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sábado, 1 de março de 2025

Bob Dylan, uma voz profética

 Bob Dylan: uma voz profética

 

Pude este ano acompanhar com empenho e atenção os filmes que são candidatos ao Oscar 2025. Ontem, 28 de fevereiro, pude assistir, com muita emoção o filme dirigido por James Mangold: A Complet Unknown (Um completo desconhecido). Trata-se de uma produção norte americana, de 2024, já prenunciada em janeiro de 2020, num tempo difícil, prenunciando a pandemia da COVID 19. O título do filme veio tomado de um trecho de clássica música de Bob Dylan: Like a Rolling Stone:

 

“How does it feel

How does it feel

To be without a home

Like a complete unknown

Like a rolling stone?”

 

O filme aborda o início da carreira de Bob Dylan, desde o momento inicial, marcado pela dinâmica folk, até a histórica decisão de recorrer a instrumentos elétricos para adornar suas canções. Há na base do filme, o influxo do livro de Elijad Wald: Dylan Goes Electric (2015). O filme teve sua estreia em Los Angeles em dezembro de 2024, sendo em seguida lançado nos Estados Unidos.

 

A produção de Mangold recebeu oito indicações para o Oscar de 2025: Melhor filme, melhor diretor (James Mangold), melhor ator (Thimothée Chalamet), melhor ator coadjuvante (Edward Norton) e melhor atriz coadjuvante (Monica Barbaro), melhor roteiro adaptado (James Mangold e Jay Cocks), som (Tod A. Maitland, Donald Sylvester, Ted Caplan, Paul Massey e David Giammarco) e figurino (Arianne Phillips). 

 

O enredo é cativante, envolvido por canções maravilhosas, que fizeram e fazem história. Traz também como elemento elucidativo, algumas presenças que marcaram a trajetória de Bob Dylan no início da carreira. Sublinho aqui as figuras de Woody Guthrie (1912-1967) e Peter Seeger (1919-2014). O primeiro foi das mais importantes e influentes figuras da música folk americana, com forte densidade política. O segundo foi também um músico americano, cuja carreira teve início na década de 1940, com auge em sua participação na banda The Weavers. Teve também, como Guthrie, um papel importante na canção de protesto, sobretudo contra a guerra e em favor dos direitos civis.

 

No início do filme,  Bob Dylan, ainda com vida precária, viaja de carona para Nova York, visando conhecer o seu grande ídolo, Woody Guthrie. O cantor está internado, padecendo de uma doença hereditária incurável, que leva a uma perda progressiva da coordenação motora, locomoção, movimento e fala: doença de Huntington. Ele morreu cedo, com 55 anos.  Quando chega ao hospital depara-se também com a presença de Peter Seeger, que fazia uma visita ao amigo. Durante o encontro dos três, Bob Dylan toca uma canção dedicada ao ídolo, que encanta os dois que estavam ali, diante dele. Na linda Canção para Woody, Dylan assinala: “Salvem as mãos e os corações de quem surgiu com a poeira e se foi com o vento”. Daí começa uma carreira, no mundo do folk, sob o incentivo de Peter Seeger.

 

Merece igualmente destaque no filme, a maravilhosa trilha sonora, que já saiu em CD: A complete Unknown (Original Motion Picture Soundtrack), com 20 músicas, a maioria de Bob Dylan, mas também de Juan Baez e Johny Cash. 

 

Nos trajetos da música folk, Dylan acaba conhecendo Sylvie, que será um grande amor em sua vida; bem como Juan Baez, com a qual também viveu um envolvimento afetivo. A relação intensa de Dylan com Sylvie vai acompanhar todo o filme, mas sempre pontuada por dúvidas e angústias, sobretudo quando a fama começa a se instaurar na carreira de Dylan. Sylvie sofreu, sobretudo, com a atitude distante de Dylan , seu tom misterioso e inalcançável. Ela não conseguia entender e aceitar a recusa recorrente de Dylan em desvendar o seu passado para ela. Apesar de tudo, Sylvie foi uma grande incentivadora para o voo autônomo de Dylan, rompendo com o caminho das gravações covers. Na medida em que Dylan se aproxima de Juan Baez, a relação vai tomando um rumo diferente, até o rompimento ocorrido em 1965.

