domingo, 30 de julho de 2023

Marta e Maria: Ação e Contemplação

 Marta e Maria: Contemplação e Ação

 

A liturgia católica celebrou ontem, sábado, dia 29/07/2023, as irmãs Marta e Maria. Gostaria de dizer algumas palavras que me tocam ao refletir sobre as duas irmãs e sua relação com Jesus. Tenho aqui como base o belo livro de Bernard McGinn sobre Mestre Eckhart, o homem a quem Deus nada esconde (original inglês de 2001 e tradução francesa pela CERF em 2017). Não temos, infelizmente, a tradução portuguesa dessa obra.

 

Em sua obra sobre Mestre Eckhart (A mística de ser e de não ter – Vozes, 1983), Leonardo Boff já havia tratado do tema de Marta e Maria e mencionado a tese eckhartiana do carinho especial de Jesus por Marta, invertendo a clássica forma de trabalhar a relação entre vida contemplativa e vida ativa. Ao dar preferência a Marta, segundo o Sermão Alemão 86 do mestre renano, Eckhart teria aberto um caminho bonito para uma “mística da libertação”. Como diz Boff, “a mística, por mais que irrompa para cima, não perde as raízes de baixo”).

 

No mencionado Sermão 86 de Eckhart, que trata da passagem bíblica de Lc 10, 38-40, o místico reconhece a beleza contemplativa de Maria, mas sublinha que Marta “possuía plenamente tudo o que é bem temporal e eterno e tudo que a criatura deveria possuir”. Na visão do mestre renano, Marta era cuidadosa. Ela estava junto das coisas, mas as coisas não estavam nela, pois já tinha vivido com grande riqueza uma mudança interior. Ela estava “assentada numa virtude esplêndida, madura e sólida, num ânimo livre, desimpedida de todas  as coisas”. Daí sua vontade de que sua irmã, Maria, pudesse igualmente estar “assentada no mesmo vigor”. Marta, como lembra Eckhart, havia tocado o mistério da essência, e lidava com a vida de forma essencial. E concluía: “Só quando os santos se tornam santos que começam operar virtudes”.

 

A tradição mística anterior, inaugurada por Agostinho e retomada posteriormente por Gregório, o grande e Bernardo de Claraval, davam proeminência à vida contemplativa. Eckhart equilibra esta tradição acentuando o valor evangélico da prática. Ele rompe com o modelo tradicional em seu Sermão 86, acentuando com vigor a “unidade do agir” no caminho da perfeição no tempo. A grande novidade trazida por Eckhart, segundo Mc Ginn, é ter audaciosamente afirmado para o seu tempo “um novo gênero de ação, proveniente de um fundo bem exercido”. Ou seja, Marta tinha avançado ainda mais em razão de estar habitada por um “fundo bem exercido” (wol geübeter grunt). Com isso, Eckhart sublinha o valor único de uma “prática bem exercida”, que busca sua razão de ser no fundo da alma exercitado. 

 

Marta é alguém profundamente livre, que se encontra envolvida nas coisas, mas não se deixa envolver por elas, porque passou por uma experiência interior nobre de desapego e disponibilização ao outro. É um Sermão bonito que nos faz pensar de forma nova a relação entre tempo e a eternidade. A eternidade passa a ser compreendida não como algo que está além, mas como a “plenitude no tempo”. Marta é um espírito livre (vriên gemüete) e sua vida está enraizada num fundo resplandescente (ein hêrlîcher grunt), e está habitada pelo único necessário (Lc 10,42). 

 

Daí entendermos bem uma Teresa de Ávila quando trata em suas Fundações o tema do "avanço espiritual". Acalma suas irmãs ao indicar a elas sobre as ocupações que o Senhor convoca no sentido da Obediência e Caridade. O bonito assombro está em perceber os caminhos de obras que a verdadeira obediência provoca nos seguidores de Jesus, convocando-os "a cuidar das coisas exteriores", pois "mesmo na cozinha, entre as panelas, o Senhor vos está ajudando interior e exteriormente" (Fundações, Capítulo V,8).

 

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Os passos do diálogo na dança da vida

 Os passos do diálogo na dança da vida

 

Faustino Teixeira

UFJF / IHU / Paz e Bem

 

“Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver”

 

Gilberto Gil

 

 

Em minhas publicações mais recentes, tenho trabalhado com afinco o tema da mudança de paradigma que envolve a reflexão contemporânea com os passos relacionados aos saltos animal e vegetal. Podemos também falar na emergência de reflexões que ampliam ainda mais o quadro quando abordam a presença contagiante dos fungos e bactérias, que não estão nem no reino animal ou vegetal, formando um reino à parte, vigoroso e potente. Sabemos hoje, por estudos recentes, que dentre os 2,2 ou 3,8 milhões de espécies de fungos, somente uma parcela reduzida, de 6%, foi descrita. Eles representam “seis a dez vezes o número de espécies de plantas existentes” (SHELDRAKE, 2021, p. 19). Fornecem “a chave para compreender o planeta que vivemos e a maneira como pensamos, sentimos e nos comportamos”, embora , em sua grande parte não esteja ao alcance dos olhos.

