João Gilberto e os Haikais (2012)
Faustino Teixeira
Em sua obra, "o império dos signos" (1970), Roland Barthes fala da simplicidade do haikai e de seu alojamento no código geral de sentimento por ele nomeado como "emoção poética". É uma pequena "cápsula" que capta "um instante privilegiado".
Ao ler sobre João Gilberto, e sobretudo ao ouvir João Gilberto, algo semelhante vem ao coração. Curioso constatar a ligação do povo japonês com a música de João Gilberto.
No artigo de Shigeki Miyata, recolhido no recente livro sobre João Gilberto, organizado por Walter Garcia (2012), ele relata sua admiração pelo conhecimento demonstrado por João Gilberto em sua viagem ao Japão em 2003. João manifestou um amplo conhecimento sobre o Japão e já começou falando sobre o zen budismo e os haikais. Estabeleceu-se ali uma sintonia de coração com o público japonês, retribuído com uma sessão de aplausos que durou 25 minutos ininterruptos.
Que magia é essa? Assim como ocorre na pequena cápsula poética do haikai, João também buscou trazer a simplicidade do significado dizendo o mínimo. Para ele, a perfeição do canto conseguia sua realização quanto mais roçava a "indefinição da fala".
Na base de tudo isso, uma visão contemplativa do mundo, já expressa em depoimento de 1959: "Gostava de ficar horas e horas à beira do rio, ouvindo o coaxar dos sapos e vendo a luz, a claridade, os reflexos do sol na água. Tentava compreender aquilo tudo. Consegui sentir - compreender não compreendi. Mas aquilo ficou em mim e ainda hoje carrego comigo um bocado de todo aquele alumbramento".
Essa é a síntese mais clara da compreensão zen: "um modo de viver o real cotidiano sem complicá-lo com idéias" (L.Perrone-Moisés). Num dos mais interessantes artigos do livro sobre João Gilberto, Tarik de Souza comenta o "comportamento musical enxuto, quase ascético" de João Gilberto, que como o haikai busca despertar a emoção estética através da alusão.
Tarik faz referência a um dos mais fiéis e argutos retratistas de João, o americano John Wilson, que usa as palavras do próprio cantor para traduzir a riqueza do clima que o rodeia: "Hoje, vou me refinando, purificando minha música até que consiga atingir a verdade mais simples. Como quando eu era criança".
Nada de diverso fez o grande mestre dos haikais, Matsuó Bashô, que com sua linda poesia limitava-se a traduzir com poucos elementos o instante privilegiado. Daí João - como mostra Tarik de Souza -, precisar para o seu canto de um "espaço claro e aberto" onde pudesse colocar os seus sons, na pureza e simplicidade de seu significado, como se escrevesse num pedaço de papel em branco.
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