sábado, 13 de julho de 2019

João do Brasil

João do Brasil

Faustino Teixeira

João Gilberto nos deixou no dia 06/07/2019. Ainda estamos sob o impacto doloroso de sua perda, num Brasil que vive momentos tão difíceis e sombrios. É mais uma voz que cala, que deixa um vazio difícil de ser preenchido. Eu tive a alegria de participar de dois concertos de João. O primeiro em Roma, em 1983, quando estava iniciando meu doutorado em teologia na Universidade Gregoriana. Essa singular apresentação veio descrita no livro sobre João Gilberto, hoje esgotado, organizado por Walter Garcia (2012), com 507 páginas. A descrição vem feita por Luca Bacchini, em seu artigo: A dialética do mal-entendido. História e glória de João Gilberto na Itália. O show lembrado foi o que ocorreu em 1983, no Circo Massimo, ao ar livre, no encerramento de um evento organizado por Gianni Amico que contou também com a participação de vários artistas brasileiros, entre os quais Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Naná Vasconcelos. Tratava-se do evento  Bahia de todos os santos. O ponto culminante da apresentação talvez tenha sido o dueto feito por João com sua filha Bebel, quando cantaram “Chega de saudade”. Foi também o momento de apresentação pública da canção “estate”. 
            
            O segundo concerto aconteceu no Cine Teatro Central de Juiz de Fora, na sua reinauguração em 14/11/1996, quando o cantor apresentou-se sozinho com seu violão. O espetáculo veio descrito por meu filho, Pedro Bustamante Teixeira, em seu blog (Pelo Fonógrafo), em 13/07/2019. Dois momentos foram marcantes no show de João Gilberto, que teve o maior bis da história da MPB, com uma hora e meia de duração. O primeiro, quando cantou “No rancho fundo”, de Lamartine Babo. Como assinalou Pedro, “João ensinou a todos a música que havia por trás da interpretação sertaneja e foi de matar de tão bonita”. O segundo momento, quando cantou o hino mais popular de Minas Gerais, “Oh Minas Gerais”, que tem a letra de um cidadão de Juiz de Fora, José Duduca de Moraes, que ainda estava vivo no bairro Santo Antônio quando aconteceu a apresentação.

            João Gilberto é o grande nome da Bossa Nova, que aliás ele não gostava de a nomear assim. Preferia dizer que o que fazia era samba[1]. Na base de sua criatividade tem muitos nomes, entres os quais Dorival Caymmi, que também era mestre “no domínio intuitivo da harmonização no violão”, a música colocada a serviço da poesia[2]. A Bossa Nova foi um movimento de curta duração, que aconteceu entre os anos de 1958 a 1963, mas que exerceu um impacto fundamental, trazendo uma verdadeira “promessa de felicidade”[3]

            Como entender a música de João Gilberto ? Tárik de Souza captou muito bem esse segredo, ao sinalizar que o que João buscava era uma “verdade mais simples”, através de um exercício impressionante de ascetismo e enxugamento. Ele dizia, como lembra Tárik, que sua busca era por refinamento e purificação da música, até atingir aquele ponto de simplicidade[4]. E ainda:

“Quando eu canto, penso num espaço claro e aberto onde vou colocar meus sons. É como se eu estivesse escrevendo num pedaço de papel em branco: se existem outros sons à minha volta, essas vibrações interferem e prejudicam o desempenho limpo da música”[5].

                  João foi de fato um “mestre da recriação”, como identificou Caetano Veloso[6]. Estava um passo adiante de todos, numa impressionante busca da perfeição. Na visão de Lorenzo Mammì, que escreveu um dos melhores artigos sobre ele no livro assinalado, João busca aproximar cada vez mais “o canto à fala”. Era mestre de uma arte que poucos conseguem alcançar, de retardar a voz e antecipar a melodia no violão, na busca “de um tempo médio que nunca é pronunciado, mas que é o que garante ao verso a essência musical e ao canto ser poesia”[7]. Não há nada parecido na música norte-americana, é o que diz Lorenzo Mammì. No caso americano, a “voz é tanto mais perfeita quanto mais se aproxima do instrumento”. No caso brasileiro, “o canto se torna tanto mais perfeito quanto mais roça a indefinição da fala”, introduzindo uma “vertigem do infinitesimal que é absolutamente estranha à cultura jazística”[8]. O que vemos na Bossa Nova é uma canção de intimidade, de “pulsação doméstica”, de “baixa definição”. É uma música que tem o ritmo caseiro, mesmo quando vem executada num grande estádio. Há algo na Bossa Nova que escapa às outras tradições musicais, daí o enorme fascínio que exerce em âmbito universal[9]