 

Em tempos de “viradas” fundamentais, percebemos também um processo interessante em nosso tempo de uma nova percepção também dos minerais, inclusive com antropólogos aventando, com base na percepção dos povos originários, a dinâmica de vida que rege esse mundo particular. Já em tempos atrás acompanhamos a trajetória reflexiva de Teilhard de Chardin, revelando a dimensão espiritual da matéria. Desde criança, o místico e paleontólogo jesuíta manifestava o seu apreço e admiração profunda pela matéria e o gosto pelo geológico. No seu hino à matéria, expressava toda sua simpatia:

 

“Bendita sejas, tu, áspera matéria, gleba estéril, duro rochedo, tu que não cedes a não ser pela violência, e nos forças a trabalhar se quisermos comer (...). Eu te saúdo, potência universal de aproximação e de união, através da qual se liga a multidão das mônadas e na qual convergem todas sobre a rota do Espírito” (CHARDIN, 1994, p. 72-73).

 

Teilhard sentia-se atraído pelo “sentido de plenitude” que a matéria manifestava para ele, deixando-se contagiar por uma Presença profunda, ontológica e vital que captava no Universo ao seu redor. Dizia que “para compreender o Mundo , o saber não basta; é preciso ver, tocar, viver na presença, beber a existência quente no próprio seio da Realidade”(CHARDIN, 2007, p. 17 e 68).

 

Essa sedução e apreciação da Matéria vemos também em outras tradições religiosas, como no Budismo Zen, com Mestre Dogen (1200-1253) e a tradição Soto-Zen. Elementos da Matéria, como as montanhas, os rios e os vales, ganham em sua pena uma valorização única, e se realizam como Presença. Tudo está repleto de vida e movimento, como indicou com precisão em vários capítulos de seu Shôbôgenzô (A verdadeira Lei, tesouro do Olho). Em sua visão, a Natureza está profundamente ligada ao movimento do despertar. E tudo que ocorre no espaço da matéria reverbera por todo canto: “Uma flor eclode, e o mundo se levanta” (DÔGEN, 2005, p. 222). No capítulo-livro do Shôbôgenzôque trata das montanhas e rios como sutras, o Sansuikyô, o mestre sinaliza que aqueles que não tem olhos para captar o movimento e a vida das montanhas deixam de perceber o seu próprio movimento (DÔGEN, 2005, p. 103-104).

 

Na reflexão antropológica atual vemos a emergência dessa ocular com autores singulares como Eduardo Kohn (KOHN, 2017) e Tim Ingold (INGOLD, 2015). Retomando a perspectiva do cosmos anímico, Ingold vai destacar a presença vital que habita o sol, as árvores e o vento. Toda a matéria vem energizada pela presença da vida e do movimento. Como ele diz, “onde quer que haja vida, há movimento” (INGOLD, 2015, p. 122-123). Na “textura do mundo da vida” o que existe é uma magnífica teia que liga tudo e provoca contágios fabulosos e inauditas relações. Uma esplêndida teia de nós. Todo o ambiente que nos rodeia e no qual vivemos não é somente uma paisagem a se ver, mas um mundo a ser habitado e cuidado com atenção e reverência. É um mundo que reverbera. 

 

Em peculiar linha de reflexão que podemos associar à “virada mineral”, encontramos a filósofa e antropóloga Elizabeth Povinelli, sobretudo no último livro de sua trilogia, que começou com a obra Império do amor, sendo seguida por outra, Economias do abandono. No terceiro volume, Geontologias[1], a autora trabalha com três figuras singulares para lidar com o tema das “existências entrelaçadas” no tempo do liberalismo tardio[2]. São elas a figura do deserto, do animista e do vírus. 

 

São figuras que recorre para poder entender o tema da geontologia, que "passa a cumprir um papel maior na governança do nosso pensamento" no tempo atual. 

O deserto tem como seu imaginário central o carbono. Ele é "o espaço em que já houve vida, não há mais, mas poderia haver se conhecimentos técnicos e recursos fossem devidamente administrados" (POVINELLI, 2023, p. 41-42). 

