Os Povos de Gaia contra os“adeptos da globalização”
Faustino Teixeira
Em 29 de março tinha postado aqui no Face um texto de Bruno Latour, traduzido por Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro: Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise[1]. Volto ao texto, pois acho que ele traz algo de extremamente importante para a nossa reflexão.
É conhecido o "pessimismo" de Bruno Latour, sua descrença numa reação ativa dos Povos de Gaia contra os Humanos. Em sua clássica obra, "Enquête sur les modes d´existence" (2012), ele dizia já ao final do livro que estamos diante de uma "estranha guerra", que não podemos senão perder. Quem? Os Povos de Gaia.
Em outra obra, "Face à Gaia" (2015), ele volta a falar da guerra entre Humanos e Terranos(Povos de Gaia). Afirma: "Os Humanos que vivem na época do Holoceno estão em conflito com os Terranos do Antropoceno". Sua crítica aos Humanos é impiedosa: Os Humanos, diz ele, "não são dignos de confiança porque não sabemos jamais para onde se dirigem, nem qual é o princípio que delimita as fronteiras de seus povos". Há entre os Humanos uma "carência de localização". Os Humanos são "INDIFERENTES às consequências de suas ações".
E eis que aporta no mundo o CORONAVÍRUS, e consegue uma façanha que nenhum coletivo ecológico conseguiu com toda a sua diuturna luta. O novo vírus conseguiu parar a produção. E aqui retomo o texto de Latour, já citado anteriormente.
A chegada do novo vírus convoca novamente a luta dos Povos de Gaia: "É agora que devemos lutar para que, uma vez terminada a crise, a retomada da economia não traga de volta o mesmo velho regime climático que temos tentado combater, até hoje em vão".
A crise sanitária está aí, diz Latour. Dela temos condições de sair, ainda que capengas. Mas da outra crise, GRAVÍSSIMA, não temos "nenhuma chance de sair".
Com o novo vírus pudemos testemunhar com alegria que "é possível, em questão de semanas, suspender, em todo mundo e ao mesmo tempo, um sistema econômico que até agora nos diziam ser impossível desacelerar ou redirecionar".
E isto mesmo sabendo de que já havia no sistema econômico mundial um alarme vermelho com a questão climática. Nenhum chefe de Estado teve, porém, a ousadia de frear a "locomotiva do progresso". Nenhum deles quis ouvir "o estridente guincho dos freios". O vírus sim...
Latour fala dos "ADEPTOS DA GLOBALIZAÇÃO", com sua sede irrefreável. São eles que estão desesperados com esse choque na produção. São esses segmentos, que "em meados do século XX, inventaram a ideia de escapar das restrições planetárias".
Os "adeptos da globalização", os Humanos declarados, estão adestrados para nos tentar fazer acreditar na plausibilidade de seus sonhos, "frutos do progresso". Mas "querem ir ainda mais longe em sua fuga para fora do mundo planetário".
Eles estão nos jogando, muito mais decisivamente que o novo vírus, numa situação irremediavelmente necrófila. Esses adeptos do progresso são "perigosos", diz Latour, pois "sabem que a negação das mudanças climáticas não poderá continuar indefinidamente, que não há mais nenhuma chance de conciliar seu ´desenvolvimento` com os vários ´envelopes`do planeta com os quais a economia terá que se haver mais cedo ou mais tarde".
Com esse novo clima pontuado pela presença do Coronavírus ocorre a possibilidade de uma reação: "É aqui que devemos agir. Se a oportunidade serve para eles, serve para nós também. Se tudo pára, tudo pode ser colocado em questão, infletido, selecionado, criado, interrompido de vez, ou pelo contrário, acelerado".
Latour toca aqui no nó da questão: "Agora é que é A HORA de fazer o balanço de fim de ano. À exigência do bom senso: ´Retomemos a produção o mais rápido possível`, temos que responder com um GRITO: ´DE JEITO NENHUM!`. A última coisa a fazer seria voltar a fazer tudo o que fizemos antes”.
O trabalhos dos Terranos agora é o trabalho de barrar essa dinâmica de produtividade: "O que o vírus consegue com a humilde circulação boca a boca de perdigotos - a suspensão da economia mundial - nós começamos a poder imaginar que nossos PEQUENOS E INSIGNIFICANTES GESTOS, acoplados uns aos outros, conseguirão: SUSPENDER O SISTEMA PRODUTIVO."
O momento é propício para a criatividade e imaginar novos "GESTOS DE BARREIRA", mas "não apenas contra o vírus: contra cada elemento de um modo de produção que não queremos que seja retomado".
O desafio, radical, lançado por Latour é o de "abandonar a produção como o único princípio de relação com o mundo".
Não se trata de revolução, diz Latour, mas de "dissolução". Um momento propício para "inventar um socialismo que conteste a própria produção"
E isso não significa "decrescer", "viver de amor ou de brisa", mas de "aprender a selecionar cada segmento deste sistema pretensamente irreversível, a questionar cada uma das conexões supostamente indispensáveis e a experimentar, pouco a pouco, o que é desejável e o que deixou de sê-lo".
Latour levanta seis questões, e aqui vou simplesmente retomar o que ele disse:
"1ª pergunta: Quais as atividades agora suspensas que você gostaria de que não fossem retomadas?
2ª pergunta: Descreva por que essa atividade lhe parece prejudicial/ supérflua/perigosa/sem sentido e de que forma o seu desaparecimento/suspensão/substituição tornaria outras atividades que você prefere mais fáceis/pertinentes. (Faça um parágrafo separado para cada uma das respostas listadas na pergunta 1).
3ª pergunta: Que medidas você sugere para facilitar a transição para outras atividades daqueles trabalhadores/empregados/agentes/empresários que não poderão mais continuar nas atividades que você está suprimindo?
4ªpergunta: Quais as atividades agora suspensas que você gostaria que fossem ampliadas/ retomadas ou mesmo criadas a partir do zero?
5ª pergunta: Descreva por que essa atividade lhe parece positiva e como ela torna outras atividades que você prefere mais fáceis/ harmoniosas/ pertinentes e ajuda a combater aquelas que você considera desfavoráveis.
(Faça um parágrafo separado para cada uma das respostas listadas na pergunta 4).
(Faça um parágrafo separado para cada uma das respostas listadas na pergunta 4).
6ª pergunta: Que medidas você sugere para ajudar os trabalhadores/empregados/agentes/empresários a adquirir as capacidades/meios/receitas/instrumentos para retomar/ desenvolver/criar esta atividade?"
[1]https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2020/03/31/bruno-latour-imaginar-gestos-que-barrem-o-retorno-da-produção-pre-crise-quais-as-atividades-agora-suspensas-que-você-gostaria-de-que-não-fossem-retomadas/
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