            Talvez o segredo maior desse toque delicado e “acanhado” da Bossa Nova esteja no seu espírito zen. Foi o que percebeu com acerto Shigeki Miyata, em texto publicado no The Concert Book Japan, durante a tour realizada por João Gilberto em 2006. O cronista relembra: 

“Quando João veio para o Japão em 2003, pude conhecer pessoalmente a sua forma de agir e de falar. Impressionou-me o amplo conhecimento sobre o Japão: a sua história, a sua cultura, a tradição e a sociedade japonesas. Começou falando do zen budismo, dos poemas haicai e se estendeu até as lutas de sumô, aos problemas educacionais, demonstrando conhecer muito bem o Japão”[10].

                  Em entrevista concedida por João Gilberto à Revista do Rádio, em agosto de 1959, ele já expressava esse seu jeito zen, que certamente influenciou profundamente a sua criação musical. Ele dizia: 

“Gostava de ficar horas e horas à beira do rio, ouvindo o coaxar dos sapos e vendo a luz, a claridade, os reflexos do sol na água. Tentava compreender aquilo tudo. Consegui sentir – compreender não compreendi. Mas aquilo ficou em mim e ainda hoje carrego comigo um bocado de todo aquele alumbramento”[11].

                  João Gilberto foi talvez um dos mais impressionantes artistas brasileiros do século XX, que conseguiu simbolizar uma geração e trazer para o ritmo do coração um trabalho que é ao mesmo tempo rigoroso e terno, como uma “conversa de fim de noite”. Quem definiu João de forma singela e amorosa foi Vinícius de Moraes, em 1964: “Eu sei que dentro da sua neurose, dentro da sua esquisitice, existe um lugar que ele rega diariamente com as lágrimas que chora por dentro. Um lugar que podemos chamar de Brasil, por exemplo”[12].



[1]Sobre isso ele se manifestou em rara entrevista concedida ao jornalista Carlos Alberto Silva, em outubro de 1979: Walter Garcia (Org). João Gilberto. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 88.
[2]Luís Antônio Giron apud Stella Caymmi. O ourives do espaço vazio. In: Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 87.
[3]Lorenzo Mammì. João Gilberto e o projeto utópico da Bossa Nova. In: Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 165.
[4]Tárik de Souza. O mito sem mistério. In: Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 42. 
[5]Ibidem, p. 42.
[6]Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 138.
[7]Lorenzo Mammì. João Gilberto e o projeto utópico da Bossa Nova. In: Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 162. 
[8]Ibidem, p. 163. 
[9]Ibidem, p. 158.
[10]Shigeki Miyata. O cotidiano de um deus. In: Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 126.
[11]Walter Garcia (Org). João Gilberto, p. 28.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

O delicado desafio dialogal em tempos sombrios de intolerância

O DELICADO DESAFIO DIALOGAL 
EM TEMPOS SOMBRIOS DE INTOLERÂNCIA


Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF

Introdução

Ao abordar o estado da reflexão em torno da intolerância, Paul Ricoeur assinalou a relação que se estabelece entre ela e a emergência do pluralismo religioso das crenças e convicções. A intolerância surge em razão da grande dificuldade de lidar com o fenômeno da diferença ( RICOEUR, 1998, p. 20-21). Não é nada fácil lidar com este que é um dos mais sérios desafios do século XXI. A realidade plural “relativiza e com isso enfraquece muitas das certezas com as quais os seres humanos costumavam viver” (BERGER, 2017, p. 33). O diálogo firma-se como única possibilidade de romper com o caminho fechado das identidades exclusivistas e dos fundamentalismos diversificados. Há que ampliar o olhar e abraçar as teias da hospitalidade, que é um vasto campo nessa complexa dinâmica do existir. Isto envolve uma disposição nova, para além do espectro do antropocentrismo, de modo a poder envolver no ritmo da existência aqueles que são diversos e também as espécies companheiras. Dialoga mais aquele que amplia horizontes, deixando-se habitar pelo outro. Isto requer também disposições específicas, que serão abordadas também ao longo da reflexão aqui proposta.

