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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Paolo Dall´Oglio, místico e profeta do diálogo com o Islã

 Paolo Dall´Oglio, místico e profeta do diálogo com o Islã

 

 

Faustino Teixeira

PPPCIR/UFJF, Paz e BEM 

E colaborador no IHU

 

 

Em livro publicado em 2015 pela editora Dragão, do Rio de Janeiro, Marco Lucchesi abordou o tema da “Longa noite síria”, tratando da voz solitária de um grande místico e profeta jesuíta, Paolo Dall´Oglio (1954- ). O livro veio oferecido a ele, que se encontra sequestrado na Síria, e toda a sua comunidade de Al-Khalil. Talvez Paolo tenha realizado uma das mais belas experiências de diálogo inter-religioso com o islã, através da comunidade em Mar Musa. 

 

O livro de Marco Lucchesi, de beleza impar, reúne as cartas entre ele e Marco dall´Oglio. Foram dois amigos queridos. Além das cartas, o livro favorece o acesso a outros documentos precioso, como a carta de Paolo a Kofi Annan, propondo uma reforma da nação e a sugestão de um modelo viável para a paz na região. Há também um belo texto de Marco Lucchesi, Meu irmão, o deserto, onde ele fala de seu grande carinho pela experiência. E cito um trecho:

 

“A língua árabe constitui a língua de nossa vocação, e de nossa identidade espiritual. Reunimo-nos ao ocaso na igreja, no coração do mosteiro ao anoitecer, e nos sentamos juntos, uma hora de silêncio, para Deus. A liturgia eucarística não se interrompe na noite, e durante o seu curso o Espírito anuncia em nossa profundezas a salvação, atingindo o mundo dos sonhos. Tudo repousa em Deus”[1]

 

            E conclui Marco Lucchesi em seu texto poético: “Madrugada. E acima de nossas forças, a noite do destino, o brilho terso das estrelas, frutas perfumadas, prestes a se desprender da árvore da vida”[2].

 

            Ao final do livro seguem-se artigos e manifestos, um dos quais assinei junto com Marco Lucchesi, com o título: Para a libertação de Paolo. Foi redigido em conjunto em agosto de 2013 e divulgado por todo canto, em português, inglês e árabe. Em trecho dirigido aos heróis da guerra pela liberdade da síria, dizíamos em trecho da carta aberta:

 

“Acompanhando do Brasil o testemunho de coragem e grandeza de todos vocês, que sonham e lutam pela liberdade na Síria, com páginas sublimes em prol da libertação de um povo martirizado, por décadas de opressão, dentro da mais alta visão corânica da justiça e da Misericórdia . Acompanhamos com apreensão o desaparecimento de Abuna Paolo dall´Oglio, que ama a Síria e o Islã, sem meio termo, com a entrega de sua total da sua própria vida, dentro e fora da Síria”[3]

 

Dizíamos ainda na carta que Paolo é um 

 

“É um cristão singular, um verdadeiro abdâl, que junto com outros irmãos e irmãs generosos da terra de Sham, foram escolhidos por Deus para sanar as feridas do mundo mediante o dom de si. Alguém que faz ver ao Ocidente a suprema beleza do Islã, sua atitude e sentido ético. Diz com alegria no coração que se sente um muçulmano de inscrição cristã. Abraçou a Ummacom a integralidade de sua fé, fazendo-a sua companheira mais íntima, na sua carne mesma. Toda a sua vida foi dedicada ao trabalho humanitário do diálogo com os amigos muçulmanos. Cita o Alcorão com grande mestria e chega às lágrimas de sangue pela libertação de sua pátria, a Síria, que para ele é expressão viva da ressurreição”[4].

 

Em outro livro de Marco Lucchesi, “Os olhos do deserto” (Record, 2000) ele relata seu encontro com Paolo na Síria, quando visitou a experiência mista e inter-religioso no velho mosteiro situado no deserto. Ele diz no livro:

 

“Paolo dall´Oglio, jesuíta padre do deserto, descobriu o convento, e nele empreendeu uma notável restauração: seu projeto voltado para Massignon, Gandhi e Charles de Foucauld (....). Dall´Oglio está fundando uma nova ordem –tenho a ventura de ler as regras. Marco: Decidi buscar o rosto de Cristo no Islã. Veja: moram aqui , separadamente, homens e mulheres, em castidade consagrada, voltados para acolher o outro, seja de que modo for. Os hósp“Paolo dall´Oglio, jesuíta e padre do deserto, descobriu o convento, e nele edes são considerados embaixadores de Deus...”[5].

 

Todo o empenho da comunidade é voltado para o diálogo com o islã, e a língua que eles utilizavam nas cerimônias era o árabe, língua sagrada por excelência. Retoma Marco Lucchesi:

 

“Os monges e monjas de Mar Musa são orientais por causa de sua vocação, e não de sua proveniência. Árabes por causa por causa de seu amor aos árabes, e não por sua origem. Abrimo-nos profundamente à religião muçulmana e à sua civilização, em virtude de nossa fé em Cristo, e não por uma dúvida a seu respeito”[6].

 

Uma experiência semelhante à vivida pelos monges de Tibhirini, que em sua maioria foram sequestrados e violentamente mortos em 1996. Uma das mais bonitas experiências, esta realizada na Argélia, sob os cuidados do superior, Christian de Chergé, um místico muito especial. Parte da experiência foi retratada no belíssimo filme, “Homens e Deuses” (2010), vencedor do prêmio Cesar, com a participação do excelente ator Michel Lonsdale, no papel de frei Lucas, o médico da comunidade.

 

Tratei das duas experiências no meu livro “Buscadores cristãos no diálogo com o islã”, publicado em italiano e também em português, pela editora Paulus, em 2014. 

 

Dentre as obras de Paolo Dall´Oglio podemos mencionar: Speranza nell Islâm.Interpretazione della prospettiva escatologica di Corano XVIII. Genova: Marietti, 1991 (sua tese doutoral, defendida na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, em 1984); La sete di Ismaele. Siria, diario monástico islamo Cristiano. Verona: Gabrielli editore, 2011; Innamorato dell´islam, credente in Gesù. Milano: Jaka Book, 2011; Collera e luce. Un prete nella rivoluzione siriana. Bologna: EMI, 2013. E sobre sua experiência: Guyonne de Montjou. Mar Musa. Un monastero, un uomo, un deserto. Milano: Paoline, 2008;Paolo Dall´Oglio. A colloquio con Guyonne de Montjou. Milano: Paoline, 2014.

 

 

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[1]Marco LUCCHESI (Org). A longa noite síria. Uma voz no deserto. Rio de Janeiro: Dragão, 2015, p. 55.

[2]Ibidem, p. 56.

[3]Ibidem, p. 58.

[4]Ibidem, p. 58-59.

[5]Marco LUCCHESI. Os olhos do deserto. Rio de Janeiro/Record, 2000, p. 56-57

[6]Ibidem, p. 57.

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