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quinta-feira, 21 de abril de 2022

Os contrastes luminosos em Clarice Lispector


Os contrastes luminosos em Clarice Lispector 

Faustino Teixeira

IHU/Paz e Bem


No curso de Nádia Battela Gotlib, que está sendo oferecido no portal da Escrevedeira, estamos refletindo sobre algumas cartas, crônicas, contos e romances de Clarice Lispector. A forma como a professora da USP aborda o tema é muito rica, pautada em três décadas de experiência intensa de leituras, reflexões e ensino sobre essa grande escritora brasileira. Dela temos uma das mais ricas biografias de Clarice: Clarice, uma vida que se conta(7 ed - Edusp, 2013), bem como o belo livro: Clarice fotobiografia ( 3 ed - Edusp, 2014).

 

Na segunda aula do curso, dedicada às crônicas, elas nos apresentou e comparou duas crônicas de Clarice que são muito especiais: Espanha (28/11/1970) e Desmaterialização da catedral (20/01/1973). Na primeira crônica, temos o lado vital de Clarice, que através da imagem de uma dança flamenca, aborda o “fôlego humano”, a vontade radical de vida, que mediante modulações sanquíneas expressa gritos e gemidos, num canto impaciente. Ali temos concentrada uma “história de viver, amar e morrer”. O sapateado tumultua o nosso mundo interior e nos faz participar da dança e captar o grito ali implícito. Temos sobretudo vitalidade, mas também uma “rivalidade” singular entre o homem e a mulher. Trata-se, segundo Clarice, de uma dança tão especial “que mal se compreende que a vida continue depois dela”. O que ali importa “é o triunfo mortal de viver”.

 

Na outra crônica, Clarice passa-nos uma imagem de Berna, cidade onde viveu entre 1946 a 1949, um dos períodos mais duros e depressivos de sua vida, mas que igualmente provocou nela uma de suas criações estéticas mais sublimes. Ali escreveu um romance que particularmente gosto muito: Cidade sitiada, bem como viu nasceu seu primeiro filho, Pedro. Na crônica, Clarice fala da catedral de Berna, que ficava próxima de sua casa. Aquela casa de oração “gótica, dura, pura”, onde “o que era pedra rugosa se transformava em lúcido desenho de luz”. Naquele espaço grandioso, a presença de uma força de transparência que amenizava o vazio dos domingos silenciosos. Em Berna, Clarice aguardava com todas as suas energias a vinda da primavera, a libertação da neve dissolvedora da alegria. É como se Clarice, como diz numa crônica, colasse quieta seu ouvido na terra para pressentir o verão, e aguardar com calma “que a neve parasse e os gerânios vermelhos de novo se refletissem na água”. 

 

Lendo com meus aluno Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres(1969), revemos Clarice falar desse contraste do quente da Espanha com o frio da Suiça em Berna. No romance, Clarice repete o nome de Berna algumas vezes, dos “fantasmas da noite de Berna”. Naquela cidade onde os suicidas se jogam da ponte de Kirchenfeld, também próxima da casa de Clarice, pode-se também experimentar, duramente, uma vida “na orla da morte e das estrelas”, numa tensa vibração que anseia pela “luz da aurora”. 

 

No livro Uma aprendizagem, Clarice vai fazer a comparação dos dois climas espirituais contrastantes: o da Espanha e de Berna. Ela, através de Lóri: “É tão vasta a noite da montanha. Tão despovoada. A noite espanhola tem o perfume e o eco duro do sapateado da dança, a italiana tem o mar cálido mesmo se ausente. Mas a noite de Berna tem o silêncio” (p. 33). Diante do silêncio, diz Clarice, não há como esquivar-se: “O coração tem que se apresentar diante do Nada sozinho e sozinho bater em silêncio de uma taquicardia nas trevas”. Para enfrentar esse duro silêncio é necessária a coragem: “Se não há coragem, que não se entre”, diz a narradora. Ao silêncio segue-se a espera, a longa espera que antecede a aguardada “luz da aurora”. 

 

Lembrei-me da aula de uma comparação que fiz com essa passagem de Clarice no livro Uma aprendizagem(p. 35), com a passagem do pacto na encruzilhada, feita por Riobaldo em Grande Sertão Veredas. O jagunço também experimentou a dor do silêncio e do vazio. Tinha saído sozinho para o mistério da noite. Dizia que a aguinha das grotas tem que “gruguejar sozinha”. Riobaldo viver a dor do friúme da noite, até então, depois, poder experimentar o orvalhar, que transformou o seu ser e favoreceu a ele topar com “outra razão” e conseguir, finalmente, atravessar o Liso do Sussuarão. Comentei com meus alunos, que assim que li a passagem de Clarice sobre o silêncio, o que me veio à mente, claramente, foi o trecho do Grande Sertão que aborda a mudança em Riobaldo.

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