As malhas da hospitalidade

Não há como falar em diálogo sem apontar o vasto campo da hospitalidade. As novas reflexões em torno da espiritualidade da criação indicam um caminho novo para o tema da hospitalidade. Não há como pensar o ser humano desligado de sua relação com o campo mais amplo. A antropologia requer uma cosmologia. Como mostrou Matthew Fox, “a história humana não pode ser separada da história planetária, da história galáxica, e de toda a história da criação que continua a desenvolver-se” (FOX, 2016, p. 31). O ser humano se define por sua relação com toda a criação, formando um parentesco que abre frestas singulares para a dinâmica de sua inserção no mundo. Em sua encíclica sobre o cuidado da casa comum, Laudato si, o papa Francisco realça essa sintonia: “Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” (FRANCISCO, 2015, p. 3). Pensar o cuidado e a hospitalidade dentro deste novo quadro complexivo envolve uma percepção nítida do que significa habitar a Terra. Entender agora o ser humano em sua relacionalidade mais radical, como um ser que se move e se articula, e se deixa transformar. Tudo provoca um novo olhar: “Estar atento significa estar vivo para o mundo” (INGOLD, 2015, p. 13). 

Estar vivo é poder captar o “nexo singular de crescimento criativo” do humano inserido no âmbito dos relacionamentos. A expressão “malha”(meshwork)é a que melhor traduz a nova situação. Considerando que a malha implica a textura de fios entrelaçados, esta percepção aplica-se à vida, que igualmente perfaz uma trilha, ou fios que compõem o mundo habitado. A vida é pontuada por linhas entrelaçadas que formam uma malha. Gilles Deleuze e Félix Guattari, no primeiro volume da obra Mil Platôs, trabalham com a bela imagem do rizoma. Eles sublinham: “Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz[1]. Existem somente linhas” (DELEUZE/GUATTARI, 2011, p. 24). E essas linhas no rizoma são de desterritorialização: elas fogem sem parar. São “linhas que não param de se remeter umas às outras”. São como as ervas entre os imensos espaços não cultivados. Ela preenche os vazios: “A flor é bela, o repolho útil, a papoula enlouquece. Mas a erva é transbordamento”. 

Exercer a condição de ser humano é poder habitar a Terra, reinserindo-se na continuidade do mundo da vida. A textura do mundo envolve este entrelaçamento. Não se trata apenas de ocupar o mundo, mas de habitá-lo com sentido. E o mundo deixa de ser visto como um substrato inerte onde os seres vivos se locomovem, mas como um mundo em movimento: “Onde quer que haja vida, há movimento”. (INGOLD, 2015, p. 122). Essa percepção de um mundo em movimento, de um mundo “encantado”, vem recuperar cosmologias antigas e primordiais, com os seus dons e inquietudes. Curioso verificar que o recurso a tais cosmologias vem sendo apontado por estudiosos da antropologia como um caminho importante para um novo modo de inserção na história (LATOUR, 2012, p. 452)[2]. A Carta da Terra pontua a importância do reconhecimento e preservação dos conhecimentos tradicionais, bem como da sabedoria espiritual presente entre os povos das diversas culturas, como condição essencial para a proteção ambiental e o bem-estar humano (BOFF, 2002, p. 154). Em sugestiva abordagem, Tim Ingold fala da singularidade da ontologia anímica, quebrando a imagem de que o mundo inanimado seja simplesmente uma superfície a ser ocupada. Na verdade, segundo tal ontologia, os seres vivos “fazem o seu caminho através de um mundo nascente, em vez de pela sua superfície pré-formada” (INGOLD, 2015, p. 123). O desafio maior está na capacidade de VER o mundo nesta perspectiva de vitalização, abrindo novas pontes para o pensamento. Isto significa reconectar o pensamento com a vida. A retomada de antigas cosmologias, entre as quais o animismo dos povos originários, suscita na prática uma “reanimação” da própria “tradição ´ocidental` de pensamento” (INGOLD, 2015, p. 126)[3]

A atuação construtiva no mundo vem presidida pela habitação. O primeiro e essencial passo consiste em habitar o mundo. Só depois vem a atividade de construir. Trata-se da perspectiva da habitação. Não se pode, porém, circunscrever o acontecimento da habitação humana ao espaço antropocêntrico. Há que pensar o tema de forma mais arejada, envolvendo toda a criação. O que domina a visão tradicional, ainda muito vigente, é uma separação rígida entre a vida social humana e a natureza. Com a eco-antropologia relacional rompe-se esta perspectiva e aponta-se para um horizonte distinto, pontuado pela dinâmica da tessitura e do entrelaçamento dos seres humanos com seu ambiente. Como sublinha o antropólogo Phhilippe Descola, mencionando Fernando Pessoa, “vemos claramente que há montanhas, vales, planícies, florestas, árvores, flores e mato, vemos claramente que há riachos e pedras, mas não vemos que há um todo ao qual tudo isto pertence, afinal só conhecemos o mundo por suas partes, jamais como um todo” (DESCOLA, 2016, p. 23). 

