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quinta-feira, 23 de abril de 2020

As orações inter-religiosas: uma história

As Orações Inter-religiosas ilustradas: uma história

Faustino Teixeira

Durante a nossa inteira existência,
com a nossa força e vontade,
torna-se necessário pronunciar
palavras de amor

Dôgen


Tive sempre uma ligação orgânica com as orações. Elas fazem parte da minha trajetória de vida e estão sempre presentes como fonte de sustento e animação. Privilegiei nas minhas compras de livros, aqueles que tratavam da mística e da oração, sobretudo nas últimas décadas. Foi assim que nasceu a obra que organizei junto com o colega e amigo, o frei franciscano Volney Berkenbrock. Juntos trabalhamos na publicação do livro Sede de Deus, pela editora Vozes em 2002. 

Na introdução do livro, de minha autoria, falava sobre a importância do fenômeno da oração, sobretudo para a experiência religiosa humana. Dizia, citando um teólogo italiano, que ela é o “respiro das religiões”. Recorri ainda ao antropólogo Marcel Mauss para indicar o traço social da oração. Um fenômeno, que como ele diz, favorece uma “impressão de vida, riqueza e complexidade”. A oração como um “rito total”, no sentido de abarcar a totalidade do ser humano. O mais interessante quando se estuda a oração, é perceber o seu alcance universal. Como mostrou Claude Geffré, numa de suas clássicas homilias, a oração “é mais universal que a fé explícita no Deus personalizado”. Não há tradição cultural no mundo desprovida desse sussurro multiforme.

Na ocasião, Volney e eu decidimos optar pelas orações das tradições monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e Islã. No total, foram 303 orações, num livro de 342 páginas. Foi bem feliz a escolha das orações, algumas de beleza ímpar. Elas serviram de estímulo a muitas pessoas, independentemente de sua domiciliação religiosa. Foram utilizadas por diversos grupos e comunidades, auxiliando nas dinâmicas comunitárias. Não foram poucas as pessoas que elogiaram a iniciativa. A edição, com 10.000 exemplares, se esgotou rapidamente.

Um tempo depois, voltamos a publicar um novo livro – Volney e eu -, retomando as orações dos monoteísmos, mas acrescentando inúmeras outras, de tradições diversas. O leque da escolha se ampliou, hospedando agora outras religiões ou expressões de espiritualidade. O livro ganhou novo título: As orações da humanidade, e foi publicado pela Vozes em 2018, 16 anos depois da edição da primeira obra, com 362 orações em 326 páginas.

Mais ou menos no período em que o livro Sede de Deusfoi lançado, nasceu a ideia de divulgar as orações com o recurso da internet. Foi quando nasceu o projeto das Orações Religiosas Ilustradas, ali nos primeiros anos do início do novo milênio. O espaço de publicação das orações, uma a cada semana, foi o portal do Mosteiro da Anunciação do Senhor, localizado na cidade de Goiás. Na ocasião, o prior era o Monge Marcelo Barros, que recebeu com grande carinho a iniciativa e disponibilizou o canal do Mosteiro para a divulgação do projeto. Junto comigo, meu irmão Pulika (Paulo Couto Teixeira), dotado de impressionante criatividade artística. A cada semana eu escolhia uma oração e ele ilustrava. Impressionava-me a rapidez com que reagia aos poemas e irradiava em seguida com seu toque de inspiração singular. O projeto durou por cerca de cinco anos. Guardo com carinho na memória a beleza do trabalho realizado, e da riqueza e impacto das ilustrações escolhidas a cada semana. Há que recordar outro elemento importante no projeto. O nosso entendimento de oração não era estrito, mas lato, acolhendo igualmente poemas que na nossa ocular refletiam uma densidade espiritual.

 Depois do Mosteiro da Anunciação, o trabalho ganhou continuidade no Instituto Humanitas da Unisinos (IHU). Não sei precisar exatamente a data de início dessa continuidade, mas isso ocorreu por volta de 2011. Dei a ideia para o amigo jesuíta Inácio Neutzling, diretor do IHU, e ele logo acolheu o projeto com alegria. A iniciativa foi alocada no setor de espiritualidade do IHU, com o título Orações Religiosas Ilustradas. Nas ilustrações contei com a presença do Pulika, e depois com o artista plástico de Juiz de Fora, Paulo Talarico. Passando os olhos hoje no IHU, 22/04/2020, verifiquei que já temos ali 183 orações publicadas. A peridiocidade é  semanal, nas sextas feiras. No momento, as ilustrações são tiradas de fotos pessoais ou ilustrações divulgadas na internet. Na ajuda técnica para o projeto tenho contado com a preciosa colaboração de Cristina Guerini, que trabalha no IHU, e ficou responsável pela operacionalidade semanal da iniciativa.

Agora nasceu uma nova ideia, também surgida em conversa com Inácio Neutzling, que continua na direção do IHU. Venho percebendo que nos últimos tempos surgem por todo canto iniciativas de divulgação de poemas através de vídeos ou lives. E isto ganhou uma dimensão ainda maior com este nosso momento de quarentena em razão da pandemia do coronavírus. O portal do Paz e Bem, onde atuo semanalmente num curso de espiritualidade, sob a coordenação de Mauro Lopes, lançou recentemente a iniciativa de divulgar a cada semana uma oração (também em sentido lato), com ilustrações, recitadas por Sumaya Fuad. Muitas das orações são retiradas do portal do IHU. Trata-se de um belo trabalho, incentivado por Mauro Lopes. Vejo que outros poetas, como Mariana Ianelli e Alberto Pucheu vêm atuando em trabalhos semelhantes, com a divulgação de poemas próprios ou de outros. 

A nova iniciativa do IHU, com as orações declamadas, está para começar a acontecer, sob a direção de Ricardo Machado, escolhido por Inácio Neutzling para operacionalizar a ideia. As orações inter-religiosas ilustradas semanais continuarão a ser publicadas nas sextas feiras, agora acrescidas também das orações inter-religiosas declamadas. Atuaremos em conjunto, Ricardo e eu, semanalmente, para oferecer à comunidade que segue o IHU mais esse brinde. É algo muito oportuno nestes tempos sombrios, onde grande parte das pessoas vive uma quarentena forçada. É igualmente um dom para aqueles que não conseguem ler ou têm dificuldades para leitura. É provável que a iniciativa já comece nessa segunda semana da Páscoa. 

A iniciativa não se fecha no círculo dos cristãos ou religiosos, mas busca envolver um leque bem maior de pessoas, também aquelas que vivem uma espiritualidade singular, fora das filiações tradicionais. O espectro é bem amplo,  e certamente vai ser do agrado das pessoas que buscam fortalecer sua vida com  palavras de amor e de alegria.


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