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terça-feira, 8 de novembro de 2022

A morte do Cerrado


A morte do Cerrado

Faustino Teixeira

IHU - Paz e Bem


Preparando minha aula sobre os contos de Guimarães Rosa, em particular o conto "O recado do morro" (Corpo de Baile), deparei-me com algumas reflexões de José Miguel Wisnik em torno do cerrado, com base numa excelente entrevista que ele leu, de uma das maiores autoridades sobre o tema do Cerrado: Altair Sales Barbosa (publicada no Jornal Opção, de outubro de 2014).

O tema do breve texto de Wisnik tem como título "Recados" (25/10/2014), bem apropriado ao conto que estamos por analisar na aula do dia 09/11/2022. Como indica Wisnik, o Cerrado é o "Matusalém dos biomas. Enquanto a Amazônia tem três mil anos de formada, a Mata Atlântica sete mil, o Cerrado tem quarenta milhões". Trata-se do "maior viveiro da espécie" (ou pelo menos era até pouco tempo).
A flora anciã, como diz Wisnik, vem sendo substituída pelas inovações progressistas da monocultura, e junto, o "império do eucalipto a ser transformado em carvão". A devastação provocada tem consequências inomináveis: uma "devastação invisível de grandes consequências estruturais: é a floresta subterrânea das raízes que desaparece junto com a vegetação nativa, com ela o bioma de milhões de anos e o sistema que alimenta e realimenta os aquíferos".
A respiração hídrica do Cerrado veio profundamente prejudicada e sufocada nos últimos anos. Como diz Altair,
"até meados dos anos 1950 tínhamos o Cerrado praticamente intacto no Centro-Oeste brasileiro. Desde então, com a implantação de estrutura viária básica, com a construção de grandes cidades, como Brasília, criou-se um conjunto que modificou radicalmente o ambiente. A partir de 1970, quando as grandes multinacionais da agroindústria se apossaram dos ambientes do Cerrado para grandes monoculturas, aí começa o processo de finalização desse bioma".
Os estudos mostram o papel fundamental da vegetação existente no Cerrado, que é "a que mais limpa a atmosfera". A riqueza dos rios, da fauna e da flora. Tudo começa a ser profundamente prejudicado com a entrada no agro-negócio. Com a entrada dos inseticidas, a violentarão e morte dos polinizadores e dos insetos nativos. E a riqueza de plantas vai se extinguindo. São nada mais dos que 12.365 plantas catalogadas no Cerrado, as que conhecemos. O número é bem maior.
Altair dá o impressionante exemplo dos buritis, que para atingir 30 metros de altura necessitam de 500 anos. Também a canela-de-ema para chegar à idade adulta necessita de mil anos. Para manter-se vivo, o Cerrado precisa manter seu solo oligotrófico, e isso vem sendo dizimado.
O exemplo dos rios também é mencionado por Altair. Com a presença do homem-humano, que vem ocupando as margens dos rios, ocorrem fenômenos predatórios muito perigosos de assoreamento e erosão. As nascentes vão, cada vez mais, descendo, a ponto de prejudicar o lençol freático. Em pouco tempo não teremos mais água, e com essa crise estaremos diante de uma bomba-relógio. Segundo Altair, "dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano (...). Com o passar do tempo, as águas vão desaparecendo da área do Cerrado. A água, então, é outro elemento importante do bioma que vai se extinguindo".
O processo de capitalização do campo tem também consequências sociais muito graves, como a "desestruturação do homem do campo", que vai sendo expulso pelo grande capital para as periferias das cidades, desestruturando comunidades inteiras. Altair fala das consequências da desterritorialização dessa população, que acaba sofrendo transformações mutiladoras, sobretudo no campo mental.
Altair fala também dos problemas relacionados com a transposição do Rio São Francisco. Ele sublinha que a iniciativa foi "um ato muito mais político que científico. Ela atende muito mais a interesses políticos de grandes proprietários do Nordeste na área da Caatinga". Com a obra, ainda em fase de conclusão, é toda a mecânica do São Francisco que vem prejudicada.
Como mostra Altair, "o rio, que corria lento, passa a correr mais rapidamente, porque está tendo sua água sugada. Seus afluentes, então, também passam a seguir mais velozes. Isso acelera o processo de assoreamento e de erosão". Em consequência, "aceleram a morte dos afluentes".
Para o autor, a iniciativa da transposição do rio é simplesmente "estabelecer uma data para a morte do rio, para seu desaparecimento total. Podem até atender interesses econômicos e sociais de maneira efêmera, em curto prazo, mas em dez anos acabou tudo".
Ao final de seu texto, Wisnik sublinha que o processo eleitoral (da ocasião, 2014) "varreu do mapa essa ordem de questões. Quem pretende sustentá-las, como Eduardo Viveiros de Castro, fica condenado ao papel de Nomidômine, o recoveiro lunático do conto de Guimarães Rosa, profeta do fim do mundo e ´ameaçador de tantas prosopopeias`. Marina Silva, que pretendeu introduzi-las no nosso repertório político, foi bombardeada pelos drones confusionistas da propaganda de Dilma e aderiu a Aécio, que não convence no papel de salvador da pátria".

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