A humanidade se insere num campo vivo de dignidades peculiares, como a animalidade[4], a plantidade, a vegetalidade e a mineralidade. Toda a esfera do vivente guarda um valor intrínseco, com seus direitos característicos. No âmbito desta ocular, o cuidado e a hospitalidade ganham uma tessitura nova e abrangente. É o que também apontou com pertinência o antropólogo Eduardo Kohn, da Universidade Mc Gill (Montréal), em seu livro: Como pensam as florestas. Rumo a uma antropologia para além do humano (KOHN, 2013)[5].  Com base em quatro anos de trabalho etnográfico na Amazônia, este autor propõe uma complexa “ecologia dos eus”, uma “ecologia das selvas”, que busca captar uma semiótica peculiar, capaz de desentranhar os processos de significação que envolvem todas as formas de vida, não só dos humanos. 

Nessa malha inter-relacional, quebra-se radicalmente a dicotomia humanos/não humanos. Não há domínios separados e excludentes. Esta nova percepção, difícil, de compreender a maneira como interagimos com o contexto – com  as outras criaturas – abre um nova possibilidade intelectual e relacional (KOHN, 2017, p. 27)[6].Em verdade, humanos e não humanos estão ligados numa mesma teia. Trata-se de um fazer antropológico que visa a “descolonização permanente do pensamento” (Viveiros de Castro). A espécie humana se viu enredada numa dinâmica civilizatória mortífera, pautada pela exclusão e pela violência. E como eixo central, a ideia de excepcionalidade:

Nós começamos por nos consideramos especiais em relação aos outros seres vivos. Isso foi o primeiro passo para, em seguida, alguns de nós começar a se achar melhores do que os outros seres humanos. E nisso começou uma história maldita em que você vai cada vez excluindo mais. Você começou por excluir os outros seres vivos da esfera do mundo moral, tornando-os seres em relação aos quais você pode fazer qualquer coisa, porque eles não teriam alma. Esse é o primeiro passo para você achar que alguns seres humanos não eram tão humanos assim. O excepcionalismo[7]humano é um processo de monopolização do valor. É o excepcionalismo humano, depois o excepcionalismo dos brancos, dos cristãos, dos ocidentais... Você vai excluindo, excluindo, excluindo... até acabar sozinho, se olhando no espelho da sua casa (BRUM, 2014, p. 18-19)[8].

É o chamado tempo do antropoceno, quando o ser humano deixa de ser um agente biológico para se tornar uma força geológica, alterando radicalmente a paisagem do planeta e comprometendo sua própria existência e sobrevivência. Daí a urgência da superação do antropocentrismo, com todos os seus descaminhos. Uma mudança de rumo é possível, ainda que difícil. Na contramão do itinerário traçado pelos humanos, estão os terranos, os povos de Gaia, com seus sonhos e esperanças. Trata-se, porém, de uma tensão assimétrica, de uma “estranha guerra” cujo destino sombrio está quase definido. O questionamento do antropocentrismo implica o redimensionamento do conceito de “nós”, não mais restrito à esfera do humano (VIVEIROS DE CASTRO, 2008, p. 257). O ambiente, como aquilo que circunda o organismo, passa a ter uma valência substantiva. Deixa de ser visto como a realidade para a qual olhamos, sendo percebido agora como “um mundo no qual vivemos”. Trata-se de uma importante mudança de ocular, que reconfigura a tônica relacional. 

Um passo importante para acolher o mundo da diversidade e ressignificar os conceitos de diálogo e hospitalidade. A ampliação de perspectiva requer um novo olhar, ou ainda melhor, uma nova atitude contemplativa sobre o mundo. Em reflexão singular, Octavio Paz fala do processo que acompanha a atitude diante do mundo natural, de um estranhamento inicial a um encantamento peculiar, quando se dá a percepção das malhas de conexão do humano com o seu ambiente (PAZ, 2012, p. 160-161). Isso é o que os povos originários captam com frequência natural. Uma das importantes lideranças indígenas brasileiras, Ailton Krenak, sublinha que a natureza é algo que existe e brilha em cada uma das células de seu corpo. Todo o entorno vem pontuado pelo toque da fragrância do Mistério. Como ele assinala, o sagrado “pode ser tudo aquilo em que botamos os olhos, a depender dos olhos com que enxergamos o mundo”. Não há por que ver nas montanhas apenas o seu potencial mineralógico ou nos rios o seu capital energético. Há que desvendar a dimensão de Mistério que se esconde por trás de sua aparência superficial (KRENAC, 2015, p. 83 e 231-232).