 

Em cena singela do filme, Sylvie acompanha Dylan em viagem para o Newport Folk Festival, em 1965, quando Dylan seria a grande atração. Ao assistir a apresentação de Dylan com Baez, ela pressente não haver futuro seguro com o grande amor de sua vida. É o momento no filme em que o Dylan-Baez interpretam de forma linda a canção It Ain´t Me, Babe, quando ele revela não ser aquele que ela procura, o que vai abrir “todas as portas. O amor para Dylan, está sempre envolvido por uma neblina, como bem expressa em outra canção - Don´t Think Twice, It´s All Right:

 

“(...) Não adianta nada acender a luz, amor

Aquela luz que eu nunca vi

E não adianta nada acender a luz, amor

Eu estou no lado escuro da rua (...)” – 

 

Dos traços positivos do filme, destaco aqui as impressionantes atuações de Timothée Chalamet (no papel de Bob Dylan) e Monica Barbaro (no papel de Juan Baez). Gostei também muito da atuação de Edward Norton, no papel de Pete Seeger. O diretor conseguiu traduzir de forma muito feliz a personalidade volátil de Bob Dylan, sua angústia permanente, sua ojeriza à fama, sua solidão e os percalços nos relacionamentos. No fundo, alguém marcado por uma busca insaciável, de um viajante que jamais se contenta com o adquirido. Quer sempre mais. Nós o encontramos durante todo o filme, em noites insones, buscando a perfeição para as suas composições, sempre com o traço de sua insatisfação social e o seu protesto permanente. Destaco alguns trechos de músicas apresentadas no filme:

 

Em Blowin´ in the Wind:

 

“… Quantas vezes voarão as balas de canhão

Antes de serem proibidas para sempre?

A resposta, meu amigo, sopra no vento (...).

Quantos anos pode um povo existir

Antes do direito de ser livre (...).

Quantas mortes há de haver antes de ele saber

Que gente demais já morreu...”

 

Master of War

 

Venham, seus mestres da guerra

Vocês que fabricam as armas todas

Vocês que fabricam os aviões da morte

Vocês que fabricam as grandes bombas

Vocês que se escondem por trás de muros

Vocês que se escondem por trás de mesas

Só quero que vocês saibam

Que eu enxergo por trás dessas máscaras (...).

Vocês brincam com o meu mundo

Como seu fosse seu brinquedinho (...)”.

 

The Times They Are A-Changin` 

 

“ (…) Se vocês acham que vale a pena salvar o seu tempo

Então é melhor começar a nadar pra não afundar como pedra

Porque os tempos, eles estão mudando (...).

 

When The Ship Comes in

 

“Ah, vai chegar o tempo

Em que os ventos vão parar

E a brisa vai deixar de respirar (...)

Ah, os mares vão se abrir

E o navio vai tocar

E as areias da praia vão estremecer

E a maré vai soar

E o vento, surrar

E a manhã começa a irromper (...)”

 

Ao final do filme, saímos com a grata sensação de ter experimentado uma das mais grandiosas forças musicais do século XX, cuja arte e inspiração, continuam a mover os nossos sonhos. Mesmo sem saber bem, com a sensação de que estamos “sem casa”, num mundo a ruir, percebemos que, como desconhecidos, podemos testemunhar o rolar das pedras. E a cada momento podemos convocar o “Senhor Pandeiro” para tocar uma canção inusitada e esperançosa, levando-nos numa viagem no navio mágico que gira. Temos que estar prontos, como diz Dylan, para “ir a qualquer lugar”.

 

Não há dúvida alguma sobre o merecimento de Bob Dylan em ganhar o Oscar de Literatura, em 1993. Ele não foi receber o prêmio, confirmando um traço típico de seu temperamento reticente e avesso às burocracias. No seu lugar, a presença luminosa de Patti Smith, numa interpretação magnífica da canção: A Hard Rain´s A-Gonna Fall. Com sua límpida e generosa voz, Patti pode evocar naquele momento solene o recado de Dylan, de que uma chuva pesada vai cair; uma chuva que vem acompanhada de uma onda que pode afogar o mundo todo.

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