 

A segunda figura é a do animista, que está relacionada com o "imaginário da indigineidade”. É uma perspectiva que vem defendida por autores contemporâneos, como Tim Ingold, Philipe Descola e Bruno Latour. Enquanto o deserto “dramatiza o perigo constante que a Não Vida representa para a Vida, o Animista insiste que a diferença entre Vida e Não Vida não deve ser vista como uma questão, já que todas as formas de existência carregam em si uma força vital de ânimo e afeto". O animista, revela a autora, "caminha de trás para a frente, rumo à pré-história do humano, da vida, ao inerte e como coisa inerte” (POVINELLI, 2023, p. 43 e  270) 

 

A terceira figura, a da vírus, tem como imaginário central o "terrorista". Como diz a autora, "o vírus é a figura daquilo que procura interferir nos arranjos atuais da Vida e Não Vida e afirma ser uma diferença que não faz diferença". A sua ação é marcada por um ritmo dificilmente controlável: ele “copia, duplica e permanece dormente, ao mesmo tempo que se ajusta continuamente às circunstâncias, experimentando e realizando testes” (POVINELLI, 2023, p. 45).

 

Estamos vivendo hoje esse império do terror dos vírus, que se adaptam continuamente, com novos campos de resistência e ação letal. Novas epidemias estão por vir, como lembrou Hélio Schwartman em sua coluna da FSP, de 13/07/2023:

 

“As leis da biologia asseguram que vírus e bactérias evoluem em ritmo mais acelerado do que o de seres cujo ciclo reprodutivo é mais longo. E sempre que certos patógenos assumirem formas suficientemente novas para ludibriar nossos sistemas imunes, teremos epidemias”[3].

 

Retomando o fio da meada, o que há na vida como um todo é uma “rede emaranhada”, como bem apontou Alexander von Humboldt. Os organismos estão todos conectados. Em sua encíclica sobre o cuidado da Terra, o papa Francisco captou essa inter-conexão, e a mencionou diversas vezes (FRANCISCO, 2015, p. 15, 34, 75 e 96)[4].

 

“É dentro desse emaranhado de trilhas entrelaçadas, continuamente se emaranhando aqui e se desemaranhando ali, que os seres crescem ou ´emanam` ao longo das linhas das suas relações. Este entrelaçamento é a textura do mundo” (INGOLD, 2015, p. 120-121).

 

 

Nossa ocular se transforma quando somos capazes de perceber a riqueza do arranjo do mundo, que envolve uma dinâmica correlacional singular, que nos possibilita ver “as infinitas formas de grande beleza”, como mostrou com razão Charles Darwin ao final de sua obra Origem das espécies.

 

Com as viradas animal, vegetal e mineral nos situamos diante de uma mudança radical de paradigma, que coloca em questão não só o antropocentrismo humano tradicional e todas as formas de excepcionalismo que acabam por dissolver a riqueza da diversidade e o nexo colaborativo entre as “espécies companheiras”. 

 

O papa Francisco captou bem esse novo horizonte, indicando a centralidade dessa interligação entre todas as coisas, reiterando um dado que é fundamental que é a condição de “terra” do ser humano. Sem dúvida, nós somos terra e o nosso corpo “é constituído por elementos do planeta” (FRANCISCO, 2015, p. 3). Como lembrou Leonardo Boff, o corpo humano 

 

“é formado pelo pó cósmico, circulando no espaço interestelar há bilhões de anos, antes da formação das galáxias, das estrelas e dos planetas, pó esse provavelmente mais velho que o sistema solar e a própria Terra. O ferro que corre pelas veias do corpo, o fósforo e o cálcio que fortalecem os ossos e os nervos; os 18% do carvão e os 65% de oxigênio mostram que somos verdadeiramente cósmicos” (BOFF, 1999, p. 142).

 

Há um mundo inter-relacional que se apresenta sob os nossos pés, com as impressionantes teias criadas pelos fungos, com suas hifas quilométricas que ligam as árvores entre si, num mundo cosmopolita de dádiva e cooperação. O que existe por todo canto é uma cidade cosmopolita subterrânea de transações únicas, que infelizmente escapam ao olhar humano (TSING, 2019, p. 43-44). 

 

As teias micorrízicas são compostas por “linhas de desterritorialização”, onde não se pode identificar onde está o seu começo ou o seu fim. Elas “fogem” sem parar, num jogo de equilíbrio que é excepcional. São linhas interligadas, que se remetem umas às outras. Não há também como querer buscar um fundamento para o que existe no mundo subterrâneo. Vigora um mundo de conexão e sabedoria, mas isento de qualquer teleologia. Não há ponto de destaque, mas apenas “devires” (DELEUZE; GUATARI, 2017, p. 25-26, 48-49).