Firma-se como essencial no novo século a questão da relação dos humanos com a natureza. Não há como continuar acreditando que a natureza seja um mundo à parte, deslocada da vida social (DESCOLA, 2013, p. 97). Os caminhos que se apresentam são outros, para além do antropocentrismo. O ser humano deixa de ser o “umbigo do mundo” para ser parte do vivente, uma “espécie companheira” (Donna Haraway), onde todos os seres da criação passam a ser considerados “parentes”. E não só as coisas visíveis, mas também as invisíveis (FOX, 2016, p. 22). O ser humano recupera a sua noção de “húmus”, de alguém que semeia mundos, de alguém que reconhece a dignidade dos outros seres e espécies e os ajuda a florescer. Algo bem distinto da raíz grega “homo”, que insiste mais no traço do “um e o mesmo”. Na verdade, o ser humano está enredado na teia das espécies, nas intra ações ecológicas (MACIEL, 2011, p. 398-399)

O diálogo e suas disposições

A acolhida inter-religiosa requer do sujeito um leque de disposições que são essenciais. Para que ocorra um diálogo autêntico é necessário, em primeiro lugar, alimentar a vida com uma atitude de busca essencial e profunda.  Partir sempre animado pela convicção de que se está trilhando um caminho “em solo sagrado” (PANIKKAR, 1993, p. 1149). O outro é portador de um “patrimônio religioso” que não pode ser relevado ou minimizado. A busca de um contato estreito e desarmado com o outro é também um requisito essencial: 
Uma justa avaliação das outras tradições religiosas supõe normalmente um estreito contato com elas (...). Devemo-nos aproximar destas tradições com grande sensibilidade, porque encerram valores espirituais e humanos. (PCDI, 1991, p. 13).

Há que partir animado por esse “espírito do diálogo”, que envolve uma atitude primeira de respeito e amizade. E também o reconhecimento sincero do “valor da convicção religiosa” do outro, fundada numa experiência autêntica de revelação (TILLICH, 1968, p. 133). Como mostrou Christian Sevenaer, um dos mais singulares buscadores jesuítas, com longa atuação dialogal no Egito com os muçulmanos, o respeito ao outro é condição primeira, ou seja, o respeito pelas pessoas, por suas convicções de fé e suas tradições religiosas, reconhecendo que ali vivenciam o que há de mais precioso (VAN NISPEN; SEVENAER, 2006, p. 131). Esse clima espiritual deve circundar todos os passos do processo de abertura, com a disposição atenta para colocar-se sempre em discussão. O diálogo não pode ser entendido como alavanca para outra coisa; não pode ser captado como passo para a evangelização. Na verdade, o diálogo “tem seu próprio valor”, é auto-finalizado, guarda um valor intrínseco.  A razão do diálogo é o diálogo e como horizonte visado, “uma conversão mais profunda de todos para Deus” (PCDI, 1991, p. 28). E isto sucede em todas as formas de diálogo, seja no diálogo da vida, das obras, dos intercâmbios teológicos e da experiência religiosa. Ao lado da busca essencial, o diálogo requer igualmente uma atitude de humildade. 

A abertura ao outro exige esse desprendimento, essa consciência da contingência e da vulnerabilidade. Como indica Panikkar, “nenhum indivíduo, nenhum grupo humano, nem mesmo toda a humanidade vivente em dado momento da história pode encarnar a medida absoluta da verdade” (PANIKKAR, 2013, p. 149). Nada mais letal para o diálogo do que o sentimento de superioridade, de hybrisarrogante ou de desprezo ainda que escamoteado. O diálogo requer esse esvaziamento de si, essa kenosis, para poder deixar valer o outro, esse deslocamento essencial, essa abertura de coração. Há também outra disposição importante, que envolve a simpatia e a atenção para com o outro. Há que se lançar ao outro, expor-se ao seu enigma e mistério com a cuidadosa aplicação do espírito. 

Estar atento e vigilante para adentrar-se nas suas fronteiras, sintonizar-se com a sua vida. Tem um toque de perigo e de risco nessa aventura, como bem descrito por Thomas Merton: “Quando as cordas são largadas e o barco já não está mais preso à terra, mas avança para o mar sem amarras, sem restrições! Não o mar da paixão, pelo contrário, o mar da pureza e do amor sem preocupações” (HART; MONTALDO, 2001, p. 270). Simone Weil falava da “virtude milagrosa da simpatia”, caminho essencial para adentrar-se no mundo interior do outro; e também da atenção, como “a forma mais rara e mais pura da generosidade” (WEIL; BOUSQUET, 1994, p. 13; WEIL, 2000, p. 113). Virtudes que são essenciais para o conhecimento do outro a partir de dentro, quebrando as hierarquizações problemáticas. Ela dizia, com acerto, que “aquele que conhece o segredo dos corações é o único que conhece também o segredo das diferentes formas de fé” (WEIL, 2000, p. 113). A atenção é porta d entrada para a hospitalidade.

