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quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Celebrando os 59 anos de Marco Lucchesi

 Celebrando os 59 anos de Marco Lucchesi

 

Faustino Teixeira

UFJF/IHU

 

 

Hoje, 09 de novembro de 2022, comemoramos o aniversário de Marco Lucchesi. É dia de grande alegria para mim, pois tenho em Marco um amigo muito especial. Posso dizer que é algo de grande profundidade que nos une. É o meu grande parceiro do diálogo e da abertura ao outro. Li ontem, emocionado, o livro que acaba de sair sobre ele: Marco Lucchesi, poeta do diálogo (Tesseractum, 2022). Um livro organizado por vários autores, a começar por Ana Maria Haddad Baptista. São inúmeras entrevistas concedidas por Marco Lucchesi nos últimos anos. 

 

Ao início Marco fala do significado de ser entrevistado: “A entrevista é um espaço visionário, uma convocação de todos os possíveis”. Ele fala que dificilmente escreve cartas, e sei disso, mas manda bilhetes, sobretudo “para dar impulso” aos seus interlocutores”. São “espasmos”. 

 

Marco está em tempo sabático na Itália, junto a seus familiares, dedicando-se também aos estudos de Turco, na Universidade Oriental de Nápoles. O turco, para ele, é das línguas que aprendeu, a mais difícil. Tive a alegria de fazer o prefácio de um dos trabalhos que realizou ali, traduzindo um grande místico turco: Yunus Emre. Nesse seu primeiro ano sabático, depois de 32 anos de trabalho na Universidade, pôde também viajar pela Amazônia, estudar a língua Nhengatu e viajar pelos rios da região visitando comunidades indígenas.

 

Um dos títulos de entrevista concedida por Marco, resume bem o que ele é: um grande buscador na aventura da Unidade. Fala de sua paixão pela Divina Comédia, mas se inspira também em busca similar a de Ulisses: “Eu me deparo com Ulisses que não volta para Ítaca, indo naufragar nas praias da eternidade, junto ao Purgatório”. 

 

Comenta vários de seus livros, um dos quais tenho grande admiração: Os olhos do deserto(2000). Nesse livro, Marco fala de sua paixão pelo deserto: “O corpo do deserto me fere de modo irreversível. Sou habitado por uma paisagem de pedra e de areia, pela qual sigo enamorado, e beijo seus lábios de vento e desabrigo”. Com o deserto, a grande paixão pelo Islã e sua mística maravilhosa. Nas paisagens da Síria, no deserto de pedras de Mar Musa, conheceu o jesuíta Paolo dall´Oglio, e seu lindo projeto dialogal. Dele ouviu palavras reveladoras: “Abrimo-nos profundamente à religião muçulmana e à sua civilização, em virtude da tranquilidade de nossa fé em Cristo, e não por uma dúvida a seu respeito”. No livro-entrevista, Marco sinaliza que sua grande paixão tem sido “a de conjugar as parte quebradas de um diálogo”, com a consciência viva de que “a cidadania vem dos âmbitos de uma conversa marcada de adição”.

 

Marco pontua que os desertos que mais o impressionaram foram os da Mauritânia e o da Síria: “As grandes vastidões, o sentimento do infinito, a nostalgia do mais se entrecruzam nesses espaços marcados de infinito”. Foi para ele uma experiência de nudez essencial, que revelou “caminhos de sensibilidade” e a recordação da “inefabilidade do Paraíso de Dante”.

 

Sobre o futuro, Marco sublinha que o encara com saudades: “Saudade do ainda-não. Mesmo que no passado. A volta de Guimarães Rosa como a volta ao primordial, fora do tempo e do espaço. A demanda de Ítaca e do tempo mítico”. Outro belo livro de Marco fala também desse tema: Saudades do Paraíso(1997). Ali relata grandes encontros que teve em seu caminho: com Roger Garaudy, Nise da Silveira, Rubens Corrêa, Adélia Prado, Antônio Carlos Villaça e Naguib Mhfuz. Encontros lindos e reveladores, com aprendizados inaugurais. 

 

Desse livro assinalo a importância do capítulo nomeado Rosto Perdido, onde Marco traço um pouco o que foi o seu caminho, a sua “palavra-conflito”. Dizia que sua grande viagem “era toda metafísica”. Uma viagem “não menos dramática” que alguns de seus colegas que optaram pelas drogas. Era também uma viagem xamânica, “não menos lúcida e não menos arriscada”, marcada pelo anseio do divino, pela nostalgia diante de tudo. Dizia: “Conhecer Deus e provar-lhe a existência. Conhecer Deus e procurá-lo sem trégua (...), subindo escarpas íngremes e algo impenetráveis, devassando as suas entranhas invisíveis, logrando a teoria, sem os enigmas da imanência”. 

 

Como seus pares, identifica aqueles que aderem a horizontes similares, e não “aos que militam na burocracia, no inferno das formalidades desfibradas, sem entusiasmo”. Como diz Paul Tillich na sua Teologia Sistemática, entusiasmo é “ter Deus dentro de si”. Isso Marco tem com largueza. Admira os críticos literários, mas sempre movido pela advertência de Pablo Neruda, em sua Ode à Crítica. Quando trata desse campo, Marco está atento: “A crítica da poesia, meu Deus! E as exclusões, a pressa em catalogar borboletas, assassinando-as, impedindo-lhes o voo”. 

 

Acabou decidindo abandonar o trabalho inglório das traduções, para ele “um trabalho desesperador, um convite para insônias”. Dedica-se agora às traduções mais sedutoras, sobretudo ligadas à mística. Sublinha que ao se dar ao trabalho de tradução busca encontras afinidades e admirações, “zonas de fronteira e leituras coincidentes, de modo a evitar arbitrariedades de si contra si, das “esquizofrenias e pluralidades” que não lhe pertencem. Procura sempre, sim, ressonâncias. 

 

Marco diz que a literatura e a poesia o salvaram, permitindo a rica “articulação entre plural e singular, como se a virtualidade do poema representasse um caminho sutil, que se espalha ao passado e ao futuro”. Traduziu poetas que sempre amou como Rilke, João da Cruz, Rûmî e Trakl. Para ele, a poesia não é a segunda pele, mas a primeira, a poesia entendida “como a forma de sentir e organizar o mundo das coisas”. Quanto ao panorama da poesia brasileira, Marco vê muitos pontos positivos, mas não se esquiva do que há de problemático: “O lado negativo repousa nas igrejinhas, nos pequenos partidos, em certas mistificações, ou zelos excessivos, e na tremenda confusão de transformar a experiência literária num pretexto a desperdiçar o estado de ser mais visceral, o risco mais intenso e profundo que o fazer poético pode produzir”.

 

Os tempos atuais, difíceis, causam profundo horror a Marco. Sublinha que esses tempos são “ferozes”, e que “a cada qual foi reservado uma herança de naufrágio e redenção”. Como viajante teimoso, Marco continua vivo em sua busca radical da paz e do diálogo. Recorre de forma brilhante ao seu dom único de buscador, de um intelectual que não teme diante das situações-limite, sempre visando algo mais, sempre na busca de superação de seu manejo com a palavra, transitando com alegria pelas diversificadas áreas do saber, mas sobretudo buscando o ser humano, onde quer que ele vibre na sua habitação. Parabéns, Marco querido.

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