 

O que provoca ainda mais admiração é perceber a capacidade desses seres invisíveis sobreviverem nas mais difíceis condições. Como diz Sheldrake, “poucos ambientes são extremos demais para os fungos”. Eles resistiram bravamente a todos os eventos de extinção que já ocorreram na Terra, e permanecem sobreviventes (SHELDRAKE, 2021, p. 13 e 202-203). E, ao contrário do que se imagina, mesmo sem cérebro, são dotados de uma singular cognição ou inteligência, com capacidade “de comportamentos sofisticados que nos levam a repensar o significado de ´resolução de problemas`, ´comunicação`, ´tomada de decisão`, ´aprendizado` e ´memória`” (SHELDRAKE, 2021, p. 25).

 

É um traço que provoca admiração e “espanto” a complexidade que envolve as transações e colaborações na vida interespécies, a riqueza das interconexões estabelecidas. São exemplos vivos de sobrevivência, tenacidade e resistência para os seres humanos. 

 

Hoje percebemos igualmente que o nosso próprio organismo vem habitado por esses seres invisíveis, a ponto de admitirmos que somos mais micróbios que humanos, uma vez que apenas 43% das células que nos habitam são humanas, as demais são microbiomas. Eles perfazem cerca de 2 a 20 milhões de genes no nosso organismo. Os seres humanos estão, como vimos, profundamente conectados ao ambiente mais amplo, e em si mesmo são “constituídos por outros seres” (SAGAN, 2021, p. 97).

 

O mundo dos micróbios é bem mais antigo do que o nosso, bem como mais maleável, adaptável e mutável. Os micróbios são fundamentais para nós, na medida em que atuam para que o nosso corpo funcione corretamente, regulando a digestão e protegendo o nosso organismo das diversas patologias; eles igualmente elaboram e transformam “as macromoléculas dos alimentos que os enzimas humanos não conseguem digerir” (RESCIGNO, 2023, p. 18-19)[5].

 

Em artigo revelador, Alessandra Barbosa Ferreira Machado (e outros), aborda a diversidade do mundo microbiano. Assinala que “a idade de Terra é de 4,6 bilhões de anos. Os cientistas dispõem de evidências que as células surgiram na Terra há 3,8 a 3,9 bilhões de anos. Esses organismos eram exclusivamente micro bianos e, por muito tempo, foram a única forma de vida na Terra” (FERREIRA et al, 2021, p. 1). Eles constituem o grupo de organismos mais abundantes e diversos presentes no nosso planeta. Constituem os ancestrais dos organismos multicelulares. Formações microbianas foram encontradas em “massas microbianas fossilizadas em rochas de 3,5 bilhões de anos”. (FERREIRA et al, 2021, p. 2). São formações denominadas estromatólitos, e que revelam a longevidade da vida microbiana no planeta.

 

Com respeito aos microscópicos hóspedes que estão presentes no nosso corpo, sobretudo as bactéria, eles estão instalados sobretudo no intestino, mas igualmente na  boca, na cavidade nasal, na faringe, no trato urogenital e na pele. Encontram-se em menor quantidade no estômago, em razão do ambiente mais hostil, com a presença de enzimas peculiares e ácidos. 

 

Além das bactéria, que estão em número bem maior, nosso organismo também vem habitado por fungos, vírus e archaeas, que são organismos unicelulares iguais às bactérias. A evidência da presença de fungos em nosso organismo é uma descoberta mais recente, ainda que estejam presentes em número bem menor que as bactérias. São, porém, componentes importantes em nosso organismo, ajudando em processos como a digestão e outros mecanismos de integração do comportamento humano (FERREIRA et al, 2021, p. 11)[6].

 

Toda essa composição ganha o nome de microbiota humana, que deriva de duas expressões gregas: myco(fungo) e bios(vida). Em cada ser humano, ela traduz a presença de trilhões de células, cuja maioria são de bactérias localizadas no intestino. A flora intestinal vem enriquecida por essa presença benfazeja, fundamental para o equilíbrio da saúde. A microbiota vem, em parte, transmitida pela mãe ao feto no momento do nascimento. Uma microbiota harmônica é fator de saúde, mas podem também ocorrer desequilíbrios, que implicam uma disbiose, com consequências que podem ser graves para as pessoas. 

 

Os estudos em curso sobre a microbiota estão promovendo uma verdadeira revolução no mundo da medicina, mas também na compreensão da vida em seu significado mais amplo. Esses “povos de fronteira” que nos habitam revelam também um traço que é fundamentalmente dialogal. Um diálogo que procede no nosso mundo interior. Mais um dado para comprovar o que o papa Francisco falou certa vez, ao dizer que “a diversidade é bela”. Entre o nosso organismo e os micróbios instala-se uma verdadeira aliança, marcada pela comensalidade e mutualidade (RESCIGNO, 2023, p. 22)[7]. Os micróbios inserem-se no organismo humano seja em forma pacífica e estabilizada (comensalidade), ou com uma atuação mais evidente e criadora (mutualismo).