O impacto da alteridade

Chamo aqui particular atenção ao tema do impacto da alteridade. A alteridade vem resguardada por um patrimônio de mistério que se revela a cada momento, deixando a todo tempo uma virtualidade a ser captada. Ela sempre desconcerta e seduz. Traduz primeiramente o mistério da maravilha, que é fascínio e admiração. É quando a alteridade apresenta-se de maneira substantiva e se dá o impacto com o outro, com a sua inusitada e improgramável presença. A presença do outro suscita não apenas maravilha, mas também agonia, na medida em que sua presença provoca desconcerto e um desvio do caminho seguro até então trilhado (FORTE, 1999, p. 61). É a outra face da dinâmica da alteridade, que convoca à experiência do limite e da fronteira, de auto-exposição ao mundo do outro. Os caminhos da hospitalidade envolvem também esse processo de agonia e estranhamento. Isso foi apontado com acerto pelo estudioso Alain Montandon, em precioso prefácio ao livro por ele organizado (MONTANDON, 2011). 

A hospitalidade tem início na soleira da porta, quando se dá o “embate” com o rosto de um desconhecido, de um estranho ou estrangeiro. Ali se coloca a delicada questão do “limite entre dois mundos”, o de dentro e o de fora. Trata-se “da linha de demarcação de uma intrusão, pois a hospitalidade é intrusiva, ela comporta, querendo ou não, uma face de violência, de ruptura, de transgressão, até mesmo de hostilidade” (MONTANDON, 2011, p. 32).É o que Derrida chamou de “hostipitalidade”, na medida em que essa dinâmica de encontro/embate sinaliza uma fronteira e mesmo uma ameaça. A hospitalidade demarca um limiar, ou seja, uma linha que envolve transgressão, intrusão. Penetrar no domínio do outro O território do outro vem resguardado por uma “sensibilidade escrupulosa”. Há que bater devagar, com cuidado, na porta do outro. Entrar no novo circuito requer cautela, delicadeza e atenção. Há que manter despojamento e renunciar a se impor. O gesto da hospitalidade pressupõe romper resíduos de hostilidade sempre implicados nos atos que envolvem o encontro[9]. Isto não significa romper a distância, que permanece vigente: “O paradoxo do gesto hospitaleiro é o de dever oferecer preservando, de manter a distância instaurando uma presença” (MONTANDON, 2011, p. 35). Não se trata apenas de uma “acolhida integradora”, mas também de radical respeito à alteridade, que é irredutível e irrevogável. Na prática da hospitalidade ocorre a transformação que implica uma dádiva de si.

Há no diálogo um singular exercício de ultrapassar fronteiras, de avançar para além dos limites de nossa finitude e contingência. O diálogo deixa sempre uma “marca” que é reveladora de um horizonte inaudito:
O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo (...). (GADAMER, 2002, p. 247).
Não há caminho promissor senão através do diálogo, mesmo reconhecendo as dificuldades e tensões que marcam sua realização. É sempre “um tesouro precioso, uma zona de aventura, espanto e inquietação” (LUCCHESI, 2014). É uma “zona de passagem”, uma “cartografia inacabada”, onde os interlocutores são convidados, mantendo sua identidade, a refletirem sob nova luz. Deslocados de seu eixo são direcionados a um novo ponto de luz e a um gesto solidário. No centro do diálogo está a acolhida: “na beleza do rosto que contemplo, no olhar do outro que me indaga e me convida a mover os lábios” (LUCCHESI, 2014). O diálogo é expressão viva da nobre virtude da hospitalidade. Ele requer a abertura das portas, do respiro aberto, do espaço luminoso. É condição essencial para uma cultura da paz. O encontro com o outro não pode reduzir-se a um “rebuliço sonoro”, mas deve envolver os corações e mentes num movimento de amizade e busca de compreensão mútua. 

