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segunda-feira, 19 de março de 2018

A singularidade do ser cristão

Faustino Teixeira


No sábado, 17/03/2018, conversava longamente com meu irmão, Pulika, versado na prática inter-religiosa. E ele me indagou sobre o traço mais singular que caracterizaria o cristianismo. Sua questão era saber os motivos peculiares que garantiriam a beleza do cristianismo. Minha resposta veio imediata: o amor aos outros. Mencionava a clássica passagem do evangelho de Marcos, com a resposta de Jesus a um escriba: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12,31). Segundo a narrativa de Marcos, para Jesus não poderia haver mandamento maior, junto com o amor ao Mistério Maior. Na verdade, como disse Karl Rahner numa de suas obras clássicas sobre o tema, “só quem ama o próximo pode saber quem é realmente Deus”. Pulika rebateu meu argumento dizendo que esta convocação não era assim específica do cristianismo, ocorrendo também de forma viva em outras tradições religiosas. E fomos juntos levantando novos argumentos para buscar a especificidade da dinâmica cristão.

Durante a leitura litúrgica do quinto domingo da quaresma, ontem, fui novamente provocada a buscar uma resposta à indagação de meu irmão. Em passagem do evangelho de João, um grupo de gregos lança uma interrogação, que também é a nossa: “Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12, 21). Sim, ver o que Jesus traz de novidade e que faz brilhar os olhos dos cristãos e estimulá-los para seguir em missão. Como pontuou de forma linda o documento Diálogo e Anúncio, toda missão centra-se nesse “centro do mistério do amor”. O desejo de compartilhar com os outros a alegria de um encontro funda-se nesse mesmo amor (DA 83).

Voltamos aqui à indagação lançada por José Antonio Pagola no início de seu livro sobre Jesus (Jesus, aproximação histórica): “Quem foi Jesus? Que segredo se esconde neste galileu fascinante, nascido há dois mil anos numa aldeia insignificante do Império romano e executado como um malfeitor perto de uma antiga pedreira, nos arredores de Jerusalém, quando beirava os 30 anos?” Pagola indica que Jesus foi o que de melhor produziu a humanidade, irradiando um admirável potencial de luz e esperança. E mais, “é difícil aproximar-se dele e não sentir-se atraído por sua pessoa. Jesus traz um horizonte diferente para a vida, uma dimensão mais profunda, uma verdade mais essencial. Sua vida converte-se num chamado a viver a existência a partir de sua raiz última, que é um Deus que só quer para seus filhos e filhas uma vida mais digna e feliz”.

Tudo isto me sugere buscar novos argumentos para sinalizar a singularidade do cristianismo, a partir do caminho de Jesus. Lanço algumas hipóteses:

(a)   A convocação ao Amor Solidário: “Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me” (Mt 25,35-36),

(b)  A centralidade da Misericórdia: “Quando o pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço cobrindo-o de beijos” (Lc 15,20)

(c)   O toque essencial da alegria: “Eis que eu vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo” (Lc 2,10)

(d)  O amor incondicional, também aos inimigos: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28)

(e)   A abertura gratuita ao outro. E aqui sublinho sua particular atenção às mulheres. Ele as acolhia todas, sem distinção alguma. Numa sociedade fortemente patriarcal, ela as tornava visíveis. São protagonistas em suas parábolas: “Jesus lhe diz: ´Dá-me de beber!” (Jo 4,7)

(f)    O radical respeito à diversidade: “Em verdade vos digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé. Mas eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente e se assentarão à mesa no Reino dos céus, com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8, 11)

(g)   Um amor gratuito, que não busca recompensa: “Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros (...). Aprendei dos lírios do campo, como crescem, e não trabalham nem fiam” (Mt 6, 26.28)

(h)  A convocação à humildade e ao despojamento: “Se queres se perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me” (Mt 19, 21); “Todo o que exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 14)

(i)    O exercício da comunhão: “Aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,27)

(j)    Disponibilidade ao Mistério sempre maior: “Vem a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis ao Pai (...). Vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (Jo 4, 21-23).



Essas são algumas pistas que fui buscando resgatar no poço precioso do cristianismo, a partir dos gestos e práticas de Jesus. São os traços que destacam a fragrância singular da tradição cristã e que faz brotar essa alegria única no coração. Interessante constatar essa vitalidade evangélica na prática do papa Francisco, que escolheu justamente centrar sua atuação na simplicidade dos gestos de Jesus. Quando ele esteve no Brasil, em julho de 2013, sua fala no santuário de Aparecida resume bem o que também acredito, quando falou de três simples posturas que devem marcar o cristão: conservar a esperança, deixar-se surpreender por Deus e viver na alegria.

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