 

Todas essas reflexões são fundamentais para a quebra da ideia de um antropocentrismo ou excepcionalismo humano. Estamos todos, sim, inseridos na teia da vida, participando de um diálogo que não tem fim. Palavras chave são interação e movimento. Tudo contribuindo para entender que não somos, de forma alguma, “diferentes de tudo que nos rodeia” (COCCIA, 2021, p. 119). Somos, como diz Harawai, seres da lama, compostos pelo tecido da terra. 

 

Tudo aqui apresentado traduz para nós uma bonita convicção que o ciclo do tempo nunca se encerra, e que estamos envolvidos numa viagem comum com outros seres, com as “espécies companheiras”,  com seus direitos característicos. Não há descontinuidade material do universo. A nossa carne não vem de outro lugar, senão do universo, e no universo ela vai encontrar novas modalidades de habitação, mesmo depois da “morte”. Como nos lembra Coccia, “todos os nossos átomos deram um corpo a milhares de vidas antes da nossa – humanas, vegetais, bacterianas, virais, animais – e darão realidade a outras numa dança que nunca poderá ser interrompida”( COCCIA, 2021, p. 126-127).

 

Como passo de conclusão, devo dizer que o diálogo, em todas as suas formas, foi sempre uma paixão na minha trajetória. Fui crescendo na compreensão do diálogo, de forma a envolver novas perspectivas, para além do diálogo entre as religiões, que permaneço vendo como essencial. Revelações novidadeiras ocorreram e ocorrem com os novos estudos que venho realizando, sinalizando que o diálogo acontece em vários patamares. A partir de minha inserção nesse campo, fui percebendo que há o diálogo ecumênico, inter-religioso, inter-espiritualidades, inter-convicções e agora me deleito com o tema do diálogo inter-espécies. E tudo isso ganha novos contornos com as reflexões que nos apontam que o diálogo se dá também dentro de nós, com esses invisíveis habitantes que interagem conosco e nos fazem crescer em equilíbrio e saúde.

 

Para entender o universo do diálogo, um texto fundamental nas minhas pesquisas foi escrito por um grande amigo, Marco Lucchesi, que com sua sensibilidade única encontrou as palavras certas para definir essa viagem bonita e novidadeira em direção ao mundo do outro:

“O estrangeiro bate à nossa porta. Não há outro caminho senão o diálogo: na energia crescente, no vínculo de relação que o constitui. O diálogo é um tesouro precioso, uma zona de aventura, espanto e inquietação.  O diálogo deve ser uma zona de passagem, um espaço potencial, uma cartografia inacabada, a que aderem as partes, ciosas de sua identidade, convidadas a pensarem sob uma nova luz. Sem proselitismo. Não para reduzir o outro, não para o convencer de que está errado, mas para aprender com ele, num caminho novo. O diálogo é um ponto de luz, uma porta de saída para o impasse, um gesto solidário. 
E o centro do diálogo reside na acolhida, na beleza do rosto que contemplo, no olhar do outro que me indaga e me convida a mover os lábios”[8].

Não há dúvida que o diálogo é essa “cartografia inacabada”, sempre aberta a inserir novos personagem, seja humanos ou não, numa viagem de descobertas e aprendizados, que, em verdade, nos ajudam a compreender a sua centralidade. Na esplêndida letra de Gilberto Gil, Tempo Rei, que é também para mim um mantra, podemos nos dar conta dessa beleza que vamos encontrando pelo caminho e que desvendam sempre novos horizontes de alegria e espanto:

 

“Tudo permanecerá do jeito que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos”.

 

Referências Bibliográficas

 

BOFF, Leonardo. Saber cuidar.  Ética do humano – compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

CHARDIN, Teilhard. Hino do Universo. São Paulo: Paulus, 1994.

CHARDIN, Teilhard. Il cuore della matéria. 3ª ed. Brescia: Queriniana, 2007.

DELEUZE, Gilles; GUATARI, Félix. Mil Platôs– V 1. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2011.

DÔGEN, Maître. Shôbôgenzô. Tome 1. Vannes Cedex: Sully, 2005.

FERREIRA, Alessandra Barbosa et al. MicrobiotaGastrintestinal. Evidências de sua influência na saúde e na doença. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rubio, 2021.

FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato si. Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015.

INGOLD, Tin. Estar vivo. Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis: Vozes, 2015.

SHELDRAKE, Merlin. A trama da vida. Como os fungos constroem o mundo. São Paulo: Fósforo/UBU, 2021

KOHN, Eduardo. Comment pensent les forêts. Le Kremlin-Bicêtre: Zones sensibles, 2017.

SAGAN, Dorian. Livro de seres invisíveis. Rio de Janeiro: Dantes Editora, 2021.

TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas. Paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.