Não são individualidades estanques e impenetráveis que se encontram, mas dois mundos que se envolvem, ainda que resguardando um mistério que é intransponível[10]. É a própria individualidade que é convocada a expandir-se e apropriar-se de novas possibilidades. Não é algo simples, pois envolve um embate interior, de remoção das entranhas para deixar-se hospedar pelo diferente. Desse encontro novidadeiro surge sempre algo de novo, uma marca diferencial. Nesse imprescindível processo dialogal, os interlocutores entram com a alegria de suas convicções religiosas. Não se exige a abdicação das identidades para que esse processo se realize com êxito. Ao contrário, é a própria autenticidade e sinceridade do diálogo que convoca os parceiros a embarcarem nessa travessia mantendo viva a integralidade de sua própria fé (TILLARD, 2001, p. 34; PCDI, 1991, p. 32-33).

O diálogo pressupõe pertença e domiciliação, amor à própria identidade, mas uma identidade sempre em construção, aberta ao sussurro contínuo do plural. Uma das finalidades do diálogo é “o de poder viver a diferença de modo positivo, no respeito, na aceitação do outro assim como é, sem violência nem desprezo e sem dever esconder a diferença” (VAN NISPEN; SEVENAER, 2006, p. 116).
Habitar espiritualmente a Terra

A tomada de consciência de que tudo está interligado favorece a retomada do senso da maravilha, que é á única bússula que indica o polo do significado (HESCHEL, 2001, p. 29). Há que se deixar tomar pelo estupor que move a consciência diante da textura do mundo e da dinâmica da vida. A espiritualidade é essa capacidade de celebrar a vida em profundidade. Ela aciona qualidades essenciais e potencialidades de abertura que procedem do espirito. É dela que se irradiam, com uma fragrância única, os toques singulares do amor desinteressado, da gratuidade, da atenção, cortesia e hospitalidade. São traços da dinâmica humana quando atuada em profundidade. A espiritualidade aciona o movimento desses valores fundamentais que são irradiados por todo canto. Deixar-se habitar pela espiritualidade é criar o espaço garantido e especial para a emergência de fragrâncias essenciais, que constituem a razão fundamental da existência. 

Uma “nova reverência face à vida”, eis o desafio que se apresenta a todos nesse século XXI. É a responsabilidade que envolve hoje todos os povos da Terra, em favor de um outro mundo possível. Há que somar forças e unir corações numa comunidade global sintonizada com o cuidado da Terra e a afirmação da dignidade de todos. Como indica a Carta da Terra, “a escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e da diversidade da vida” (BOFF, 2002, p. 149; BOFF, 2018, p. 191-194). O papa Francisco na sua encíclica sobre o cuidado da casa comum lançou algumas pistas importantes para essa espiritualidade ecológica. Assumir uma atitude de cuidado da ecologia pressupõe uma atenção ao mundo interior, à paz interior. É desse âmbito interior que procedem os valores essenciais, como a capacidade de admiração e a percepção da profunda interligação que irmana as criaturas. Cada uma delas tem o seu lugar, a sua função e dignidade, não podendo ser descartada como supérflua: “Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus” (FRANCISCO, 2015, p. 68-69). 

A harmonia serena com a criação é fruto de um processo peculiar, de trabalho interior, que envolve simples gestos do cotidiano, favorecendo a quebra da lógica de domínio, exclusão ou violência. Da fonte interior secreta a percepção viva de que o Mistério está em toda parte: “há um mistério a contemplar em uma folha, em uma vereda, no orvalho, no rosto do pobre” (FRANCISCO, 2015, p. 184). É uma espiritualidade que retoma uma dimensão nova, receptiva e gratuita, de celebração do mundo da vida. Há uma dimensão espiritual que preside a ligação do ser humano com toda a criação. É um tema muito recorrente na visão da igreja oriental antiga. A relação com Terra ganha, assim, uma dimensão mística e sacramental, daí o desafio singular de atenção e escuta ao ritmo do tempo, do silêncio necessário para ouvir o canto das coisas. Essa nova sensibilidade espiritual vai envolvendo as tradições religiosas, na busca de um “ecumenismo” mais profundo. 

Como mostrou o monge vietnamita, Thich Nhat Hanh, os seres vivos estão entrelaçados na Terra. Ela não é simplesmente o ambiente em que se vive, mas um componente da trama existencial. Sublinha ainda que um dos motivos que provocam o medo, o ódio ou a raiva relaciona-se com a ideia que desvincula o ser humano da Terra e do planeta, bem como a visão antropocêntrica de que o sujeito é o centro referencial. O olhar despretensioso, purificado, capta uma outra perspectiva: “Quando vemos verdadeiramente que a Terra faz parte de nós, captamos algo de extraordinário. A Terra é viva” (THICH NHAT HANH, 2016, p. 8). 

