quinta-feira, 12 de setembro de 2024

O fundo do poço


Faustino Teixeira 


"Em sua tese, Ana Carolina Mesquita cita uma passagem do diário de Virginia Woolf onde ela diz que é melhor se matar que perder o passo fundamental da inspiração", escreve Faustino Teixeira, teólogo, professor emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em artigo publicado em sua página no Facebook, 21-08-2024.

Eis o artigo.

O cineasta Ingmar Bergman tinha vários demônios pintados em sua casa na ilha de Faro.

Ele disse certa vez que o demônio mais violento, que o atormentava mais, era o da falta de inspiração. Ele argumenta que, por sorte, esse demônio nunca marcou sua presença a ponto de desesperá-lo.

Curioso é observar que também Virginia Woolf tinha esse “demônio”, que a atormentava.

Em sua tese, Ana Carolina Mesquita cita uma passagem do diário de Virginia onde ela diz que é melhor se matar que perder o passo fundamental da inspiração.

Aqui então vem a bonita imagem do fundo do poço, que também é muito comum na mística. Em outra passagem do diário de Virginia, ela diz:

Afundamos até o poço & nada nos protege do assalto da verdade. Lá embaixo eu não consigo escrever ou ler; & contudo existo. Eu sou”.

Essa descida ao fundo de si foi descrita lindamente por Teilhard de Chardin no seu "Meio Divino", um livro que nasceu nas trincheiras da I Grande Guerra, e nunca pôde ser publicado enquanto ele viveu.

Nessa obra ele relata uma viagem interior, quando "tomou a lâmpada" e avançou pelos meandros da interioridade. Não foi uma experiência fácil, como ele relata. Durante a descida, foi deixando "a área aparentemente clara" de suas ocupações e das evidências convencionais. Avançou, sim, para aquele abismo mais fundo, de onde emana todo o poder de ação.

Aos poucos, foi sentindo a carência de solo seguro, e vivenciou uma angústia essencial "do átomo perdido no universo". Daquele abismo profundo ele pôde perceber a presença de uma onda que ele ousou chamar: Minha Vida. E então, quando tudo estava para se perder, ele ouviu do recanto mais longínquo e profundo uma voz que dizia: "Ergo sum, noli timere" (Sou eu, não tenham medo).

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