[1]Elizabeth A. Povinelli. Geontologias. Um réquien para o liberalismo tardio. São Paulo: UBU, 2023, p. 50 (o original é de 2016).

[2]A autora busca diferenciar o liberalismo tardio do neoliberalismo. No primeiro, o que ocorre é “a governança da diferença” e no segundo “a governança dos mercados” (POVINELLI, 2023, p. 264). O traço peculiar do liberalismo tardio é a negociação que envolve o multiculturalismo e o extrativismo. Ele traduz sua ação por uma “governança específica da diferença e dos mercados”.

[4]As páginas citadas equivalem aos números 16, 42, 91, 92 e 117, onde Francisco menciona a interligação entre todas as coisas.

[5]Ver também: https://www.bbc.com/portuguese/geral-43716220(acesso em 24/07/2023).

[6]Artigo de Francis Moreira Borges et al. Microbiota: impactos na saúde e na doença.

[7]Da mesma autora, o livro: Microbiota, arma segreta del sistema imunitário. Milano: Vallardi, 2021.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Uma carta a Carlos Rodrigues Brandão

 Uma carta a Carlos Rodrigues Brandão, amigo peregrino


Faustino Teixeira

UFJF / IHU / Paz e Bem


Ao amigo querido, Carlos Brandão
Juiz de Fora, 11 de julho, numa tarde de inverno

Carlos, soube agora que você fez sua travessia, às 15:50 desta terça feira de inverno, depois de tantas vezes ter beirado a morte e ter conseguido manter-se firme na caminhada. 

Você me dizia que já tinha perdido cinco vidas, e tinha ainda duas pela frente. Sua última batalha foi contra a leucemia, a mesma doença que levou meu irmão André quando eu tinha treze anos. 

É uma doença difícil de enfrentar, e você foi corajoso e livre. Lidou com mais esse limite com a tranquilidade dos homens nobres. 

Estava todo o tempo consciente de que ela, a “indesejada das gentes”, estava mais próxima, mas com seu sorriso e luz, pedia ainda um tempo a mais para curtir o que você mais gostava que era a vida. 

É essa mesma vida que você continua a partilhar conosco, num momento novo de relação com o cosmos, que é sempre gratuidade, dom e luz. Continuará agora sua jornada cósmica na Rosa dos Ventos, que você sempre amou e fez irradiar a alegria para os seus.

O bonito é que sua travessia não foi solitária. Estavam juntos com você, os seus mais queridos: Maria Alice, André, Luciana e o neto Pablo. 

Numa tarde de terça feira, invernal, você foi agraciado pelo Mistério. A família pôde estar bem perto e consagrar o amor com as mãos de dádiva. 

Das mãos que você sempre falou de forma tão linda, como no poema beber: 

“Vê essa concha ? 
São tuas mãos.
Aperta os dedos com jeito,
mas que um pouco de água te escape.
Antes de tomar dá de bebera um grão do pó do chão, 
a um inseto
a uma folha seca, 
a um galho de canela
a um mito de outros povos,
a um duende
a um fio do vento, 
a um ar do sol
a uma criança e a um velho.
E depois bebe.
O que sobrou é a tua parte.
Bebe”-

Sim, amigo querido, esse foi sempre o seu jeito de ser. Aquela pessoa bonita, de militância singela e incansável. Ia por toda parte com seu bastão e seu sorriso, atendendo aos pedidos com admirável gratuidade. 

Você estava em todo canto, levando aos outros os desafios da educação popular, a pedagogia de Paulo Freire, os feixes da religião popular. 

Não conseguia ser um pesquisador comum, da academia tradicional, mas rezava junto com o povo, cobria-se com o manto da fé do outro, tirava suas sandálias para pisar firme e com cuidado na terra sagrada do outro. 

Li com emoção em seu maravilhoso livro, Sacerdotes de viola, como nasceu a vocação pelo trabalho popular. 

Inicialmente, começou pelo caminho da psicologia, na PUC do Rio. Ali, diante da “pilha de testes”, olhava para além da janela e percebia que a vida mesma “estava lá fora, além do bosque e da cidade”. 

Foi quando aconteceu a mudança inesperada, que despertou o militante do Movimento de Educação de Base. 

Como você mesmo disse, “de um dia para o outro, eu saí de uma sala de testes psicológicos para uma de ´animação popular`”. 

E assim começou a sua longa caminhada de andarilho social, animado pela coragem e pela atenção, pelo carinho único com a vida que jorra nas bases. 

Como você falou tão bem: “Foi então e aí que eu comecei a ver o mundo rural e os seus moradores de outro modo. Não eram mais a gente curiosa e alheia dos tempos em que eu ia com a família passar pedaços das férias em Itatiaia ou Petrópolis. Eram os companheiros do ´lado de lá` de nossas esperanças e nossa vocação. Aos poucos eu comecei a ser educado, onde pensava que era pago para ser educador”.