Conclusão

Não há dúvida que o diálogo é o desafio essencial nesse século XXI, o desafio da abertura e da hospitalidade. Ocorre, porém, a dificuldade essencial de sua realização em razão das afirmações identitárias que se irradiam por todo canto, com seus desdobramentos de resistência e violência. São tempos difíceis, como assinala o historiador britânico, Eric Hobsbawm, tempos de instauração de muros e de acirramento da identidade, entendida como substância que resiste. Ao abordar o tema da comunidade e da busca de segurança no mundo atual, Zygmunt Bauman sinaliza que a palavra do tempo não é comunidade, mas identidade. Trata-se de uma palavra que desperta paixões e iras: “Uma vida dedicada à procura da identidade é cheia de som e fúria” (BAUMAN, Z., Comunidade, p. 21). Lançar-se ao diálogo, passo essencial para um novo tempo, requer a coragem de romper as fronteiras e erguer pontes, abrir caminhos para uma nova e ousada conversação. Para que isto ocorra é necessário um “espírito” diverso, esvaziado da vontade de poder e disposto a deixar-se habitar pelo outro. Na espiritualidade zen fala-se em esvaziamento (sunyata), que em verdade é um deixar-se tocar pela vacuidade, desapropriar-se da substância que vem acompanhada da ybris e da arrogância. E nesses tempos de crise ecológica, o desafio do diálogo envolve a ampliação das malhas de conversação, envolvendo igualmente todas as “espécies companheiras”, e não apenas os humanos. São tempos complexos, amedrontadores, mas também desafiantes para fazer valer o exercício fundamental dos valores que preservem a dignidade do humano e de toda a criação.

REFERÊNCIAS
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(Publicado na revista Horizonte Teológico, v. 1, n. 1, p. 7-22, 2018)










[1]Os autores dizem: “Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem (DELEUZE/GUATTARI, 2011, p. 22)
[2]Veja também Eduardo Viveiros de Castro, no prefácio ao livro de KOPENAWA, D.; ALBERT, B, 2015, p. 35.
[3]  Cito aqui dois livros excepcionais que foram publicados no Brasil e que trazem algo destas antigas cosmologias: Davi Kopenawa  Bruce Albert. A queda do céu. Palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015; Aparecida Vilaça. Paletó e eu. Memórias de meu pai indígena. São Paulo: 2018. E ainda: Ailton Krenak. Encontros. Rio de Janeiro: Azougue, 2015.
[4]Neste campo, os trabalhos essenciais de Donna Haraway e Vincianne Despret. De Donna Haraway: When Species Meet. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2002; de Vincianne Despret,: Que diraient les animaux, si... on le posait les bonnes question? Paris: La Découverte, 2012; Id & Jocelyne Porcher.  Être bete. Arles: Actes Sud, 2007.
[5]E a recente tradução francesa. Comment pensent les forêts (2017)
[6]É o risco presente hoje no mundo no modo de governar os estados, radicalmente cego à urgência da captação dessa inter-relação: Veja o exemplo contundente, referido ao Brasil, no artigo recente de Eliane Brum no jornal El país: Bolsonaro é uma ameaça ao planeta (El País, 18/10/2018). Ela diz ali: Se ele se tornar presidente do Brasil, já avisou que pretende seguir Donald Trump e anunciar a retirada do Brasil do Acordo de Paris. Ele e seus apoiadores também já anunciaram várias medidas que abrirão a Amazônia ao desmatamento. A floresta, que já teve 20% de sua cobertura vegetal destruída, está perigosamente perto do ponto de virada. A partir dele, a maior floresta tropical do mundo se tornará uma região com vegetação esparsa e baixa biodiversidade. E o combate ao aquecimento global se tornará quase impossível”.
[7]Ver igualmente: Kohn, 2017, p. 47-48.
[8]Trata-se de uma citação de Eduardo Viveiros de Castro, com base num pensamento de Lévi-Strauss. 
[9]Curioso verificar que na derivação etimológica de hostesestão tanto o hóspede como o inimigo (hospes/hostis). Nesse sentido, “da hospitalidade à hostilidade há apenas um passo”. O desafio dialogal é o de propiciar “relações de amizade no interior de uma relação suscetível de conter os germes de relações adversárias”: HAROCHE-BOUZINAC, 2011, p. 1259.

[10]Rainer Maria Rilke abordou com precisão esse mistério/enigma que envolve o exercício do amor: “O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação”. Não há como apagar a “solidão” que permeia esse encontro. Há que saber lidar com ela: RILKE, R.M. 2013a, p. 54-55.