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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Os desafios do pluralismo e do diálogo inter-religioso

Os desafios do Pluralismo e do Diálogo inter-religioso 

Faustino Teixeira


            O diálogo inter-religioso constitui um dos desafios mais fundamentais neste século XXI. Não há como desligar-se do tema da diversidade religiosa e do essencial encontro entre os povos, culturas e tradições religiosas. A palavra chave que se coloca em nosso tempo é abrir-se para as diferenças, deixar-se tocar por sua melodia, exercitar-se na arte da hospitalidade e da cortesia com o outro. É uma tarefa muito exigente, pois sabemos que o momento em que vivemos, em âmbito nacional e internacional, vem marcado pelas intolerâncias, pela reticência à alteridade, pelos fundamentalismos de diversos matizes e pelas afirmações identitárias.

            Apesar das tendências de fechamento que se verificam por todo canto, temos exemplos bonitos de virtuosos do pluralismo, de buscadores religiosos que marcam sua trajetória pelo convite à acolhida da diferença, que lutam em favor da defesa da dignidade da alteridade. É o caso do papa Francisco, um exemplo singular de defesa da causa do pluralismo. Em sua última viagem à Myanmar e Bangladesh, no final de novembro e início de dezembro de 2017, o papa Francisco bradou alto e firme em favor da diversidade, lembrando um tema querido em seu pontificado: “a diversidade é bela”. Na saudação que fez no encontro com os líderes religiosos  de Myanmar ele sublinhou: “A paz se constrói no coro das diferenças”, bem como a unidade. O diálogo firma-se justamente no solo destas mesmas riquezas. A diversidade religiosa não pode ser vista como uma ameaça, mas como fator fundamental de enriquecimento e crescimento. O que possibilita a construção da identidade é o traço das interconexões com o mundo do outro. Nós crescemos na medida em que nos deixamos habitar pelos desafios do outro, pelas pistas novidadeiras que ele nos abre com suas riquezas particulares. É assim que se firma a dinâmica dialogal, com o recurso bonito da interconexão, outra palavra tão sublinhada por Francisco em sua caminhada como bispo de Roma.

            Dialogar não é uma tarefa simples, como às vezes se imagina, mas é um projeto que envolve desapego e disponibilidade; e igualmente atenção, cuidado, cortesia e escuta. Implica em profundo respeito pelo mundo do outro, numa humildade que se expressa em auto-exposição ao outro. A simpatia dialogal vai sendo tecida ao longo do tempo, acompanhando um caminho espiritual marcado pelo despojamento. No início, a alteridade apresenta-se como impacto que remove as entranhas. Ela não é só maravilha, mas também agonia, pois coloca o sujeito diante de uma alternativa nova, de transformação do mundo interior. A presença do outro suscita não apenas alegria, mas também tensão, pois desconcerta o mundo interior, revelando um desvio de trajetória, para além do caminho seguro até então traçado. Dialogar é vencer esse “estranhamento” inicial e entrar num novo circuito de amizade, delicadeza e atenção. Dialogar é deixar-se habitar pelo outro, abrindo novas portas de solidariedade.

            O diálogo não implica a negação ou relativização das identidades construídas. Os interlocutores entram nessa dinâmica com a alegria de suas convicções religiosas. Não se exige abdicação das identidades para que esse processo se realize com êxito. Ao contrário, é a própria autenticidade e sinceridade do diálogo que convoca os parceiros a embarcarem nessa travessia mantendo viva a integralidade de sua própria fé.

            E hoje, mais do que nunca, verificamos que o verdadeiro diálogo não pode reduzir-se ao diálogo inter-religioso. Ele requer a ampliação de laços e redes de acolhida capazes de abraçar com muitos braços a tessitura relacional de todas as coisas. Há que ampliar a cadeia do “nós”, de forma a poder também abrigar os outros seres. O ser humano não está isolado, mas conectado em “nexo singular de crescimento criativo” num âmbito de relacionamentos, que envolvem não apenas os humanos, mas também os animais, os vegetais e os minerais. Há que recuperar essa “malha” essencial da qual fazemos parte, sem se deixar levar pela arrogância ou sentimento de superioridade. Há que estar sempre muito atento a tudo isto, como forma de estar “vivo para o mundo”.

            Dialogar é favorecer um outro clima para o mundo, uma disposição de alegria, de reconhecimento do outro como caminho fundamental para a paz. O diálogo requer abertura de comportas, envolve um respiro aberto, de caminho luminoso. É condição essencial para uma cultura da paz. E há que ser incansável nessa disposição: dialogar, dialogar, dialogar.

Referências:

TEIXEIRA, Faustino. Cristianismo e diálogo inter-religioso. São Paulo: Fonte Editorial/PPCIR, 2014.
TEIXEIRA, Faustino. Malhas da Hospitalidade. Horizonte, v. 15, n. 45, p. 557-605, 2017.
TEIXEIRA, Faustino. A nova perspectiva espiritual de habitar a Terra. Agenda Latino-Americana, p. 228-229, 2017.
TEIXEIRA, Faustino & DIAS, Zwinglio Mota. Ecumenismo e diálogo inter-religioso. Aparecida: Santuário, 2008.


(Publicado no caderno de Reflexões Temáticas do 14º Intereclesial das CEBs. CEBs e os desafios do mundo urbano – Publicação da Mitra Diocesana de Apucarana, 2018)

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