Em sua caminhada você era um verdadeiro pesquisador de campo, atento aos mínimos detalhes, e deixando-se comover pelas festas, folias, congadas que encontrava pelo caminho. 

As canções, os cantos, as danças, os provérbios, os modos de fala, tudo vinha recolhido com um carinho especial, servindo de matéria viva para as suas pesquisas, livros, aulas e reflexões. 

Você, amigo, trouxe para todos nós essa presença viva do mundo popular.

Foi no interior de Goiás, desde 1964, que você começou a viver a grande transformação interior, quando deixou-se habitar, sem reservas, pelos “deslumbramentos” do canto do povo e do canto das coisas. 

Não havia dia ou noite que estivesse fora de seu repertório de ouvinte atento, na comunhão com as folias de Santos Reis, com as Catiras, as danças de São Gonçalo e as Congadas. 

Você sabia ouvir dos mestres da religião o aprendizado essencial, que não está nos livros. E captava as lições essenciais: “É seu doutor, quem não sabe escreve, quem sabe dança”. 

Essas e outras tantas lições que fizeram de você um pesquisador diferente, domiciliado na academia com um jeito diferente de ser, que também causava perplexidade entre os pares, mas você estava muito além da espuma superficial das águas, viajando pela nervura do real. 

O seu trabalho de base em Goiás, junto com Dom Tomás e Eliseu Lopes, fez história, trazendo os dados essenciais que marcaram a vida das CEBs, com sua devoção encarnada na luta de transformação social. 

Vejo você, amigo querido, como alguém que ajudou profundamente a nós estudiosos das CEBs, a entender a complexidade do mundo da religião. 

Você dizia em sua tese doutoral, sobre Os deuses do povo, que não há melhor caminho que entender a cultura popular senão através da religião e da sabedoria do cotidiano. 

Você nos ajudou a montar o “mapa do sagrado”, o campo religioso brasileiro, com todas as suas peculiaridades e sincretismos. 

Você passou por momentos difíceis na experiência pessoal de fé, com dúvidas que são comuns a todos nós. Mas conseguiu entender com clareza, que o mais fundamental na experiência cristã não são os “penduricalhos” dogmáticos, mas o seguimento de Jesus. 

Quando você ouviu de Eliseu essa reflexão sobre o miolo verdadeiro da fé, você ficou ainda mais livre para trilhar o seguimento de Jesus e o caminho do evangelho da forma mais bonita como o povo vive. 

Nós dois sabemos de segredos bonitos que marcaram a sua trajetória final. Nos correspondíamos com frequência, e quando a dor serenava, você escrevia para mim e partilhávamos nossos sonhos e dores. 

Você me dizia com alegria única que estava agora, nesse tempo derradeiro, descobrindo os meandros da fé a partir da releitura de Teilhard de Chardin. 

Numa de suas últimas mensagens, me disse: “Dedico os momentos que posso para reler tudo o que puder de Teilhard de Chardin. Entre todos, é quem melhor me faz compreender o sentido da vida. E o da morte”. 

Com Teilhard você encontrou a coragem decisiva para dar o passo da travessia. 

Em tempos recentes, fizemos uma linda experiência com os alunos do PPCIR da UFJF, com um curso diferente, onde as pessoas foram convocadas a escrever sobre as razões de suas crenças e seu temores. 

Por uma semana de intensidade única, fomos tecendo juntos esse universo das experiências diferenciadas de fé ou descrença. 

No último dia, na Faixa de Gaia, todos pudemos partilhar nossas reflexões tecidas e vividas durante a semana. 

Foi um dia de emoção única, onde o choro se misturava com o sorriso e a vida mostrava a sua faceta mais fundamental. 

Você pôde nos mostrar, com dom maravilhoso, sua densidade de pedagogo. 

Depois do que ali ocorreu, nasceu a ideia do livro “Em que creio eu”, onde pudemos juntos recolher depoimentos de tanta gente bonita sobre a sua experiência de fé. 

Você dizia, com razão, que nós pesquisadores, somos especialistas em perscrutar a fé dos outros, mas não conseguimos expressar a nossa experiência pessoal. 

Com o livro abria-se um caminho novo, onde as pessoas, muitas delas surpresas, foram convidadas a partilhas suas experiências interiores. 

Ao final dessa tarde de luz, quando posso ainda uma vez conversar com você, gostaria de dizer, com alegria e lágrimas nos olhos, que pude viver uma experiência de profunda amizade. 

Fui brindado pelo dom de sua presença amiga, sendo correspondido por seu amor. 

