diversificada por uma Presença Espiritual que é permanente surpresa. Trata-se de uma ilusão imaginar que cada um desses fragmentos está destinado a encontrar o seu acabamento numa dada tradição religiosa. Todos eles estão envolvidos pela maravilhosa liberdade do Espírito, que indica caminhos que são misteriosos e inusitados. Nada mais problemático que defender uma assimetria de princípio. Uma tal assimetria não consegue abarcar a “extraordinária diversidade das tradições” e muito menos honrar a dignidade da diferença. Na perspectiva defendida por aqueles que acreditam numa complementação, realização ou acabamento, o que há de valor nas outras tradições religiosas é sua “capacidade de abrir-se positivamente àquilo que ignoram”. Não se dá aí um respeito à sua identidade única e intransponível.

Para os que defendem um pluralismo de princípio, há uma convicção firmada de que Deus atua na história através de mediações distintas e diversificadas. E isso não prejudica em nada o compromisso que cada um deve assumir com a sua experiência específica de Deus. Como sublinhou Roger Haight, “a experiência cristã do que Deus fez em Jesus Cristo não se afigura diminuída pelo reconhecimento do Deus verdadeiro atuante em outras religiões”. Não há por que concentrar a mediação fundamental da presença salvífica de Deus numa única instância, ou numa única “porta”. O reconhecimento da verdade das religiões implica, necessariamente, uma abertura para percebê-las como canais verdadeiros da presença gratuita e misteriosa de Deus. As religiões são mediadoras da salvação de Deus. Se para o cristianismo a mediação basilar da presença e da salvação de Deus à humanidade vem identificada com a pessoa de Jesus, e isso define existencialmente e confessionalmente a perspectiva cristã, isso não exclui outras formas dessa mediação divina na dinâmica das outras religiões. A mediação pode ser ali um livro, um evento, um ensinamento ou uma práxis. Há, portanto, diversos caminhos de acesso ao Mistério maior, que os cristãos nomeiam como Deus. Há ainda que acrescentar que o reconhecimento da presença do Mistério Maior nos outros confere uma nova perspectiva para a identidade. Não há como firmar a identidade religiosa num tempo plural, excluindo o apelo que vem do mundo do outro. A fé cristã, por exemplo, como mostrou Adolphe Gesché, necessita de uma interface ou de um “lugar fora de sua residência” para o exercício de sua realização. Ela se vê hoje desafiada não apenas pelo diferenciado mundo das religiões, mas também pelo enriquecedor universo das distintas opções espirituais, sejam religiosas ou não.

 

 

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