Na mística, a gente encontra muitas experiências bonitas de amizade pura e singela, e sinto que nós dois participamos dessa embriagues do mistério em nossas partilhas de vida.

No último poema que você partilhou comigo, e que logo encaminhei para as orações declamadas do IHU, você falava da morte, e de uma forma sublime e tranquila:

Morte

"Quem és que me vens agora
nesta manhã do mês de maio de um ano que o calendário apaga?
É ainda a noite. Então porque tão claro
é este instante em que te busco e acho nada?
Que vulto és, que tens a cor do vento?
Que ser? 
Se te toco e nada encontro,
e se caminhas, pelo chão não deixas rastro
e se quando falas eu não te entendo?


Te abro a porta, mas já antes estavas dentro
da sala em que te acolho, visita estranha,
que entanto entras como se tua fosse a casa
e no jardim fossem tuas a rosas e açucenas?
Te ofereço uma cadeira, não te sentas
e olhas na parede com agrado
uma cópia de um quadro de Van Gogh.


O pão que te dou deixas no prato.
Mas o vinho tinto aceitas e bebes, lenta.
Não sorris, mas é suave o que me tocas.
E com o dedo apontas um rumo, um destino,
uma trilha, um caminho, um horizonte
a uma viagem sem volta, sem retorno.


Visto o casaco e me armo de bengala.
Esqueço os óculos, um gato e a minha chave,
e de leve sussurras: “não importa”. 
Apago no fogão o fogo e te olho, amiga.
E me tocas o braço e, sereno, eu abro a porta".

Quero aqui, amigo, partilhar com outros amigos, a última mensagem que tinha escrito para você, depois de ter lido o seu poema sobre a morte:

Brandão querido,

O seu poema sobre a morte, que li hoje, é de uma beleza impar, e de uma serenidade que só é concedida aos grandes mestres. 

Saber lidar com a “indesejada das gentes, dessa forma, é sinal de grande maturidade. 

Eu e você temos em comum esse dado existencial de termos ou estarmos vivendo situações–limite que são mesmo sérias. 

Com a ajuda de meu terapeuta, pude perceber que essas experiências-limite são “experiências cume”, para usar uma expressão clássica de Abraham Maslow. 

São experiências que nos fazem vivenciar paisagens únicas, de altura e profundidade incomensuráveis. 

Olhar o mundo a partir de tais experiência vivenciais é descobrir facetas de uma singularidade única. 

Somos capazes de perceber, como disse Darwin, “infinitas formas de grande beleza”. 

Você escolheu um ótimo companheiro de jornada para lidar com esse limite último, que é Teilhard de Chardin. 

Ele também tem me ajudado muito. A viagem interior com ele, fica bem mais calma, porque ao fundo ouvimos soar com vigor a voz de Jesus “Coragem, não tenhas medo!”. 

Quando Teilhard aborda o tema da comunhão pela diminuição, no Meio Divino, ele nos ajuda a entender esse trabalho que ele faz de forma tão viva: 

Compreender que a diminuição da temperatura vital é fruto do Mistério que abre o nosso corpo e nos favorece beber na água mais límpida. 

O Divino que abre as fibras de nosso ser “para penetrar até as medulas” de nossa substância, de forma a favorecer o arrebatamento final. 

Aprendi também, amigo, com o monge Tich Nhat Hanh, que fala da morte tratando o tema da nuvem. 

Por mais que se transforme e modifique, a nuvem jamais morre. 

Ela vai se transformar em outra coisa, mas permanece. Nós também somos como a nuvem, que nunca se dispersa, mas apenas ganha feições nobres e diferenciadas.

Não há nada que se transforme em nada, mas “algo” sempre permanece e continua a fazer história no tempo. 

Gosto de uma reflexão que faz Donna Haraway, quando diz que é um ser da lama e não do céu. 

É o que nos recordou tão brilhantemente o papa Francisco na Laudato Si, logo no início quando fala que nós somos “terra”, constituídos pelos elementos do planeta. 

Da Terra viemos e para a Terra vamos, numa viagem linda que vai florescer de formas diversificadas como somos todos nós.

O mesmo Tich Nhat Hanh nos lembra que “sem lama não há lótus”. 

Saibamos viver isso em profundidade. Vejo, amigo querido, com cada vez mais clareza que não somos, definitivamente, diferentes de tudo o que nos rodeia. 

Na verdade, diz com propriedade o filósofo italiano Emmanuele Coccia, de que tenho gostado muito, “a morte é apenas o limiar de uma metamorfose”. 

Ele diz:

“Todos os nossos átomos deram um corpo a milhares de vida antes da nossa –humanas, vegetais, bacterianas, virais, animais – e darão realidade a outras numa dança que nunca poderá ser interrompida”.

E viva a vida em comunhão com o cosmos

Faustino Teixeira